Casos de feminicídio batem recorde em São Paulo em 2019
Os casos de feminicídio bateram recorde no estado de São Paulo em 2019, com 154 ocorrências entre janeiro e novembro, de acordo com levantamento feito pelo G1 e a GloboNews com base em boletins de ocorrência disponibilizados pela Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP).
O número de casos é o maior desde o início da série histórica, em 2015, com a publicação da lei em março, que prevê penalidades mais graves para homicídios que se encaixam na definição de feminicídio, ou seja, que envolvam “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Os casos mais comuns desses assassinatos ocorrem por motivos como a separação. De lá para cá, o feminicídio é tipificado como crime hediondo.
Os 154 casos representam aumento de 29% na comparação com os 119 assassinatos praticados em razão do fato de as vítimas serem mulheres contabilizados no mesmo período do ano anterior e já superam todos os 134 casos dessa natureza registrados no estado ao longo de todo o ano de 2018.
A maioria tem autor identificado e ocorreu dentro de casa:
- 79% dos casos (121 dos 154) têm autoria conhecida, a maioria companheiros ou exs das vítimas
- 68% das ocorrências (105 dos 154) ocorreram dentro da casa da vítima
- 42% dos casos (65 dos 154) tiveram prisão em flagrante
- A média de idade de todas as vítimas mortas em 2019 é de 36 anos
O G1 e a GloboNews acompanham a tendência de aumento de feminicídios desde abril de 2019, quando se constatou que os casos de feminicídio dobraram em meio à queda generalizada de crimes violentos no 1º bimestre do ano passado.
O aumento dos casos de feminicídio vai na contramão da redução de outros crimes violentos no estado em 2019, como o de como homicídios dolosos (quando há a intenção de matar), que contabilizaram queda de 7%, e os casos de latrocínio (roubo seguido de morte), que caíram 33%, de janeiro a novembro.
Já o estupro, crime que, em muitos casos, tem como alvo a mulher, registrou alta de 4% entre janeiro e novembro de 2019 na comparação com o mesmo período de 2018.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que “tem investido para reforçar o combate à violência doméstica em todas as suas vertentes” e que o número de prisões em flagrante cresceu 8,6% de janeiro a novembro de 2019 na comparação com o mesmo período de 2018″ (leia nota abaixo).
Para a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, ao que tudo indica houve um aumento real da violência contra a mulher.
“Ainda que se verifique melhoria da notificação dos feminicídios, o incremento de outras modalidades criminais contra as mulheres indica o aumento da violência de gênero. Reduzir estes números implica em combinar estratégias de enfrentamento à violência no ambiente doméstico e também no espaço público”, diz.
Jacira Melo, diretora-executiva da Agência Patrícia Galvão, afirmou, em outra ocasião, que o aumento das ocorrências dos feminicídios está relacionado “ao crescente empoderamento e aumento da autonomia das mulheres – não só financeira, mas também de acreditar que tem direito a uma vida sem violência -, que fazem com que elas não tolerem mais as contínuas violências e ameaças no relacionamento”.
“Vários estudos já mostraram que o momento em que a mulher decide romper com a situação de violência doméstica e com a relação com o agressor é o de maior risco de feminicídio. É nessa hora que o homem, sentindo-se contrariado e desafiado no que considera seu direito de controle e domínio absoluto sobre a mulher, sentencia: ‘Se não é minha não será de mais ninguém!'”, diz.
Para Samira, é preciso fortalecer a rede de acolhimento a mulher e incentivá-las a denunciar.
“Precisamos encorajar essa mulher vítima de violência a denunciar. Os instrumentos não podem ser acionados sem as vítimas. A rede de acolhimento também precisa estar fortalecida. A entrada delas só vai acontecer por meio da assistência social, Saúde, que precisariam funcionar minimamente para fazer com que essa mulher procure a delegacia para denunciar. Se a rede não estiver funcionando, ela dificilmente vai chegar na delegacia ou acionar 190”, disse.
Elisangela Fernandes, 40 anos, morta em novembro, em Potunduva, distrito de Jaú, no interior após sair para almoçar com um amiga, tinha uma medida protetiva, mas não se sentia segura. O ex-marido dela, Moisés Gomes Alves, foi até a casa da amiga, onde elas almoçavam, e disse que precisava conversar com a vítima. Ao chegar na porta, ela foi arrastada, segurada pelo pescoço e esfaqueada várias vezes.
Momentos antes do crime, Elisangela compartilhou nas redes sociais a notícia de um feminicídio em Pirajuí. “Meu Deus, mais uma”, escreveu Elisangela na postagem.
Dois dias antes de ser morta, Elisangela também compartilhou outro caso de feminicídio, em Dois Córregos. Nesse caso, Michele de Godoy Patrício, de 30 anos, foi morta a facadas na rua, enquanto ia para um ponto de ônibus.
“Está vendo? Esse é meu medo. Infelizmente sou obrigada a ficar dentro de casa mesmo tendo a medida protetiva da polícia”, postou ela nas redes sociais.
Segundo o registro da Polícia Civil, Elisangela e Moisés ficaram juntos por nove anos e tinham uma filha de 6 anos. Eles estavam separados havia pouco mais de um ano e, como o homem não aceitava o fim do relacionamento, perseguia e ameaçava a vítima.
Nos comentários, usuários lamentaram a morte da mulher e o fato dela já viver com medo de que o ex-marido pudesse fazer algo contra ela. “Mal sabia ela que seria a próxima.Misericórdia!”, disseram.
Informações sobre os boletins de ocorrência de feminicídio registrados em dezembro, como a quantidade de casos contabilizados e detalhes acerca de cada um desses crimes, só serão divulgadas pela SSP no dia 25 deste mês.
Em dezembro, o estado registrou o primeiro caso de feminicídio com uma mulher como suspeita de autoria (saiba mais aqui). Em fevereiro, a polícia registrou 1 transexual como vítima do crime.
Primeiro caso
A reportagem analisou a evolução dos registros de feminicídio disponíveis em toda a série histórica disponibilizada pela Secretaria da Segurança Pública.
O primeiro caso de feminicídio disponível no banco de dados da SSP é o de uma costureira de 44 anos assassinada em Itupeva, no interior paulista, em 12 de abril de 2015. Naquele ano, 38 assassinatos de mulheres foram tipificados dessa forma no estado. Entre janeiro e dezembro de 2016, 60 ocorrências com essa classificação foram contabilizadas. Já em 2017, foram 109.
Entre abril de 2015 e novembro de 2019, 495 boletins de ocorrência de feminicídio foram registrados no estado.
Nota SSP
“A Secretaria da Segurança Pública informa que o número de prisões em flagrante por feminicídio cresceu 8,6% de janeiro a novembro deste ano ante o mesmo período de 2018. A atual gestão tem investido para reforçar o combate à violência doméstica em todas as suas vertentes. Ampliou de uma para 10 o número de DDMs 24 horas, criou o SOS Mulher – aplicativo que prioriza o atendimento às vítimas com medidas protetivas – e tem realizado campanhas para incentivar o registro dessas ocorrências, a fim de que os autores desses crimes sejam identificados e responsabilizados. A pasta também investe na capacitação dos seus profissionais ao acolhimento dessas vítimas, por meio de cursos de capacitação nas respectivas academias e um protocolo único de atendimento utilizado em todas as unidades de polícia judiciária do Estado”, diz o texto.