Lei da Ficha Limpa para Lula e Bolsonaro: Qual a diferença?
Líderes nas pesquisas de intenção de voto para Presidência da República, tanto Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto Jair Bolsonaro (PSL) podem ser impactos pela Lei da Ficha Limpa. Embora o deputado federal possa se tornar réu por racismo na próxima terça-feira (28), a diferença das acusações e da etapa das investigações, torna o cenário diferente para os 2 candidatos.
Em vigor desde 2010, a Lei Complementar 135 considera inelegíveis candidatos que tenham sido condenados por alguns tipos de crimes, entre eles lavagem de dinheiro e racismo. É preciso que a condenação tenha sido dada por órgão judicial colegiado ou que seja uma decisão transitada em julgado, ou seja, quando não cabem mais recursos.
A situação de Lula se encaixa tanto na etapa do processo quanto no tipo de crime. Com 39% de intenções de voto, de acordo com a última pesquisa Datafolha, o ex-presidente foi condenado em 24 de janeiro a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. A decisão unânime foi da 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª região), em Porto Alegre (RS).
A condenação em 2ª instância reforçou o entendimento anterior, do juiz Sérgio Moro, responsável pelas ações da Operação Lava Jato em 1ª instância. No caso, Lula foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter recebido R$ 3,7 milhões de propina da OAS. O repasse foi feito por meio de upgrade em imóveis, reforma e decoração de um tríplex, além do armazenamento de bens do ex-presidente pela empreiteira.
A Lei da Ficha Limpa foi usada como argumento pela procuradora-geral da República e chefe do MPE (Ministério Público Eleitoral), Raquel Dodge, para pedir que o registro de candidatura do petista seja rejeitado. A expectativa é que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) julgue o pedido no início de setembro.
Bolsonaro pode se tornar réu por racismo
No caso de Bolsonaro, a 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) julga na próxima terça-feira (28) se aceita a denúncia de racismo contra o candidato. Se for aceita, ele se torna réu. A denúncia apresentada por Dodge se baseia em frases ditas pelo deputado em palestra no Clube Hebraica do Rio em 2017. “Eu fui em um quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”, disse o presidenciável na ocasião.
Previsto na Lei Caó (Lei n. 7.716/1989), o crime de racismo se trata de conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade. É inafiançável e imprescritível. A pena pra quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” é de reclusão de 1 a 3 anos e multa.
Mesmo caso se torne réu, essa ação não deve ter impacto na candidatura de Bolsonaro. Devido às etapas do processo é improvável que ele seja condenado antes das eleições. Ainda que fosse condenado no âmbito penal, a Justiça Eleitoral teria de analisar sua possível inelegibilidade. O deputado lidera com 22% das intenções de voto com Lula fora de disputa, de acordo com o Datafolha.
Se a candidatura de qualquer presidenciável for barrada antes de 17 de setembro, o partido pode trocar o candidato. Se for após esse prazo, mas antes do 1º turno, em 7 de outubro, o nome constará na urna eletrônica, mas todos os votos serão considerados nulos. Caso o candidato passe para o 2º turno, mas seja barrado antes dessa etapa, os votos seriam anulados e o 3º colocado iria para a disputa final.
Ainda há possibilidade de a Justiça Eleitoral cassar a candidatura mesmo após o resultado final. Nesse caso, seriam convocadas novas eleições.
Bolsonaro réu por incitação a estupro
Bolsonaro já é réu desde junho de 2016 no STF por dizer que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) “não merecia ser estuprada”. Ela moveu um processo por injúria e a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma ação por incitação ao crime de estupro. Os dois processos foram unificados pelo relator, ministro Luiz Fux.
A ação está na etapa de ouvir as testemunhas de defesa. Na próxima terça-feira (28), estão previstos os depoimento dos deputados Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e Pastor Eurico (Podemos-PE).
Na última semana, Fux impediu uma medida protelatória. Ele recusou pedido do Pastor Eurico para adiar o depoimento. O deputado alegou que na semana seguinte, em setembro, seria melhor porque coincidir com as datas do esforço concentrado de votações na Câmara e não prejudicaria sua campanha eleitoral.
Apesar de esse processo estar mais avançado, também não deve ter impacto na candidatura de Bolsonaro. A Lei da Ficha Limpa não prevê inelegibilidade para condenação de crimes contra a paz pública (incitação ao crime de estupro) e contra a honra (injúria).
Em entrevista ao HuffPost Brasil, o ex-juiz Márlon Reis, fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e um dos idealizadores da lei, afirmou que a restrição foi adotada para evitar “uma perseguição judiciária apenas com a finalidade de tornar uma pessoa inelegível”. “Por isso alguns tipos de ações foram excluídos, como esse dos crimes contra a honra porque são crimes de ação penal privada, porque são propostos por um particular e não por um Estado através do Ministério Público. Então, só as ações penais públicas foram adotadas como critério para fins de inelegibilidade”, afirmou.
Há uma outra possibilidade jurídica que poderia barrar os plano eleitorais do deputado. O artigo 15º da Constituição prevê a cassação de direitos políticos em caso de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Nesse caso, contudo, o STF ainda precisa decidir sobre a possibilidade de suspensão dos direitos políticos quando ocorre a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O Código Penal prevê a substituição de punições mais graves pelas mais amenas quando a condenação a prisão é de até 1 ano. A pena de injúria é de multa ou detenção de 1 a 6 meses. Já a punição para incitação ao crime é de 3 a 6 meses de prisão ou multa.
Réu pode ser presidente?
Há outra discussão que pode acontecer caso um candidato réu vença as eleições. Nesta quarta-feira (22), o ministro Marco Aurélio Mello, relator do inquérito sobre racismo contra Bolsonaro, afirmou que a situação causa insegurança jurídica. “Isso ainda está em aberto. Então fica a indagação no ar, pode ser eleito e tomar posse?”, disse a jornalistas.
A Constituição inviabiliza a permanência de presidente réu no cargo de crimes cometidos no curso do mandato presidencial. Em 2016, contudo, o STF afastou Renan Calheiros (MDB-AL), então presidente do Senado, do cargo, por entender que réu na linha sucessória não pode substituir o presidente.
Fonte: Huffspot