Gastronomia e as tradições.

Tudo começa com o escolhemos no que é colocado no carrinho do supermercado, a qualidade de vida tem início quando a educação alimentar é levada a sério. E educação alimentar, no geral, significa comer bem, comer produtos naturais carregados de nutrientes. Colocar no carrinho alimentos que podemos preparar, porque estamos com vontade de comer aquela comida… Melhor ainda!

Comida é carinho, afeto, e história. O resto é balela.

Sendo história, a comida conta um pouco dos nossos costumes, ou de como adquirimos esses costumes e nos identificam como um povo, também contam tradições que adquirimos por repetição e também por conta de nossas origens. Festas religiosas, sejam elas católicas ou de matizes africanas, estão impregnadas de alimento e fé. Muitas vezes carregadas de sentimentos e de recordações.

Cozinha tem a ver com lembranças. Lembranças têm a ver com momentos. E isso nos afeta profundamente.

Por cansaço, preguiça ou comodismo, nos acostumamos a entregar um dos nossos maiores prazeres, COMER, a produtos industrializados, enlatados, ultraprocessados, cheios de químicas e conservantes, quase sem sabores ou de sabores tão padronizados, esquecendo que prazer e saúde devem andar de mãos dadas.

Não tem nada mais prazeroso do que preparar a sua própria refeição, ou tê-la preparada em casa, no aconchego de sua cozinha. A cozinha não está nem aí para luxo, ou equipamentos de ponta. Ela está ali para celebração de transformação de alimento em refeição. Ainda mais se essa refeição conta a historia de sua família, te lembra de momentos felizes e marcantes que ficaram para trás. O ato de recordar boas lembranças é muito provável com uma comida carregada de simbolismo.

Não se deve desprezar as tradições, as comidas típicas, a sabedoria dos mais velhos. Muitas bases e costumes alimentares foram construídos por eles, ainda que não tivessem um estudo técnico sobre assunto.

Esses costumes e tradições adquiridos através da experiência compartilhada e carregada de conhecimento empírico, e que nos acompanham de geração em geração, constituem fortemente boa parte de nossa base culinária. Imagina Semana Santa sem feijão no coco, bredo, peixe, São João sem milho, canjica, pamonha, Natal sem jantar em família, não importa sem tem frango, peru ou tender na mesa. O acarajé as sextas, a canjica branca pra Iemanjá, o azeite de dendê… É a simbologia do que é compartilhado, divido e conversado que importa. Disso se constituem as tradições.

Algumas tradições na forma de preparar, na forma de comer podem simplesmente serem esquecidas se não realizadas… Se a gente não tenta resgatá-las, por preguiça ou comodidade, ou porque acha que não tem tempo para perder com isso, com o tempo perdemos as referências desses gostos, dessas identidades, e vamos perdendo o prazer em preparamos nós mesmos a comida, perdendo também a chance de desfrutar de ótimas refeições (e quem sabe também de ótimas recordações).Quando preparamos e cozinhamos algo que são tradicionais à nossa história, uma das coisas mais importantes que fazemos é exatamente nos reconectarmos com nossas origens.

Comer um peixe que lembra o avô, uma torta que lembra a tia, um bolo que lembra um dia gostoso no sítio, uma carne que lembra aquela viagem… Hum… Lembrem-se, comida é prazer.

Hald McGee em seu livro: Comida e Cozinha – ciência e cultura na culinária (2014) diz que:  “Cozinhar com consciência é prestar atenção ao que nossos sentidos nos dizem enquanto preparamos o alimento…” e isso é base para a comida de aconchego, comida de afeto.

As tradições sobrevivem porque elas se adaptam, cada um pode dar o seu toque original a uma receita de família. Tradições são o resultado de uma cultura, de uma seleção cultural. E elas sobrevivem porque de certa maneira ajudam as pessoas a preservarem a sua história, a história de suas raízes. Ajudam a manterem vivos os laços e suas heranças.

Comer é mais que se alimentar. Comer é se conhecer, se gostar, se reconectar.

Foto: Anne Caroline Soares.

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