O mundo foi surpreendido na manhã de segunda-feira (24/8) por uma notícia pela qual já estava até esperando, mas não queria vê-la confirmada.
Cientistas da Universidade de Hong Kong documentaram a primeira reinfecção de um caso de Covid-19. Trata-se de um rapaz de 33 anos que, quatro meses depois de ter se recuperado, voltou a ser diagnosticado com a doença.
Vez ou outra notícias semelhantes apareciam, mas continuavam sob a suspeita de serem “falsos positivos” – situações em que a presença do vírus no sangue não determina, necessariamente, que uma nova versão dele foi adquirida.
O caso documentado em Hong Kong passou a ser emblemático porque, desta vez, foi possível verificar que, de fato, o rapaz havia contraído a Covid-19 duas vezes. O sequenciamento genômico do primeiro vírus não bateu com o do segundo, afastando a hipótese de que o Sars-CoV-2 teria ficado latente no paciente.
Somado à informação de que o rapaz tinha feito uma viagem recente à Espanha, os cientistas mataram a charada verificando que a amostra atual do vírus era semelhante à que circulou na Europa nos meses de julho e agosto. Ou seja, o paciente pegou a Covid-19 duas vezes.
O achado científico abre um campo novo para os conhecimentos sobre a imunidade ao coronavírus e um desafio para o desenvolvimento das vacinas. “O caso mostra que é possível que algumas pessoas se infectem mais de uma vez pelo Sars-CoV-2, que adquiram mais de uma vez a Covid-19”, explica o infectologista Alberto Chebabo, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Na prática, fica quase certo que uma dose única da vacina não será capaz de desenvolver os anticorpos necessários para uma imunidade duradoura. Num exercício possível de futurologia, apoiado nas evidências que já existem para o vírus influenza, pode ser que as versões da vacina contra a Covid-19 necessitem de atualizações anuais para satisfazer as mudanças genéticas do vírus.
Por outro lado, como os infectados contam-se aos milhões no mundo inteiro e os casos de reinfectados são esparsos, a descoberta não abriria um desafio imediato para a corrida das vacinas, da qual todos nós somos espectadores atentos.
“Não significa que as vacinas estão obsoletas já de saída, mas que os ensaios de vacina agora em andamento terão que colocar essa possibilidade quando forem analisar pessoas vacinadas que se infectaram”, explica o infectologista David Urbaez, diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal.
Urbaez lembra que fatos assim são típicos da construção do conhecimento científico que demanda tempo e, por isso, reforça a necessidade de adaptação das pessoas ao “novo normal”. “Máscara, distanciamento social, higiene das mãos, não fazer aglomerações e circular o menos possível continuam sendo as formas que temos de responder ao Sars-CoV-2”, afirma. É duro dizer, mas o passaporte para a imunidade ficou um pouquinho mais longe do que esperávamos.