Reajuste zero de Renan Filho para servidores em 2020 gera revolta
A verdadeira face do governo Renan Filho (MDB), aos poucos, tem se revelado para os seus principais colaboradores: os servidores públicos. Mesmo reconhecendo que conta com a parcela de contribuição da categoria para superar índices negativos, na hora do reconhecimento desse pessoal, o governador dá as costas. É o que vai acontecer com a data-base do ano que vem, já que a PEC da Lei Orçamentária Anual (LOA), encaminhada semana passada, para a Assembleia Legislativa Estadual (ALE), prevê reajuste salarial zero em 2020. O achatamento, porém, não atingirá os servidores do Tribunal de Contas (TC), Tribunal de Justiça (TJ), Ministério Público Estadual (MPE) e ALE. A medida, inclusive, é ilegal, já que a Constituição, no artigo 37, inciso X, garante a recomposição inflacionária para todos os trabalhadores.
Isso somado ao fato de que, até o momento, também não foi pago nada de aumento equivalente à inflação de 2018 – possivelmente, a pressão no ano que vem é para o pagamento das duas. Na prática, o temor das categorias – sem a recomposição nem o pagamento de outras conquistas, como progressões de letra – é que, aos poucos, o “esquecimento” palaciano prejudique ainda mais a renda do servidor público.
Quem alerta é a presidente do Sindicato do Fisco de Alagoas (Sindfisco), Lúcia Beltrão, lembrando que, mesmo quando garantiu o pagamento de parte da perda inflacionária, o governo tratou como aumento e confundiu a população. Ela lembra, também, que, ao ignorar a reposição, naturalmente, isso leva à queda de renda, do poder de compra e, por consequência, da arrecadação do Estado.
“Isso constitui uma redução salarial, porque, no momento em que a inflação sobe e as perdas não são repostas, todos os servidores ficarão com seus salários ainda mais reduzidos. Já existe uma perda acumulada desde 2015, quando o IPCA deu 6,41% e o governo só repassou 5% de reposição e deixou para trás 1,41%. Em 2016, a inflação calculada pelo IPCA foi 10,67% e, no ano seguinte, também não foi pago nada. Quando se acumula, isso dá um rebate violentíssimo na renda do servidor”, analisou Lúcia Beltrão.
Outro detalhe, conforme lembrou a sindicalista, envolve o chamado “efeito dominó” na economia, porque, na medida em que passa a ter menos renda, o servidor também compra menos. E isso tem impacto direto na arrecadação, uma vez que a geração de imposto está diretamente associada ao poder de compra e, por consequência, o consumo gerado.
“Isso é uma questão de não observância à Constituição Federal, porque ela diz em seu artigo 37, inciso X, que está garantida a recomposição das perdas inflacionárias para todos os trabalhadores do Brasil. É bom deixar claro que reposição não é aumento. Isso é apenas uma forma de manter o poder aquisitivo. O governo classifica de uma forma a induzir que o servidor tenha um tratamento diferenciado dos demais trabalhadores. Aqui em Alagoas os servidores estão sacrificados com seus salários sendo reduzidos”, atestou Lúcia Beltrão.
Dentre os professores, o sentimento de desvalorização é ainda maior, porque, conforme revelou a presidente do Sinteal, Maria Consuelo, o percentual de perdas acumuladas na gestão Renan Filho é de 26%. Ao passo que a demanda em sala de aula aumentou, os profissionais passaram a ter maior desvalorização.
“Mais uma vez, o governo Renan Filho impõe uma agenda de desvalorização dos servidores públicos estaduais. Desde o início de sua gestão, os trabalhadores e trabalhadoras em Educação acumulam perdas de mais de 26% em seus salários, uma desvalorização que não é apenas dos profissionais, mas do próprio serviço público, e que atinge em cheio a população, que precisa da escola pública e que paga religiosamente uma carga de impostos para ter uma educação de qualidade”, disse Consuelo.
Para o Sinteal, o que está sendo construída é uma “agenda de sucateamento”, que, além de ignorar a importância dos trabalhadores no dia a dia, também não reconhece suas conquistas e direitos, mesmo para os que investiram em formação continuada e especializações. “Essa agenda de sucateamento não trata apenas da ausência de reposição salarial, de direitos conquistados em lei como as progressões dos funcionários e funcionárias de escola, que, até agora, não se concretizaram”, acrescentou Consuelo.
Ao mesmo tempo que reconhece o dano que a “reposição zero” pode provocar no ano que vem, o Sinteal continua pressionando para a aplicação das perdas inflacionárias do ano passado, ainda em 2019. “Juntamente com o Sinteal, a categoria tem construído uma agenda de lutas para enfrentar essa política antitrabalhador do governo estadual, e seguimos, ainda, construindo a campanha salarial de 2019, pois sabemos que o não cumprimento da data-base, este ano, é uma escolha política consciente do governo Renan Filho, uma vez que estes recursos existem”, afirmou Consuelo.
O fato de não ter avançado nenhuma negociação entre professores e o governo, a entidade afirma que está disposta a negociar, tanto que tem buscado dialogar também com alguns parlamentares sobre os problemas que afetam a categoria.
“Continuaremos buscando o diálogo com os parlamentares na busca de uma solução ainda para 2019 e também 2020, no sentido de que o direito a um salário digno para os trabalhadores e trabalhadoras em Educação – e para o conjunto dos servidores públicos estaduais – seja efetivamente garantido”, concluiu a presidente do Sinteal.
Segurança
O Sindicato dos Policiais Civis (Sindpol) também reagiu com veemência ao tomar conhecimento de que a categoria estará de fora da previsão de pagamento da inflação em 2020. Na avaliação do presidente da entidade, Ricardo Nazário, é até contraditório a postura do governador, uma vez que sua reeleição foi pautada na Segurança Pública como forma de combater a violência que assola Alagoas.
“Aumentar o duodécimo dos poderes para garantir aumento é um tapa na cara do policial civil. Ele fez a campanha pautada na segurança, no profissional, e o que menos fez na gestão foi valorizá-lo. Isso é muito triste e desmotivador para a categoria. Não dar a reposição inflacionária, já este ano, desde maio, é algo prejudicial”, considerou Nazário.
Ele lembra que, até o momento, a categoria ainda não conseguiu emplacar o reconhecimento do direito à periculosidade para a atividade policial por parte do governo. Em sua avaliação, a postura do governador em não reconhecer esses riscos chega a ser incoerente, principalmente pelo fato de, recentemente, equipes da Polícia Civil terem desbaratado quadrilhas especializadas e fortemente armadas em várias operações, inclusive com troca de tiros durante as abordagens.
“Como é que o trabalho não é perigoso e não temos esse direito? Aí o governador manda um projeto de periculosidade para os oficiais de Justiça. Claro que têm seus riscos e não temos nada contra. Mas é incoerente e chega a ser cômico que, conosco, o tratamento seja diferente. Um detalhe que os policiais têm nos relatado é que não são poucas as vezes que os próprios oficiais procuram apoio nas delegacias, dos policiais, para poderem cumprir suas obrigações. O fato é que os policiais civis estão desmotivados”, revelou Nazário.
Na última assembleia da categoria, foi definida a pauta de mobilizações e os policiais civis podem entrar em greve nos próximos 10 dias, caso não avancem as últimas tentativas de negociação com o governo do Estado. Os ofícios solicitando audiência com o governo, por meio de seus técnicos e, até mesmo, com o governador, já foram protocolados.
CUT
A repercussão negativa da decisão do governo e no tratamento diferenciado para algumas categorias, em detrimento de outras, tem preocupado o dirigente sindical e integrante da direção da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Izac Jacson. Ele lembrou que, recentemente, durante a realização da Feira da Reforma Agrária, presenciou o modo como Renan Filho se relacionou com a categoria de forma amistosa, amiga e interativa. Mas, ao mesmo tempo, ficou sem compreender porque o mesmo não ocorre na cidade.
“Fiquei me perguntando como o governo tem facilidade de dialogar com o trabalhador do campo e tem uma dificuldade imensa de fazer o mesmo com os servidores públicos estaduais, que, no meu modo de ver, é o principal pilar para um estado que quer servir à população. É através dele que chega a educação de qualidade na escola, bem como o atendimento adequado nos hospitais e na área de Segurança Pública. O governo Renan Filho é o único do país que não recebe os servidores. Só o fez no primeiro ano de governo, depois disso terceirizou essa missão. Antes ainda era algo feito pelo chefe do Gabinete Civil, Fábio Farias; agora é o assistente dele quem recebe os servidores”, revelou Izac.
Ao todo, são cinco anos que não recebe a categoria e, possivelmente, se não houver mudança de rumo da LOA, será o terceiro ano que não ocorrerá a reposição das perdas inflacionárias. Especialista em números e conhecedor da realidade fiscal do Estado, ele garante e prova que, atualmente, em Alagoas, é praticada a chamada “contabilidade criativa” para omitir dados reais.
“Posso afirmar, com base nos dados do Estado, que a contabilidade no tocante à responsabilidade fiscal não condiz com a verdade. Ela é manipulada e maquiada. Ele faz contabilidade criativa. Mistura despesas pagas com inativos e pensionistas com recursos vinculados. E inclui isso no custo total da LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal], sem fazer as deduções devidas como a própria lei assim exige. Essa foi a mesma prática cruel adotada pelo ex-secretário Maurício Toledo no governo Téo [Vilela]. Inclusive tem parecer do Tesouro Nacional contra essa prática. Não usou em 2015 e 2016 e voltou a usá-la recentemente. Ou seja, não está deduzindo das despesas de pessoal aquelas custeadas com recursos de inativos e pensionistas e da própria folha de efetivos. Vemos com tristeza e descaso o tratamento que dá aos servidores públicos”, denunciou Izac.
Paralelo a essas questões técnicas e financeiras, para conter a união dos servidores, o governo teria se utilizado da estratégia de abrir frentes de negociações separadas das categorias. Em alguns casos recompôs gratificações atrasadas ou esquecidas por outros governos, ajustou outra reivindicação da PM e foi desmobilizando os segmentos. Entretanto, ele também reconhece que há um clima de inquietação nos bastidores de todas as categorias de servidores.