Série sobre Elis destrói o filme e vira um colcha de retalhos errada
Elis, o filme sobre a cantora Elis Regina, estreou nos cinemas em novembro de 2016 e, dois meses antes, havia conquistado três prêmios no Festival de Gramado: melhor atriz (para Andréia Horta), montagem e melhor longa-metragem pelo júri popular. Não era um filme perfeito, mas a soberba atuação da protagonista até conseguia se sobrepor aos deslizes do roteiro, assinado por quatro autores, Luiz Bolognesi, Vera Egito, Hugo Prata (também diretor) e George Moura.
Como quase sempre acontece, a rede Globo aproveita que um longa-metragem fez boa carreira nos cinemas para, tempos depois, transformá-lo em minissérie. E foi, assim, que na terça (8) estreou Elis – Viver É Melhor que Sonhar. Vi o primeiro capítulo e entendi a proposta, quase a mesma usada na cinebiografia de Tim Maia: aproveitar cenas do filme entremeadas com registros reais.
No segundo capítulo, que foi ao ar na noite de quarta (9), a “proposta” começou a me incomodar, ainda mais porque sou fã de Elis Regina. Nada contra misturar a ficção com a realidade, sobretudo quando se tem a própria Elis cantando ou dando entrevistas. Os problemas da minissérie são outros. Ao contrário de 10 Segundos para Vencer, sobre a vida de Eder Jofre (que está sendo exibido na sequência), a série de Elis, em quatro capítulos, não se resume em apenas dividir o filme em quatro partes. A ambição foi maior e é aí que o caldo entornou e, certamente, está decepcionando os fãs.
Há, sim, cenas do filme e outras que não entraram na montagem final, como o teste da cantora para o musical Pobre Menina Rica, que tinha Vinicius de Moraes e Tom Jobim (interpretado por Sérgio Guizé) com avaliadores. Até aí, é ótimo ver sequências deletadas. O “recheio”, contudo, é pavoroso e equivocado. Exemplos não faltam.
Em determinado momento do filme, o empresário de Elis diz que o programa dela com Jair Rodrigues está perdendo audiência para a turma da Jovem Guarda. Corta! Entra um locutor explicando, didaticamente, o que foi a Jovem Guarda, com imagens de época do trio formado por Roberto, Erasmo e Wanderléa. Corta! Entram depoimentos (antigos e atuais) de Roberto, Erasmo… Cazuza…Lulu Santos (!!). Como assim? É uma série sobre Elis Regina, que nem participou da Jovem Guarda (muito pelo contrário), e há vários minutos dedicados para enfocar o movimento liderado por Roberto com depoimento de Cazuza, que começou a fazer sucesso após a morte de Elis? Pode ser liberdade poética, mas tudo tem limite.
Mais tarde, há uma entrevista de Elis na França (isso já estava no filme) em que alfineta a ditadura militar no Brasil no início da década de 70. Corta! Entra o locutor para explicar o que foi, didaticamente, a ditadura. Em seguida, surge Caetano Veloso para explicar como foram os anos de chumbo…. no programa Lady Night, da Tatá Werneck (!!). Como assim?
Os erros musicais também estão grosseiros. Na cena em que Elis joga os discos de Ronaldo Bôscoli no mar, ouve-se O Trem Azul (que, no filme, não fazia parte da trilha sonora). Ok, O Trem Azul foi composta em 1972 (quase a época em que a cena se passa), mas Elis só gravou a canção de Ronaldo Bastos e Lô Borges dez anos depois.
Nas sequências do filme, Elis ainda mora com Bôscoli e, no meio, entram registros musicais da cantora com César Camargo Mariano, seu segundo marido.
Também não gosto do acréscimo das cenas de Andréia Horta revivendo Elis. A atriz incorporou a cantora nas filmagens ocorridas em 2015 e, três anos depois, “entra” no papel novamente, sendo que a iluminação é diferente da do filme e sua atuação não é tão boa quanto antes. Se é para ter entrevista com Elis, por que não colocar registros da própria? Não tem imagens reais, não coloca. Simples assim. E o fãs agradecem.