Impunidade: morte de vereador completa oito anos sem julgamento de Sânia Tereza

Vereador foi morto enquanto voltava da cidade de Maribond

Nesta terça-feira (3), um dos muitos crimes políticos que marcaram Alagoas completa oito anos de impunidade. Trata-se do assassinato do vereador Luiz Ferreira (PPS), morto com 12 tiros na tarde de 3 de setembro de 2011, um sábado, quando retornava para Anadia, cidade pelo qual havia sido eleito. Entre os acusados, ninguém menos que a então prefeita local, Sânia Tereza.

Médico e professor universitário, Luiz Ferreira já havia trabalhado como diretor do maior hospital do Estado, o HGE. Mas há alguns anos havia decidido dedicar a vida à política. Estava em seu segundo mandato na Câmara Municipal e tinha acabado de denunciar um esquema de corrupção em vigor no Poder Executivo.

Esse, porém, não seria o único motivo para a morte, como apontam as investigações da polícia. Isso porque, horas antes do homicídio, o parlamentar havia anunciado que se lançaria candidato a prefeito de Anadia nas próximas eleições. O anúncio foi feito em uma rádio de Maribondo, no programa sobre saúde apresentado por ele semanalmente na emissora.

Aos 61 anos, Luiz Ferreira foi assassinado dentro do próprio carro, com tiros disparados de uma pistola 9 milímetros depois de ser interceptado pelos criminosos na rodovia AL 450, que liga os dois municípios. Os disparos foram feito à queima-roupa e o vereador e médico morreu na mesma hora, sem chance de socorro.

“A ganância por poder e por dinheiro foi o que motivou os mandantes a praticarem esse crime contra a vida do doutor Luiz Ferreira”, disse, em entrevista a um programa de televisão, o promotor Paulo Barbosa, responsável pelo caso. “Ele era um político diferente dos que estamos acostumados a ver nos dias de hoje. Era uma pessoa honesta”.

Denúncias contra a prefeita

Nos meses anteriores à morte, o parlamentar apurava denúncias contra Sânia Tereza. Os dois eram da mesma coligação, mas ele havia decidido se afastar da aliada após descobrir o envolvimento em irregularidades. Um documento assinado 60 dias antes mostra que um grupo de vereadores acusava a prefeita de desviar mais de R$ 7 milhões.

Denúncias apontam que prefeita estaria desviando recurso

O dinheiro saía dos cofres públicos e ia para os bolsos dela e de alguns de seus associados. Além disso, Luiz Ferreira também vinha cobrando explicações sobre processos de licitação envolvendo a compra de combustível para a Prefeitura. A Câmara Municipal planejava cassar o mandato da gestora.Até o momento do homicídio, cinco parlamentares já tinham se pronunciado a favor da cassação e seria necessário somente mais um voto, justamente o do médico. “Uns dias antes ele me disse: A Sânia já me telefonou mais de 20 vezes. Eu não tenho papo com ela, Rita”, contou, também à TV, a esposa de Ferreira, Rita Namé.

“Meu marido desejava ser prefeito para fazer alguma coisa pela cidade”, expôs. “Nossa família era muito alegre, muito feliz. Ele está sempre comigo. É muita crueldade o que fizeram com a gente”, completou ela, então professora do curso de Música da Universidade Federal de Alagoas.

O assassinato

Segundo o Ministério Público, Sânia teria assumido o papel de mandante. Além dela, outras cinco pessoas participaram do crime: o ex-marido, Alessander Leal, apontado como o coordenador da quadrilha; o aliciador Adaílton Ferreira; o atirador Wallemberg Torres, cooptado por Adaílton; o motorista Thiago Campos e o dono da arma, Everton Almeida.

Presa logo após o assassinato, a então prefeita negou os desvios e a participação na morte. “Eu tinha uma relação respeitosa com ele e com os demais vereadores”, disse ela à época. Mesmo depois de oito anos, ela nunca foi a julgamento e aguarda em prisão domiciliar o momento de se sentar no banco dos réus.

Já Wallemberg continua foragido até hoje. De acordo com as investigações, ele teria recebido R$ 500 para puxar o gatilho contra Luiz Ferreira. Os outros três envolvidos foram condenados em um júri popular realizado em fevereiro de 2017. O julgamento durou dois dias e foi conduzido pelo juiz Geraldo Amorim.

Todos foram julgados por homicídio qualificado e associação criminosa. Por ambos os crimes, Alessander Leal foi condenado a 32 anos, 7 meses e 15 dias de prisão, enquanto Tiago Campos pegou 30 anos, 10 meses e 20 dias. A sentença de Everton de Almeida foi de 32 anos, 3 meses e 15 dias. As penas estão sendo cumpridas em regime fechado.

Julgamento de três dos acusados aconteceu em fevereiro de 2017

FOTO: REPRODUÇÃO

A defesa do ex-marido da prefeita foi feita por Raimundo Palmeira e Rodrigo Ferro. Já a dos outros dois réus coube ao defensor Rylbson Martins, que levantou a tese de que os clientes confessaram o crime à polícia por terem sido coagidos durante a investigação preliminar.

Apesar de ter sido presa, em novembro de 2012 Sânia teve o pedido de prisão domiciliar acatado pelo juiz Helestron Costa – os advogados dela apresentaram provas sobre a fragilidade da saúde da ré, que necessitaria de cuidados médicos que, de acordo com eles, não poderiam ser oferecidos no presídio.

E, mesmo denunciados pelo Ministério Público de Alagoas por participação no homicídio do parlamentar, tanto ela quanto Adaílton Ferreira recorreram da sentença de pronúncia e não foram a julgamento na mesma data que os demais. Ainda não há previsão para que eles sejam levados diante do júri.

Condenado nega

Um dos condenados pelo crime, Alessander Leal falou, em 2017, com uma equipe de reportagem. De dentro da cadeia, ele negou qualquer envolvimento. “Quando fui para o julgamento, achei que teria condições de me defender. Veementemente, digo que não mandei matá-lo”, afirmou.

O ex-marido de Sânia nega a versão do Ministério Público e questiona o depoimento que ajudou a condená-lo. “Uma das evidências foi o depoimento de um vaqueiro que presenciou interceptação do carro e ouviu disparos, mas isso já foi desmentido. O cidadão disse que não viu nada, não falou nada, só assinou o que colocaram lá no depoimento”.

A testemunha, por sua vez, conta que recebeu até propostas de dinheiro para que não contasse o que presenciou. “O que eu vi foi o que falei para ele [para a polícia]. Só foram os tiros e o carro quando voltou”, relatou. “Mas o vereador ofereceu dinheiro, o vereador que era do lado da prefeita. Ofereceu dinheiro para ficar quieto, não falar nem que ouvi os tiros”.

Apesar da versão de Alessander, o promotor Paulo Barbosa destaca que no dia anterior à emboscada ele esteve em Arapiraca, mesma cidade onde se encontravam os demais membros da quadrilha apontada pelo MP. “Nesse dia, ele ligou para a prefeita 33 vezes, justamente para passar todos os planos e passos, a forma como seria executado o crime”, revelou.

O condenado atribui os telefonemas ao “cuidado” com a então esposa. “Qual o problema de ligar 33 vezes? Sou um homem atencioso”, alegou ele. Segundo a denúncia, porém, ele possuía três chips de telefone habilitados e usou aquele número específico apenas nas 96 horas anteriores ao assassinato, de 30 de agosto a 2 de setembro de 2011.

Alessander também desmerece as denúncias de desvio de dinheiro dos cofres da Prefeitura de Anadia por parte de Sânia Tereza. “Toda essa teoria da conspiração se baseia em achismo”, opinou ele à equipe de televisão que esteve na penitenciária. “Perdoo quem fez isso conosco e inclusive quem fez isso com o doutor Luiz Ferreira”.

Repercussão e julgamento

Régis Cavalcante pede que TJ paute julgamentos que falta

Junto com outros crimes de mando em Alagoas, como o que vitimou a deputada Ceci Cunha, o homicídio de Luiz Ferreira ganhou repercussão nacional e foi tema de reportagens especiais na TV brasileira. Presidente estadual do Cidadania, sucessor do PPS, partido do qual o vereador fazia parte, Régis Cavalcante cobra a prisão de todos os envolvidos.
“Desde o primeiro momento estamos cobrando da Justiça que esse crime seja o mais rapidamente julgado. Foram julgados alguns dos envolvidos, mas faltam outros julgamentos”, diz ele em conversa com a Gazetaweb. “Apelamos ao Tribunal de Justiça que paute esses julgamentos o mais rápido possível para que a família tenha certeza de que esse fato não ficará impune”.

Régis relembra a contribuição de Luiz Ferreira para a política e a sociedade de Anadia. “Foi um crime bárbaro. Como médico, ele ajudava muito, tinha convivência com a população como profissional da saúde, e foi barbaramente assassinado por anunciar que seria candidato a prefeito. A justiça tardia torna-se uma injustiça”.

“Esse é um caso que precisa ser julgado, com a punição de todas as pessoas que cometeram esse crime e ceifaram a vida do vereador”, acrescenta o presidente do atual Cidadania. “Isso não pode cair em esquecimento. É um fato que estarreceu sociedade alagoana e sobretudo a de Anadia”, completa.

Fonte: Gazeta de Alagoas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *