Martin Luther King dizia que cada homem tem uma escolha na vida: caminhar pela luz do altruísmo construtivo ou pelas trevas do egoísmo destrutivo. O líder do movimento negro ficou famoso na década de 1960, época de grande violência racial nos Estados Unidos, ao defender um dos lados: o da igualdade e do amor ao próximo. Mas não é só o trabalho de ativistas que pode estimular as pessoas a seguir a trilha do bem comum, segundo cientistas da Alemanha. Por meio de experimentos, eles mostraram que é possível despertar o humanitarismo com ajuda da meditação.
Principal autora do estudo, publicado na revista especializada Scientific Reports, Anne Böckler-Raettig diz que o cenário atual não se mostra muito diferente de tensões do passado. A crise dos refugiados e a desigualdade social são alguns exemplos do forte clima de animosidade e da necessidade de atitudes mais altruístas. Para ela, a cooperação é um dos fatores essenciais para resolver essas questões. “A pró-sociabilidade humana está no centro das sociedades pacíficas e é fundamental para enfrentar os desafios globais”, ressalta a professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Würzburg.
Segundo a cientista, a cooperação e o altruísmo têm sido o foco de muitas disciplinas, desde filosofia e psicologia até matemática e economia, passando pela biologia evolutiva e pela neurociência. “Ainda assim, surpreendentemente, pouco se sabe sobre como as motivações altruístas humanas podem ser treinadas”, afirma. Anne Böckler-Raettig acredita que essa dificuldade pode ser justificada pelo fato de os investigadores considerarem complicada a maleabilidade desse comportamento. Para ela, os resultados do trabalho provam que essa suposição está errada.
Em um experimento científico que durou alguns meses, um grupo de 332 participantes, com idade entre 20 e 55 anos, foi submetido a três tipos de treinamento mental que tinham o objetivo de aumentar a compaixão e a solidariedade. No primeiro módulo, foram trabalhados o aumento da atenção no momento presente e a consciência corporal — semelhante ao que é ensinado em aulas de redução do estresse baseadas na meditação mindfulness.
O segundo módulo, chamado afeto, teve como foco habilidades socioafetivas, como compaixão, gratidão e motivação pró-social. Nele, os participantes invocaram sentimentos de cuidado para si e para os outros por meio da meditação, além de participar de uma atividade feita em parceria. Por meio do diálogo, eles falaram sobre situações difíceis vivenciadas recentemente e exploraram suas emoções em relação aos acontecimentos relatados.
O terceiro módulo foi sobre a flexibilidade cognitiva. Pela meditação, os voluntários treinaram o pensamento observacional — tiveram que analisar o que pensavam sem julgar como algo negativo ou positivo. “Nós estávamos interessados em descobrir qual treinamento mental seria eficaz em cultivar comportamentos altruisticamente motivados, isto é, o comportamento que é imediatamente direcionado para melhorar o bem-estar de outra pessoa”, conta Anne Böckler-Raettig. Os participantes contaram com a ajuda de professores em todas as atividades.
Técnicas simples
Ao analisar o desempenho dos voluntários, os pesquisadores chegaram à conclusão de que apenas o módulo afeto teve um impacto direto no comportamento altruísta. Após esse treinamento, as pessoas se mostraram mais generosas e dispostas a ajudar os outros espontaneamente. Elas, por exemplo, doaram quantias de dinheiro maiores a organizações de assistência social. “Esse módulo, aplicado por professores por meio de reuniões semanais de cerca de 30 minutos, ao longo de três meses, efetivamente impulsionou comportamentos altruístas. Nenhum dos outros dois módulos apresentou tantos progressos quanto o do afeto”, detalha a autora.
A conclusão da equipe é de que a motivação e o comportamento altruísta podem ser alterados por meio de práticas mentais simples, curtas e baratas. “Cultivar essas capacidades afetivas e motivacionais nas escolas, em ambientes de saúde e em locais de trabalho pode ser um passo efetivo para enfrentar os desafios de um mundo globalizado e avançar para uma sociedade solidária”, destaca Anne Böckler-Raettig. “Conseguimos demonstrar que a pró-sociabilidade humana é maleável e que diferentes aspectos desse comportamento podem ser melhorados sistematicamente por meio de diferentes tipos de treinamento mental.”
Correio Braziliense