Como a tecnologia está trazendo florestas de volta à vida
Há meio milênio, as florestas cobriam grande parte da Península Ibérica.
Mas séculos de guerras e invasões, expansão agrícola e corte de madeira para carvão e navegação destruíram a maior parte das matas e transformaram lugares como Matamorisca, uma pequena vila no norte da Espanha, em paisagens degradadas.
O clima árido e os solos desgastados da região seriam uma receita para o fracasso de um potencial programa de reflorestamento, mas para empresa Land Life, com sede em Amsterdã, este é o lugar ideal para intervir.
“Normalmente, operamos onde a natureza não se regenera sozinha”, diz o CEO Jurrian Ruys. “Vamos aonde as condições são mais difíceis em termos de clima, com verões instáveis e muito quentes.”
Em Matamorisca, a empresa interveio em 17 hectares áridos pertencentes ao governo regional e implantou seu sistema exclusivo: um reservatório de papelão biodegradável, com 25 litros d’água, que é colocado no subsolo para ajudar no primeiro ano de desenvolvimento das mudas de plantas.
Cerca de 16 mil carvalhos, freixos, nogueiras, sorveiras-bravas e mostajeiros-brancos foram plantados em maio de 2018, e a empresa divulgou que 96% das espécies sobreviveram ao último verão escaldante mesmo sem irrigação adicional, um marco decisivo para uma árvore jovem.
“A natureza retorna por si própria?”, questiona Arnout Asjes, diretor de tecnologia da Land Life, que supervisiona um programa que mistura imagens de drones e satélite, análise de big data, aprimoramento do solo, identificação por QR code e mapeamento das árvores ideias para o local. “Provavelmente sim, mas isso pode levar décadas ou centenas de anos, por isso estamos acelerando as coisas.”
Sua empresa integra um movimento global de organizações que tentam salvar áreas degradadas ou desmatadas, desde exuberantes planícies tropicais até colinas áridas em regiões temperadas. Estimulados pela perda da biodiversidade global e pelas mudanças climáticas, esses grupos estão estendendo os limites de como trazer de volta a cobertura florestal.
“Não é uma proposta teórica”, diz Walter Vergara, especialista em florestas e clima do Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês). “Isso requer os incentivos corretos, as partes interessadas certas, a análise correta e o capital suficiente, mas pode acontecer.”
A forma como esses fatores se reúnem em torno de um projeto específico – e se salvar vegetações arrasadas é mesmo possível – vai depender do tipo de ecossistema em questão. As florestas secundárias na Amazônia são diferentes dos pinheiros do Texas após incêndios ou da floresta boreal da Suécia. Programas de reflorestamento têm diferentes razões e métodos para recuperar cada uma desses biomas.
Reflorestamento e recuperação
Nas condições áridas da Matamorisca e em áreas similares na Espanha, a Land Life Company se preocupa com a rápida desertificação. Como seu foco é restaurar um ecossistema, a empresa trabalha com organizações que não esperam retorno financeiro.
A Land Life já recuperou cerca de 600 hectares em todo o mundo desde 2015 e planeja fazer o mesmo com outros 1.100 hectares este ano. Dessa forma, a motivação do grupo se encaixa no Bonn Challenge, um esforço global para restaurar, até 2020, 150 milhões de hectares de terra desmatada e degradada – uma área aproximadamente do tamanho do Irã ou da Mongólia.
Até 2030, a meta é atingir 350 milhões de hectares – uma área 20% maior que a da Índia.
Essas metas incluem tanto a reabilitação de áreas florestais que perderam densidade ou estão enfraquecidas (um processo conhecido como restauração, no jargão ambiental) quanto de áreas completamente desmatadas (o que é conhecido como reflorestamento).
Essa meta global é dividida em partes menores e toma forma na América Latina como a Iniciativa 20×20, um esforço para contribuir com 20 milhões de hectares para a meta geral, catalisando projetos de pequeno e médio porte com o apoio político dos governos. O Brasil aderiu à iniciativa em 2016 e prometeu restaurar 12 milhões de hectares de seu território até 2030.
Esse programa regional tem como prioridade a conservação, mas tem argumentos econômicos para ocorrer – ao contrário do caso da Land Life Company. “Você precisa trazer dinheiro do setor privado”, diz Vergara, da WRI, que lidera a iniciativa, “e esse capital precisa ver um retorno sobre seu investimento”.
Um estudo coordenado por ele estima para a América Latina um retorno líquido estimado de US$ 23 bilhões (R$ 87 bilhões) ao longo de um período de 50 anos se a meta de recuperação florestal for atingida.
O dinheiro pode vir das vendas de madeira em florestas geridas de forma sustentável ou da colheita de “produtos não-madeireiros”, como nozes, óleos e frutas das árvores. É possível registrar quanto de dióxido de carbono a floresta captura e vender créditos de carbono para empresas interessadas em compensar suas emissões.
Ou pode-se ainda cultivar a floresta na esperança de que a biodiversidade atraia ecoturistas que paguem por hospedagem, passeios de observação de aves e refeições.
Ainda assim, esses investidores não são bancos conhecidos. O dinheiro para a iniciativa 20×20 vem principalmente de organizações financeiras com objetivos triplos – um modesto retorno sobre seus investimentos, benefícios ambientais e ganhos sociais – conhecidos como investidores de impacto social.
Por exemplo, o fundo alemão 12Tree é um dos parceiros da 20×20. Ele investiu US$ 9,5 milhões (R$ 36 milhões) em Cuango, um vilarejo de 1.455 hectares na costa caribenha do Panamá, onde se combina uma plantação comercial de cacau com a extração de madeira florestal de forma sustentável.
Com o dinheiro, eles reflorestaram uma antiga fazenda de gado, criaram empregos para as comunidades vizinhas e garantiram o retorno sobre seus investimentos.
Equilíbrio florestal
Mesmo em terras desmatadas há décadas e atualmente usadas por fazendeiros, algumas culturas podem coexistir com a floresta, se o equilíbrio for encontrado. Embora não seja tecnicamente um reflorestamento, a agrofloresta oferece uma oportunidade para os pequenos agricultores garantirem seus meios de subsistência ao mesmo tempo em que mantêm a cobertura florestal de suas fazendas.
Um projeto global chamado Breedcafs estuda como as árvores se comportam em fazendas de café, na esperança de encontrar variedades de culturas que consigam crescer sob a copa das árvores. O café cresce naturalmente nas florestas, portanto, replicar isso nas fazendas está trazendo a plantação de volta a suas raízes.
“Ao reintroduzir as árvores na paisagem, causamos impacto positivo na umidade, na captura de chuva, na conservação do solo e na preservação da biodiversidade”, diz o especialista em café Benoît Bertrand, que lidera o projeto do Centro Francês de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento Internacional (Cirad, na sigla em francês).
Bertrand está analisando qual das dezenas de variedades de café mais bem se encaixa a este sistema. Uma abordagem semelhante pode ser aplicada à terra com cacau, baunilha e árvores frutíferas.
Mas nem todo pedaço de terra pode ser reflorestado. Os sócios de Vergara buscam investimentos seguros e até a Land Life Company só executa grandes projetos no que considera países de “baixo risco”, como Espanha, México ou EUA.
“Nós tendemos a evitar operações de grande escala em países de algumas partes do Oriente Médio ou da África, onde a permanência não é garantida”, diz Ruys.
Mas num lugar prolífico, talvez tudo que se precise seja tempo. Na Costa Rica, 330 hectares de uma reserva nacional de vida silvestre não se parecem nada com a fazenda de gado de antes de 1987, quando Jack Ewing decidiu transformar a área em um destino de ecoturismo. Em vez de intervir, um amigo lhe disse para deixar a natureza seguir seu caminho natural.
As antigas terras de pastagem são agora florestas exuberantes, e a propriedade possui mais de 150 hectares de florestas sem intervenção humana. Nos últimos dez anos, macacos bugio, araras vermelhas e até pumas migratórios retornaram à terra de refúgio, impulsionando o turismo e revigorando o ecossistema.
Ewing, agora com 75 anos, explica esse sucesso usando as palavras que seu amigo escolheu há três décadas: “Na Costa Rica, quando você para de mexer com as plantas, a selva volta para se vingar”.
BBC Brasil