Doria cobra equilíbrio, e Bolsonaro pede que tucano saia do palanque
Em vídeoconferência na manhã desta quarta-feira (25), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que o tucano não tem autoridade para criticá-lo após ter sido eleito às suas custas e depois ter lhe virado as costas.
“Subiu à sua cabeça a possibilidade de ser presidente do Brasil. Não tem responsabilidade. Não tem altura para criticar o governo federal”, disse o presidente ao tucano.
O embate entre Doria e Bolsonaro ocorreu diante dos demais governadores do Sudeste durante teleconferência com o presidente da República.
“Se você não atrapalhar, o Brasil vai decolar e conseguir sair da crise. Saia do palanque”, disse Bolsonaro a Doria, segundo o relato à reportagem de três espectadores do debate.
Segundo participantes da reunião, o tucano recomendou equilíbrio ao presidente. Irritado, Bolsonaro afirmou que o Doria usou seu nome para se eleger e depois virou as costas como fez com os demais apoiadores.
A referência do presidente é em relação ao chamado “BolsoDoria”, quando o tucano declarou apoio e fez campanha para Bolsonaro no segundo turno da disputa presidencial de 2018. Eles romperam a relação política logo no início de seus mandatos.
Ao ouvir críticas de Doria à condução do combate ao coronavírus, Bolsonaro disse que o governador de São Paulo fez declarações levianas e sugeriu que o tucano guardasse suas opiniões pessoais para 2022.
O governador de São Paulo criticou o pronunciamento de Bolsonaro no dia anterior logo no começo da sua fala. “Inicio na condição de cidadão, de brasileiro e de governador de São Paulo, lamentando os termos do seu pronunciamento ontem à noite à nação”, disse.
“Estamos aqui, os quatro governadores do Sudeste em respeito ao Brasil e aos brasileiros, e em respeito ao diálogo e ao entendimento. Mas o senhor que é o presidente da República tem que dar o exemplo, e tem que ser o mandatário a dirigir, a comandar e liderar o país e não para dividir”, continuou o governador.
Doria ainda pediu a Bolsonaro que acelere a liberação de insumos e equipamentos e que não confisco de respiradores, o que detonou a reação do presidente.
“Não é hora aqui de termos questões burocráticas impedindo a aceleração da importação de equipamentos e insumos necessários à saúde publica. Não confiscar respiradores. Peço ao ministro que compreenda que São Paulo é o epicentro dessa grave crise de saúde. Não faz sentido confiscar equipamentos e insumos. Se essa decisão for mantida, informo que tomaremos as medidas necessárias no plano judicial para que isso não ocorra”, afirmou Doria.
Assim como Doria, os demais governadores lamentaram as declarações de véspera do presidente. O governador Wilson Witzel disse que não seguirá as orientações do presidente.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, disse que nunca desejou tanto que um presidente estivesse certo em seu pronunciamento. Mas que, por questão de responsabilidade, não poderia pagar para ver. Ele também criticou as orientações dadas por Bolsonaro.
“Temos seguido a OMS (Organização Mundial de Saúde) e na hora que o presidente opina e tira o valor da pandemia, causa uma confusão e uma dúvida nas pessoas, podendo atrapalhar o trabalho dificultando nossa ação. A dúvida e incerteza é a porta do fracasso”, pontuou Casagrande.
“Muito bom que a gente possa ter essa reunião para que o governo federal assuma a responsabilidade e, juntos, diminuamos o impacto social, econômico e na saúde”, continuou o governador do Espírito Santo.
Doria, por sua vez, pediu a Bolsonaro equilíbrio e disse que não admitiria confisco de respiradores, o que detonou a reação do presidente.
Na reunião desta quarta (25), os governadores pediram a Bolsonaro que aumente para 12 meses o prazo de suspensão da dívidas dos estados com a União. O presidente liberou os estados de pagarem os débitos pelo período de seis meses.
Os gestores também pediram a antecipação do pagamento de parcelas da Lei Kandir, a recomposição do Fundo de Participação dos Estados a renegociação de dívidas dos estados com organismos internacionais. Este também foi o pleito de governadores de outras regiões.
Antes da vídeoconferência, Bolsonaro manteve nesta quarta-feira (25) o tom adotado em seu pronunciamento da véspera sobre a crise do novo coronavírus, criticou medidas tomadas por governadores de restrição de movimentação de pessoas e defendeu o isolamento apenas para aqueles do chamado grupo de risco, como idosos.
“Vou conversar com ele [Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde] e tomar a decisão. Cara, você tem que isolar quem você pode. Você quer que eu faça o quê? Eu tenho o poder de pegar cada idoso e levar para um lugar? É a família dele que tem que cuidar dele no primeiro lugar”, afirmou o presidente, em entrevista em frente ao Palácio da Alvorada, a residência oficial.
“O povo tem que parar de deixar tudo nas costas do poder público. Aqui não é uma ditadura, é uma democracia”, declarou o presidente, na saída do Palácio da Alvorada. “Os responsáveis pela minha mãe de 92 são seus meia-dúzia filhos”, complementou Bolsonaro.
Ele voltou a falar que as ações de governadores prejudicam a economia e podem criar um ambiente de caos no país, o que, segundo ele, pode gerar caos e instabilidade democrática. Ele citou a esquerda e deu os protestos do Chile como exemplo.
Em pronunciamento na noite desta terça-feira (24), Bolsonaro criticou o fechamento de escolas e do comércio, contrariou orientações dos órgãos de saúde e atacou governadores. As declarações imediatamente provocaram repúdio de congressistas, governadores, no Judiciário e em diferentes setores da sociedade.
Em sua fala, Bolsonaro questionou procedimentos que têm sido adotados por todo o mundo, como o fechamento de escolas, e minimizou riscos da doença, como ao sugerir que as medidas de controle se restrinjam apenas aos mais velhos, além de contrariar órgãos de saúde e distorcer o cenário da pandemia.
O número de mortes por causa da Covid-19 subiu para 46 nesta terça-feira (24), segundo o Ministério da Saúde. É o maior salto em um único dia: 12. O primeiro óbito foi registrado no dia 17 deste mês. O país já soma, desde o início da crise do coronavírus, 2.201 confirmações da nova doença.
Em todo o mundo, até agora, são quase 110 mil casos e 19 mil mortes pelo novo coronavírus.
Parlamentares, entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), reagiram nesta terça-feira (24) com perplexidade e irritação ao pronunciamento em que o presidente criticou o fechamento de escolas, atacou governadores e culpou a imprensa pela crise provocada pelo coronavírus no Brasil.
Folhapress