Presidente do Inpe é exonerado após polêmica sobre dados de desmatamento

O presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, será exonerado do cargo após a polêmica em torno de dados de desmatamento da Amazônia, informou o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

O próprio Galvão comentou a decisão a jornalistas, afirmando que a situação ficou insustentável por conta de sua declarações quando o presidente Jair Bolsonaro disse que os dados do Inpe sobre desmatamento da Amazônia eram mentirosos.

“Eu tinha uma preocupação muito grande que isso ia respingar no Inpe. Isso não vai acontecer. O ministro (Marcos Pontes), inclusive, nós discutimos em detalhe como vai ser a continuação da administração do Inpe, agora é claro, diante do fato, a maneira como eu me manifestei com relação ao presidente, criou-se um constrangimento que é insustentável. Então eu serei exonerado”, disse Galvão nesta sexta-feira (02).

O pesquisador, que estava no Inpe desde 1970, cumpria mandato à frente do órgão até 2020. Ele é formado em Engenharia de Telecomunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Engenharia Elétrica pela Unicamp e doutor em Física de Plasmas Aplicada pelo Massachusetts Institute Of Tecnology (MIT).

Crise

A polêmica começou com declarações de Bolsonaro no dia 19 passado, quando, em encontro com jornalistas estrangeiros, ele acusou os dados do Inpe de serem “mentirosos” e insinuou que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”.

“A questão do Inpe, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos, e nós vamos chamar aqui o presidente do Inpe para conversar sobre isso, e ponto final nessa questão”, disse. “Mandei ver quem está à frente do Inpe. Até parece que está a serviço de alguma ONG, o que é muito comum”, completou.

Bolsonaro se referia a dados divulgados pelo Inpe que mostram que o desmatamento na Amazônia disparou na primeira metade de julho e superou toda a taxa registrada no mesmo mês no ano passado.

Os dados preliminares dos satélites mostram o desmatamento de mais de mil quilômetros quadrados de floresta, 68% a mais do que o mês de julho de 2018.

Na ocasião, Bolsonaro chegou a dizer que esses dados são “uma cópia de anos anteriores”. “Pelo nosso sentimento isso não corresponde à verdade”.

Após o questionamento do presidente, Galvão disse que ficou escandalizado com as declarações.  Em entrevista, o ex-chefe do Inpe disse que a atitude foi “pusilânime e covarde” e as declarações parecem mais “conversa de botequim”.

Os dias seguintes foram marcados por várias outras manifestações de Bolsonaro questionando as informações e dizendo que elas prejudica a imagem do país. O presidente também afirmou que queria receber as informações antes de elas serem tornadas públicas.

Na quarta-feira, dia 31, técnicos do Inpe estiveram reunidos com Pontes e também com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para explicar como é feito o monitoramento.

Após a reunião, Salles admitiu pela primeira vez, desde o início do impasse, que o desmatamento está em alta na Amazônia, mas voltou a falar que havia problema com os dados, como uma suposta duplicação de alertas e desmatamentos mais antigos que estariam sendo vistos somente agora.

Para fazer tais afirmações, Salles comparou os dados do Deter, o sistema de detecção em tempo real do desmatamento, com imagens de um outro sistema, chamado Planet, que foram compradas pelo Ibama.

Os técnicos do Inpe explicaram como funciona a coleta de informações, que servem para nortear as ações de fiscalização do Ibama, e reafirmaram sua transparência e correção.

Mas na quinta-feira, Salles, dessa vez ao lado de Bolsonaro, voltou a falar que havia inconsistências, que poderiam ter como significado uma alta menos significativa do que a mostrada. E disse que vai contratar um novo sistema de monitoramento.

Em nota após a entrevista coletiva, o Inpe disse que “reafirma sua confiança na qualidade dos dados produzidos pelo Deter”.

Informou ainda que “os alertas são produzidos seguindo metodologia amplamente divulgada e consistentemente aplicada desde 2004” e que “é amplamente sabido que ela contribuiu para a redução do desmatamento na região amazônica, quando utilizada em conjunto com ações de fiscalização”.

Na nota, o órgão afirmou também que não teve acesso prévio à análise feita por Salles, mas que seus técnicos responderam a todas as questões apontadas na apresentação.

“De antemão, o Inpe avalia que o estudo apresentado corrobora a metodologia do Deter pois os alertas de desmatamento mostrados se tratavam de fato de áreas desmatadas. Qualquer comparação dos resultados do Deter com resultados de metodologias ou imagens distintas deve ser aprofundada, e requer uma avaliação mais completa.”

Após o encontro com Pontes nesta sexta-feira, Galvão disse que concordou com a decisão pela sua saída e que sua maior preocupação no encontro era que a crise não respingasse no Inpe.

“Isso não vai acontecer. Discutimos em detalhes como vai ser a continuação da administração do Inpe.” Segundo o pesquisador, ele não precisou defender os dados o Inpe diante do ministro. “Ele concorda com os dados do Inpe, sabe como funciona.”

 

EXAME

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