Gastronomia, Cultura e Sociedade
Não entendemos direito o conceito de gastronomia, e sempre vinculamos ou restringimos o assunto apenas às quatro paredes de uma cozinha. Entretanto,
a gastronomia tem muito mais a oferecer do que apenas pratos saborosos, aromáticos e deliciosos, isso quando bem executados.
Gastronomia ultrapassa essa ideia pré-concebida inicial. Através dela podemos nos expressar, nos identificar como um povo, uma sociedade. A comida amplia
horizontes da representatividade de um grupo, uma sociedade, de uma região.
Ela é o reflexo do que fomos, de como estamos ou do seremos. Podemos afirmar que um alimento ou um único prato nos representa como brasileiros? Há uma unanimidade nisso? Feijoada? Churrasco? Feijão com arroz? Qual a nossa origem? De certo, uma bela miscigenação de índios, portugueses e africanos, depois espanhóis, holandeses, italianos, germânicos, japoneses, franceses, sírio-libaneses… Todas essas etnias nos fazem um povo
plurirracial.
Ora, se não temos uma raça predominante em nosso sangue, como esperamos ter um único prato que nos represente. Conhecemos os nossos alimentos? O que verdadeiramente é nosso? Caju? Quiabo? Tomate? Coco? Mandioca? Milho? Cana de açúcar? Café? O que aprendemos com os nossos nativos? Que influências absorvemos com os portugueses, os mouros, os africanos?
De fato, todas as técnicas e produtos que recebemos, comprovadamente em nosso solo vingou e foram absorvidas. Fazemos pratos e trocamos receitas que não sabemos sua origem, às vezes vale a velha máxima: “receita de família”, “minha avó fazia assim”…, mas elas aprenderam com alguém. Os hábitos, processos, trocas de receitas e sabores também contém relações sociais.
E porque isso é tão importante? Porque precisamos nos firmar como um país, e isso também é possível através da alimentação. Precisamos aprender com a história, aquela mesmo que estudamos no colégio, essa que alguns insistem em desprezar. Se não conhecemos nossa origem, como saberemos o que nos une? O que nos
identifica?
Mais do que matar a fome, através da comida, nossa boca irá de verdade saciar o apetite por símbolos que nos identificam povos e culturas, como bem
já frisou o sociólogo Raul Lody. Comida representa comunicação, conhecimento e aprendizado, comida também une as pessoas, estreitam laços, muitos sentimentos são despertados à mesa, conversas, contratos, relacionamentos são iniciados durante ou após uma boa refeição.
A própria mesa é uma representação simbólica da sociedade. Numa mesa são narradas histórias de famílias, boas e más notícias são contadas enquanto se come.
Como podemos nos orgulhar de sermos uma nação, que não conhece a origem e a história dos comidas que nos alimenta? Quem nunca comeu algo e
foi transportado para um momento feliz da infância, da presença de um parente que não está mais fisicamente entre nós, da comemoração de algo que
conquistou…?
Cultura não está apenas imprensa nas páginas de um livro, numa escultura, numa peça de teatro ou numa obra musical. Ela está firmemente representada e caracterizada num alimento, num prato típico da cidade região, ou na maneira de ser preparado que comemos repetidamente e
que nos identifica.
Comida pode significar religião, posicionamento social, político (esqueçamos os partidos e ideologias), costumes e hábitos. O ato de comer não está apenas vinculado ao ato de sobreviver, comer resgata uma identificação com sua história, como cidadão, um sentimento de pertencimento que não sabemos
explicar.
Precisamos ter em mente que o que nos torna um povo, não é apenas sotaque, expressões ou limites territoriais. Está material ou imaterialmente impregnado
em nosso sangue. Seremos brasileiros mesmo morando em outros países, ainda que obtenhamos cidadania, porque a marca que fica definitivamente está no coração e no alimento que conta a história de quem você é de verdade.
Gastronomia é tudo o que conta nossa história antes, durante e depois de uma refeição, se apresenta como um gênero sem demarcações, e se constitui de
inúmeras atitudes ligadas aos nosso usos, costumes, condutas, resultando numa imagem de nossa sociedade.
Comida é história e como história ela mostra e marca a passagem humana, deixando sua marca.