MPT registra aumento nas denúncias de acidentes graves de trabalho em Alagoas

O número de denúncias de acidentes de trabalho grave que chega ao Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT) vem crescendo, segundo informou o órgão. Na última semana, o caso do trabalhador Jhonatan da Silva, de 31 anos, que veio a óbito após cair em um tanque de vinhaça aquecido no município de São Miguel dos Campos, no interior do estado, chamou a atenção das autoridades e um inquérito civil foi aberto para investigar o acidente.

Jhonatan teve quase 100% do seu corpo queimado, com lesões de primeiro, segundo e terceiro grau e estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral do Estado (HGE), no Trapiche da Barra, em Maceió. Ele morreu na quinta-feira (14), na mesma unidade hospitalar.

De acordo com o Observatório Digital de Saúde e Segurança de Trabalho, do MPT,  de 2012 para cá, há uma estimativa de 17.124 trabalhadores mortos em acidentes de trabalho no Brasil. No mesmo período, ocorreram 4.605.773 registros de acidentes de trabalho no país. Os gastos da previdência com benefícios acidentários são de quase 79 bilhões de reais.

Já em Alagoas, cerca de 133 trabalhadores morreram vítimas de acidente de trabalho entre 2012 e 2017. Só na fabricação de açúcar bruto no estado, foram 10.537 vítimas de acidentes de trabalho no mesmo período. Isso equivale a mais de 45% dos casos.

À Gazetaweb, o procurador-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 19° região, Rafael Gazzaneo, contou que o cuidado com a vida e bem-estar do trabalhador são preocupações que vem em primeiro lugar para o MPT/AL.

“Questões de acidentes é uma prioridade. Presenciamos o maior acidente de trabalho da história em janeiro. Em Brumadinho, pelo menos 300 trabalhadores perderam a vida porque estavam trabalhando. A partir daí,  a gente avalia a importância de se ter um ambiente de trabalho seguro. E naquele caso, em específico, a maioria das pessoas que faleceram estavam no horário de trabalho, em um lugar completamente sem segurança. O cuidado é indiscutível e talvez seja a matéria que mais nos preocupa”, considerou Gazzaneo.

O MPT atua de dois modos: de buscar os direitos na justiça ou até mesmo com a mediação de conflitos e, também, de modo preventivo. Rafael Gazzaneo ressaltou que campanhas periódicas são realizadas no estado com o objetivo de diminuir o índice de acidentes nas grandes e pequenas empresas.

“Trabalhamos para conscientizar os empregadores da importância de manter dentro do seu quadro de funcionários engenheiros de segurança e técnicos de segurança, que são pessoas especializadas nesta matéria. Conscientizar as pessoas da necessidade do uso e fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) também é um dever do MPT”, disse ele, acrescentando que não basta o empregador fornecer os aparatos, ele tem que vigiar, verificar se o empregado está fazendo o uso correto dos mesmos.

Atenção, funcionários!

Equipamentos de proteção são importantes para diminuir índice de acidente no trabalho

FOTO: DIVULGAÇÃO

Para o técnico em segurança do trabalho, Alexandre de Souza, os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) são importantes para diminuir o índice de acidente no trabalho, porém afirmou que os cuidados vão além das luvas, fones, óculos, capacetes e botas especiais.

“Para evitar um acidente de trabalho é necessária a mudança do comportamento do funcionário, para que ele dê valor a sua saúde, sua integridade física, obedecendo as normas da empresa e as de segurança do trabalho”, explicou.

Alexandre diz ainda que o treinamento dos funcionários é importante para que eles saibam os riscos que estão expostos. “O funcionário deve ter o conhecimento do risco daquilo que ele está fazendo. Tendo esse conhecimento, ele consegue aceitar as orientações que a empresa venha a passar para ele”, afirmou.

Números de acidentes na capital

Ainda de acordo com o Observatório Digital de Saúde e Segurança de Trabalho, foram registrados, entre 2012 e 2017, em Maceió, cerca de 9.826 casos de acidentes de trabalho – sendo que 12 ocorrências envolveram menores de 18 anos e 35 resultaram em mortes.

A pesquisa ressalta, também, que as ocorrências mais comuns foram: corte, laceração, ferida contusa e punctura, contusão, esmagamento (superfície cutânea I), fratura, distensão e torção.

Dificuldades para voltar ao mercado de trabalho

Uma queda e o medo de perder o emprego fizeram com que Eloray Lima, de 35 anos, desenvolvesse uma doença ocupacional no ano de 2008. Ex-funcionária de uma empresa de telecomunicações, ela narrou o acidente que afetou diretamente o seu desempenho profissional. Eloray é uma das vítima da Lesão por Esforço Repetitivo (LER) no estado.
“A caminho do trabalho acabei escorregando e caindo por cima do meu braço esquerdo. Na hora, confesso que não senti nada . Já vim perceber o braço pesando momento depois, quando minha supervisora o viu roxo. Como a noite não conseguir dormir devido as dores, decidir ir ao médico. Chegando no hospital, foram feitos exames e ficou comprovado a presença de algumas bolsas líquidas”.
Ainda segundo Eloray, a empresa na qual trabalhava estava passando por uma transição na época e, por medo de ser desvinculada da mesma, se afastou por apenas 15 dias do serviço, quando o correto seria cerca de um mês.
“Voltei a trabalhar e, mesmo sendo destra, o serviço começou a afetar o lado do acidente, pois quem trabalha com computador sabe que é preciso utilizar as duas mãos para digitar. Mesmo o médico falando que ia levar um tempo para mim se recuperar, não queria perder o meu emprego. Com o tempo fui melhorando, mas quando eu começava o pique do serviço todo o lado esquerdo do meu braço doía e inchava. Minha mão direita também começou a ser afetada devido a sobrecarga. Comecei a sentir os cotovelos machucarem e, ao procurar um ortopedista, ele informou que eu estava desenvolvendo uma tendinite. Também tive derrame nos meus dois punhos. Porém, no final tive que sair do trabalho”, contou.
Com dificuldades de voltar ao mercado de trabalho, a jovem revelou que não consegue passar mais de 20 minutos exercendo alguma atividade no computador. É preciso estar fortalecendo os punhos e toda a região do braço com exercícios físicos como pilates e musculação.
“Estou a mais de um ano sem nenhum benefício. Sem auxilio doença, por exemplo. É preciso que eu me vire com algumas coisas. Levei para justiça a empresa na qual trabalhava e, até o INSS, pois não solucionaram o meu problema e nem arrumaram um trabalho no qual eu pudesse exercer. Até hoje estou nessa guerra. Para se ter uma ideia, até para varrer a minha casa é um esforço grande. Não tenho força nos meus braços. Tenho que ficar me adaptando. Sempre levando uma vida sem estresse”, disse.

Atendimentos no HGE

HGE atendeu 2.793 vítimas de acidentes de trabalho, disse assessoria

FOTO: ASSESSORIA

Dados fornecidos pelo Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió, mostram que 2.793 atendimentos a pessoas vítimas de acidentes de trabalho foram realizados no último ano na unidade hospitalar. Foram registrados, por equipes médicas de plantão, 18 casos de amputação de algum membro do corpo, três acidentes por dermatose, 31 por exposição a material biológico, dois por intoxicações exógenas e um por lesão por esforço repetitivo (LER).

Ainda segundo o levantamento, o HGE atendeu 776 vítimas de lesões oftalmológicas, 16 por problema de lombalgia, 475 por luxações e entorses e 169 pessoas vítimas de mutilações, além de duas por perda auditiva devido ao forte ruído de máquinas operacionais, 19 por politraumatismo, 223 devido a queda de altura e 47 por lesões de queimaduras.

Psicólogo alerta

Fatores como pressão por tempo e metas também podem gerar acidentes ou adoecimento no trabalho. O psicólogo Robson Menezes alertou que o ideal é que o trabalhador tenha compreensão da atividade que exerce e se a mesma é compatível com seu perfil, bem como a empresa também precisa – ao selecionar pessoas – investigar o perfil psicológico do colaborador.

“Dessa forma, será possível ter a dimensão de como o sujeito vai reagir a ambientes que exigem um nível de pressão maior e evitar problemas para ambas as partes. A Psicologia tem testes psicológicos aprovados pelo Conselho Federal da profissão que são bastante adequados para realizar esse tipo de investigação”, observou.

O especialista destacou que em casos de acidente no trabalho, a vítima deve deixar o medo de perder o emprego de lado e buscar os direitos cabíveis a ela.

“Em caso de incidentes, o primeiro e imediato passo é a busca pelo auxílio médico, ser encaminhado a um hospital e se necessário, numa urgência, chamar uma ambulância. Após os devidos cuidados médicos, o trabalhador ou familiar deve comunicar o setor de RH da empresa para que seja emitido um CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). A empresa tem o prazo de 24 horas após o dia do acidente para emitir o documento, podendo ser multada, caso não faça. Caso a empresa não emita o CAT o trabalhador deve procurar o sindicato ou INSS para realização da denúncia. Sobretudo, o trabalhador deve ter em mente que está recorrendo a direitos que lhe assistem, de acordo com a legislação brasileira, e não se deixar intimidar”, explicou.

A relação entre chefe e colaboradores – para que exista um desempenho satisfatório dentro da organização – precisa ser de confiança e respeito mútuos. Para Robson Menez, quando a chefia transmite medo na sua relação de trabalho leva o trabalhador ao desgaste psicológico, acarretando, com o tempo, em um adoecimento e perda de produtividade.

“O bom relacionamento auxilia em uma maior motivação no trabalho, e possibilita um ambiente menos desgastante, amenizando os efeitos do estresse que são próprios da rotina das organizações e, mais que isso, promove maior produtividade para todos no contexto do trabalho”, concluiu o psicólogo.

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