As mil faces da inveja

Um antigo provérbio indígena afirma que as pessoas querem te ver bem, mas não melhores do que elas. A inveja é entendida historicamente como desejar o que outra pessoa possui ou o lugar que ela ocupa. Quase sempre este desejo por posses, características, prestígio ou cargo que o outro ocupa vem acompanhado de uma motivação para afetar ou angustiar o outro. A inveja aparece ao longo da história humana em diferentes culturas e com formas também diversificadas. Algumas culturas (como a judaica) consideram-na saudável quando ela motiva as pessoas a procurarem melhorar para se equiparar as outras. Porém, quase sempre conhecemos a versão malvada da inveja, aquela versão em que tentam atingir alguém simplesmente por ela ser bela ou boa em algo.

Nesta perspectiva podemos pensar em uma inveja boa e uma inveja ruim. A inveja boa ocorre quando observamos posições e ganhos de outros para daí podermos avaliar nossos erros, comodismos e métodos inadequados. A inveja ruim são comportamentos econômicos e cômodos, não possibilitam a melhora do invejoso e, além disso, o direcionam para a destruição dos demais. Um vizinho ao olhar o gramado do outro e achá-lo mais verde que o seu, pode simplesmente colocar gasolina e tocar fogo na grama alheia e assim, de forma bastante econômica, fazer com que seu gramado fique mais verde (exemplo clássico de comportamentos que configuram uma inveja ruim). A inveja boa levaria o vizinho a ter um maior cuidado com seu gramado, investir em adubos, um novo tipo de grama, etc. Todavia, a postura da inveja boa exige muito dispêndio de energia, por isso vemos com maior facilidade as pessoas emitirem comportamentos com baixo custo de resposta.

Inúmeros exemplos de inveja podem ser elencados aqui, mas é muito importante destacarmos duas situações em que o invejoso não é capaz de discriminar o seu próprio comportamento. Em um caso uma jovem pontuava características da namorada de um amigo, mas fazia estas pontuações de modo a exagerar certas dimensões e assim desqualificava sutilmente a namorada. Quando esta jovem foi apontada em seu comportamento sendo acusada de manobrar a percepção das pessoas porque estava interessada no amigo, ela negou veementemente sua motivação. Na verdade, não é nada reforçador observar o nosso próprio comportamento quando esta observação nos desqualifica. Mas, todo comportamento possui forma (topografia) e intenção (função). Por isso, embora o comportamento possa topograficamente parecer um elogio, ele pode ter a função de atingir alguém.

Outra situação em que os comportamentos podem ser entendidos como respostas de inveja sem que o emissor os reconheça é quando surge agressividade aparentemente gratuita. Vemos com frequência uma companheira de relacionamento agir com certa agressividade contra uma outra mulher, simplesmente pela possibilidade desta ser um alvo em potencial. Neste caso, podemos confundir com ciúmes, mas devemos lembrar que o ciúme é o medo de perder alguém ou alguma coisa. A inveja não é medo de perder alguém, é, na verdade, medo de não ser apreciado como alguém o é. Ou seja, é a resposta que o organismo emite diante dos reforçadores que outro recebe ou que outro potencialmente pode receber. Neste caso, este ataque aparentemente gratuito que as pessoas apresentam, quase sempre denunciam pouco investimento na modelagem de seus próprios comportamentos, ou condições desfavoráveis para desenvolver padrões de comportamento apreciáveis que denotem segurança e auto-confiança.

O segredo para lidarmos com a inveja, primeiro é reconhecermos que ela está presente em todos nós como elemento que teve valor de sobrevivência. Isto é, faz parte das bases filogenéticas do comportamento. Precisamos, pois então, discriminar quando ela aparece em nós e em outros. Mas, devemos ter em mente que discriminá-la é muito difícil visto que ela aparece com mil formas comportamentais diferentes. O olhar deve por isso se dirigir para a função dos comportamentos e não para a topografia. A segunda medida para minimizarmos a forma negativa da inveja é reforçarmos em nós e nos demais uma postura pouco econômica, ou seja, que não recorra ao caminho mais fácil de atingir o outro lhe causando dano. Pois é possível dirigirmos a inveja para algo extremamente construtivo quando passamos a entender o que ocorre conosco quando vemos outros alcançando reforçadores que seriam interessantes para nós. Copiemos o que os outros possuem de positivo e não fiquemos neste caminho medíocre de destruir os nossos semelhantes.

Assim eu analiso, assim eu conto para vocês!

Me. Gerson Alvez – Professor de Psiconeurobiologia e Análise do Comportamento da Universidade Federal de Alagoas -UFAL

Fonte: cadaminuto

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *