“Todas as Elzas de Maceió” A riqueza da mulher e a pobreza cultural do subdesenvolvimento

Em tempos tão sofridos onde crateras, tremores de terra, rachaduras e a omissão dos agentes públicos e empresas privadas anunciam a catástrofe de bairros inteiros que deslizam para o fundo da lagoa do Mundaú, peço licença para anunciar que um furação passa por Maceió: Elza.

Que Elza? Pergunta a patroinha, classe média, que todo fim do ano compra o ingresso para a apresentação de ballet de sua sobrinha no maior teatro de Maceió.

– Ah, sim. Eu adoro a Elsa. Aquela da Disney, não é? Sempre que vamos à Orlando compro presentes da Frozen para todas as princesinhas aqui de casa. Às vezes recebo até encomendas das amigas. Sabemos de cor aquela música tão bonita: Let it go, let it go…

Nada contra as princesas nórdicas, loiras e ricas, mas a Elza da qual falamos é brasileira, não nasceu em berço de ouro, não morou em castelos e representa a vida de muitas mulheres que ainda carregam as mais pesadas latas na cabeça. A Elza do Frozen nunca trabalhou, nem precisava. A nossa Elza, desde pequenina, tinha que levar as marmitas para o pai que trabalhava nas pedreiras do bairro de Água Santa no Rio de Janeiro.

Além de testemunhar os aplausos de uma plateia encantada pelo furacão trazido à Maceió por um grupo de musicistas/cantoras/atrizes que brilhantemente contam a história de Elza Soares em forma de musical, pude aprender tanto sobre a história de uma mulher fascinante, guerreira e tão representativa.

A Elza que também sofreu tanto ódio e violência precisa ser ouvida em Alagoas, justamente o Estado com a maior taxa mulheres assassinadas por crime de ódio em todo o Nordeste durante o ano de 2017. A Elza que foi obrigada a trabalhar muito para sustentar sua família, inclusive como encaixotadora de fábrica, precisa ser ouvida por uma legião de mulheres desamparadas de seus direitos trabalhistas, num país onde é lícito que gestantes possam trabalhar em lugares insalubres e onde o valor da indenização nos casos de assédio moral e sexual no trabalho se mede pelo valor do salário recebido.

Todo o elenco, exclusivamente feminino que vi brilhar no palco do Teatro Gustavo Leite, contou a trajetória de Elza Soares, mas também a realidade de um mercado de trabalho desigual, preconceituoso, que paga salários menores por causa da condição “mulher”, baseado na desculpa da baixa produtividade da mulher que engravida. Elas contaram a história de um país patriarcal, atrasado que, ainda, teima em subjulgar as suas Elzas.

As luzes, cores, sons e latas harmoniosamente manipulados durante as duas horas de espetáculo contaram não somente a história de uma personalidade brasileira tão importante, mas também explicaram a dimensão cultural de nosso subdesenvolvimento, da nossa pobreza: idolatramos as Elsas ricas, loiras, princesas da Disney e esquecemos das nossas Elzas, negras, trabalhadoras e violentadas pela sociedade.

Quando, em 1953, Ary Barroso perguntou à caloura Elza de que planeta ela vinha, a resposta da menina foi amarga: “do planeta fome, seu Ary”. A mesma amargura que hoje, em 2019, todas as plantações de cana de açúcar de Alagoas, um dos Estados mais pobres do País, não conseguem amenizar.

Bravo Elzas:

Fonte: Por Trabalho do Carvalho/Cada Minuto

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