Maria da Penha

Em meio às inúmeras histórias de mulheres agredidas, uma costuma ser lembrada com frequência: a da ativista Maria da Penha, que inspirou a Lei de combate à violência doméstica contra a mulher no Brasil.

Penha, hoje com 74 anos, sofreu grave violência do então marido, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros. Ela conta que vivia um casamento infeliz e afirma que o marido costumava ser agressivo. Em maio de 1983, a ativista foi baleada pelo homem.

O tiro deixou Penha na cadeira de rodas. Ela conta que teve de reaprender a viver. A ativista era servidora pública e se aposentou por invalidez.

Por 19 anos e seis meses, período que faz questão de frisar, a ativista buscou por justiça. “Ele foi julgado e condenado por duas vezes (no início dos anos 90), mas saiu do Fórum em liberdade, porque os advogados logo entravam com recursos”, explica à BBC News Brasil.

Nos anos 90, ela escreveu a sua história no livro Sobrevivi. Posso contar. “No livro, contei toda a história, incluindo as contradições dele. Eu dizia que se a Justiça não o condenasse, ao menos quem lesse o livro saberia que ele teve culpa”, relata.

Mais de 35 anos após ser baleada, Maria da Penha afirma que o período mais difícil foi superado

Mais de 35 anos após ser baleada, Maria da Penha afirma que o período mais difícil foi superado

MARIA DA PENHA INSTITUTE

A história de Penha chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 1998, após ser encaminhada por duas entidades internacionais de direitos humanos que haviam tido acesso ao livro dela – Cejil (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional) e Cladem (Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher).

Em abril de 2001, a Corte condenou o Brasil e determinou que o país prendesse o ex-marido de Penha e recomendou que fossem garantidas mais proteções legais às mulheres no país. Viveros foi julgado novamente e condenado a oito anos de prisão. Ele ficou dois anos em regime fechado e outros seis entre o semiaberto e aberto.

A Lei 11.340, que seguia a orientação da Corte Interamericana de Direitos Humanos para maior proteção às mulheres, foi aprovada pelo Congresso somente em agosto de 2006. Em homenagem à responsável pela medida, tornou-se conhecida como Lei Maria da Penha.

Mais de 35 anos após ser baleada e ter que reaprender sobre a vida, Penha afirma que o período mais difícil foi superado.

“Procuro pensar que foi ruim, mas estou colaborando para uma sociedade mais justa”, diz. Ela se tornou ativista e criou o Instituto Maria da Penha, que tem o objetivo de conscientizar sobre os direitos das mulheres.

“Nós levamos orientações aos lugares, como em fábricas e empresas, sobre como reconhecer quando uma mulher é vítima de violência doméstica e como ajudá-la a superar essa situação.”

As agressões contra as mulheres

A Lei Maria da Penha é considerada um marco importante para enfrentar a violência contra as mulheres no Brasil. Ela elevou as penas e determinou as criações de infraestrutura de atendimento às agredidas, como a criação de delegacias de mulheres. Além disso, também estabeleceu instrumentos legais para que juízes tomassem medidas urgentes, como determinar o afastamento físico do agressor.

Posteriormente, houve outras alterações consideráveis na legislação em relação à violência contra a mulher, como a Lei do feminicídio, de 2015, e a de importunação sexual, sancionada no ano passado.

“Essas leis são importantes. Mas somente elas não bastam”, afirma a psicóloga Juliana Martins, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ela considera que é fundamental que haja mais políticas públicas para acolher e proteger as mulheres vítimas de violência.

“A rede de proteção para essas mulheres não é simples, pois é preciso resgatar sua autoestima, autoconfiança e capacidade de se ver capaz novamente, para que possa ter acesso a maneiras de ter autonomia financeira.”

“Fazer uma rede de proteção funcionar não é fácil. Demanda entendimento do poder público, que precisa compreender que isso é importante e prioritário. Depois, demanda uma disposição das instituições para conversarem e trabalharem conjuntamente. Para isso, é preciso, entre outras coisas, investimento e capacitação”, acrescenta.

Segundo especialistas, há iniciativas pontuais que auxiliam as mulheres vítimas de violência física ou psicológica, por meio de projetos apoiados por alguns gestores públicos ou pela iniciativa privada. Porém, tais medidas são consideradas insuficientes, em razão do grande número de mulheres que sofrem violência no Brasil.

“É fundamental ampliar a rede de enfrentamento à violência contra as mulheres. É preciso alcançar mais mulheres em diferentes localidades do país”, declara Ana Carolina Querino, da ONU Mulheres Brasil.

Para as mulheres que sofrem violência doméstica, Marina Mirtes pede para dar um recado. “Conhecia várias mulheres que foram vítimas de feminicídio. Com o meu caso e com tudo o que tenho acompanhado, digo que é fundamental que a mulher vá embora na primeira agressão. Ela não deve acreditar que ele vai mudar”, diz.