Suicídio em tela: um olhar comportamental
Estatísticas internacionais revelam números assustadores envolvendo comportamentos de autoagressão, principalmente com o público mais jovem. Vão desde o sofrimento pessoal chegando a causar transtornos psicológicos a comportamentos que tendem a dar fim a própria vida. A maneira como historicamente o assunto foi tratado na sociedade, põe em tela por um lado a tabu envolvido no mesmo e a romantização atribuída devido a materiais produzidos por grandes empresas do cinema. Este drama foi abordado na série da Netflix “13 reasons why” e já são alarmantes os números de pessoas que buscam apoio psicológico por estar em condições semelhantes às vividas por Hanna Becker na série norte-americana. A série deve ser analisada com cuidado e principalmente bem mastigada por jovens vulneráveis pois o efeito ‘werther’ não pode ser descartado. Este termo refere-se a publicidade de um caso notável que serve de estímulo a novas ocorrências
A série começou a ser exibida na Netflix no final de março do ano de 2017 e desde então vem sendo alvo de algumas críticas tanto positivas por trazer a tona um tema importante como este, tanto negativa por romantizar o problema não abordando-o de forma delicada, como de fato o tema deve ser discutido. “13 reasons why” foi baseada no livro de Jay Asher e narra a história de Hanna Baker, uma adolescente de 17 anos do ensino médio que faz 13 gravações onde relata os motivos de seu suicídio, focando na culpabilização tanto dos amigos, quanto da escola e da sociedade em geral. Embora o bullying tenha sido um tema pertinente a ser discutido na série mostrando cenas de diferentes tipos de agressões partindo dos colegas da protagonista, culminando num ato de suicídio, a forma com foi produzida marcou de forma positiva este comportamento, como um ato de heroísmo em meio ao sofrimento de Hanna, chegando a afirmar que “suicídio não é escolha”. Partindo do pressuposto de que todo comportamento é instalado e mantido pelo ambiente, pode-se afirmar que o comportamento suicida é produto das interações do sujeito com o ambiente, QUANDO este está sob condições de risco que incluem sua fragilidade para lidar com situações aversivas, ou seja, quando o indivíduo não tem meios (comportamentos) para enfrentar um sofrimento presente. Normalmente pessoas que emitem comportamentos suicidas deixam claro um repertório comportamental pouco variado tendo em vista a limitação para lidar com frustrações. Uma mulher de 20 anos, por exemplo, que sempre foi poupada de qualquer tipo de sofrimento, tendo todos os seus desejos atendidos e tratada como uma princesa pelos pais, provavelmente tenderá a entrar numa condição depressiva (de desamparo) frente a algum tipo de frustração como o de “não ser reconhecida nos ambientes sociais”, ou até mesmo ser mal sucedida em alguma atividade, nunca feita por ela. Em alguns casos, o fato de ser traída pelo namorado, pode ser motivo de suicídio, tendo em vista sua tentativa de chamar atenção do mesmo. Nunca se sabe os reais motivos que levam alguém a suicidar-se, pois o comportamento humano é multideterminado e apenas conhecendo a história da pessoa poderá ser possível chegar a funcionalidade do comportamento de tirar a própria vida.
Ao contrário do que se pensa, não há uma resposta óbvia, imediata, simples, nem completa. Suicídio é um fenômeno altamente complexo e resulta de uma combinação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais. (Zortea, 2015). Em análise do comportamento o suicídio tem como principal função a fuga e a esquiva de situações aversivas. Chamamos de fuga todo comportamento que tem por finalidade livrar-se de uma situação aversiva no momento em que ela acontece, por exemplo quando um sapato aperta nossos pés, logo o tiramos pra se livrar do desconforto. O mesmo acontece com a esquiva só que nós emitimos o comportamento de livrar-se do aversivo antes dele acontecer, por exemplo quando temos que apresentar um trabalho escolar, faltamos ao colégio justificando que estava doente. Desse modo, o comportamento suicida tem como finalidade(função) geral evitar uma situação negativa. Segundo a OMS, a cada 40 segundos uma pessoa morre por suicídio em algum lugar do planeta. Número assustador tento em vista a quantidade de meios que temos para falar sobre este assunto. Alguns teóricos abordam o tema suicídio catalogando situações vulneráveis como as citadas aqui, que vão desde situações pessoais, quanto sociais, amorosas, financeiras, orgânicas e relacionais. Algo de extrema importância que é a sobrevivência, neste tema parece retroceder a evolução, quando o próprio organismo dá fim a si mesmo, mas algo filogenético parece embasar esta questão: a apoptose, ou seja células de nosso corpo se matam pelo bem coletivo (parece até com os homens-bomba que já conhecemos). Funciona dessa maneira: a morte celular é uma estratégia de defesa contra microorganismos, por exemplo, ao sermos infectados por um vírus, para que estes não se manifestem se multiplicando. Para que o suicídio ocorra é disparado um programa chamado apoptose e a morte celular acontece em meio a um processo, nada é de repente. Outros fatores envolvidos com o suicídio está relacionado a necessidade de atenção das pessoas a sua volta, algo semelhante ao drama vivido por Hanna na série da Netflix “13 reasons why”. Neste caso, atenção pode ser definida como “reforço social”, algo que todos nós almejamos. Ser notado, é um comportamento comum que tanto os Bully quanto os suicidas tem em comum.
Então, a fim de amenizar as estatísticas de mortes por suicídio no mundo, faz-se pertinente voltarmos mais nossos olhos às pessoas a nossa volta. Um pedido de ajuda pode ser notado nas frases “a vida não tem mais sentido pra mim”, “eu cansei de viver” e/ou “qualquer dia desses eu desapareço”. Atente-se a qualquer comportamento que soe estranho no repertório normal da pessoa, digo isso me referindo também às vítimas de bullying. Esteja atento ao comportamento de seu filho em evitar ir a escola, em diminuir as notas escolares, não querer participar de grupos, isolar-se ou diminuir a quantidade de vezes que faz algo que antes era prazeroso. É necessário ser empático com pessoas que apresentam comportamento suicidas. Michael Skinner, em entrevista ao Through This, dz: ”penso que gentileza, compaixão e cuidado exercem um profundo efeito. Eu realmente acredito nisso. Mesmo que essas ações não tenham as respostas, ou que eu não tenha as respostas, se alguém está sendo validado e valorizado, eu acredito que isso possui um efeito imenso no início da cicatricação da dor”.
Diego Marcos Vieira da Silva
Psicólogo Clínico Comportamental (CRP 15/4764)
Referências:
QUINTANILHA, Clarissa Moura. Um olhar exploratório sobre a percepção do professor em relação ao fenômeno bullying. 2011. 112pg. Disponivel em: < http://www.ffp.uerj.br/arquivos/dedu/monografias/cmq.2.2011.pdf>
SOARES, Vinicius Henrique Pedrosa. Suicídio celular. Portal educação, 2012. Disponível em: < https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/biologia/suicidio-celular/21191>
ZORTEA, Tiago. Prevenção ao suicídio em nível individual: o papel da empatia no salvamento de vidas. 2016. Comporte-se. Disponível em: < http://www.comportese.com/2016/10/prevencao-suicidio-empatia>
ZORTEA, Tiago. Suicídio: observações sobre a tragédia de não mais querer viver. Comporte-se, 2015. Disponivel em: < http://www.comportese.com/2015/09/suicidio-observacoes-sobre-a-tragedia-de-nao-mais-querer-viver>