Casais inter-raciais de Alagoas relatam luta diária contra o preconceito

Familiares de casais inter-raciais tratam os relacionamentos como se fossem passageiros ou se nem existissem FOTO: RAÍSSA CERQUEIRA

Com a chegada do Dia dos Namorados, os casais se apressam para demonstrar para o mundo que têm alguém para amar: são declarações em redes sociais, fotos e presentes entregues até mesmo no meio da rua.

Porém, nem sempre o amor alheio agrada todo mundo. Por isso, a Gazetaweb conversou com alagoanos que vivem em relacionamentos com pessoas de outras raças para entender o que eles enfrentam.

Quando a estudante de jornalismo Charlotte Borges começou a namorar Ricardo Lima nem todas as pessoas da família dele desejaram felicitações ou mesmo comentaram o fato. Não demorou muito para ela entender que ser negra seria um problema para família do namorado, de origem polonesa.

“Tenho receio de frequentar festas de família, mas não deixo de ir. Percebo que alguns deles ficam me olhando e rindo, principalmente quando uso turbante”, contou.

Apesar de estarem juntos há quatro anos, de acordo com Charlotte, os amigos do casal sempre escutam comentários contrários a ela, tipo “ele merecia algo melhor”, “ele namorou outras meninas? Por que ela agora?”.

O porquê de todo incômodo causado pelas relações inter-raciais, segundo a socióloga Belmira Magalhães, vem de um problema que afeta a população negra como um todo: os resquícios da escravidão que ainda afetam o Brasil.

Ela explica que a diferença salarial e de escolaridade da maioria da população negra está diretamente ligada à visão inferior que a sociedade tem dos negros.

“O Brasil é um país miscigenado, mas racista. Quando a sociedade olha casais inter-raciais tende a achar que existe algum interesse por trás, principalmente financeiro”, explica.

PRECONCEITO EXPLÍCITO

“Nunca pensei que você pudesse namorar alguém de cor. Vão achar que você namora uma empregada”, foi o que mãe de Joaquim Soares* disse para filho quando ele contou que estava namorando.

Para socióloga, as raízes do preconceito ainda estão na escravidão FOTO: TAIS ALBINO

Para Joaquim, a reação da mãe não foi uma surpresa. Entre os dois anos de namoro, foram inúmeras brigas com a mãe e tios. Ele chegou até a parar de falar com familiares.

“Minha família trata como se nosso namoro fosse algo passageiro. Ela frequenta minha casa, mas não se sente bem com algumas pessoas, nem foi no último Natal. É algo que incomoda, mas aprendemos a lidar”, disse.

RAÇA E RELIGIÃO

Gilvanete dos Santos Costa e Damião Costa são casados há 16 anos e têm três filhos. Mesmo depois de quase duas décadas juntos e uma família formada, o fato de Damião não ser indígena ainda interfere no relacionamento dos dois.

Ela é da tribo Kariri-Xocó, de Porto Real do Colégio, e fugiu de casa para casar com um não índio.

“Meus pais passaram um bom tempo sem falar comigo e meu marido levou anos para entrar na casa deles. Hoje, ele é ainda é visto com desconfiança. Porém, a gente não manda no destino”, contou.

Para ela, as piores reações ainda vêm da tribo. Gilvanete conta que ainda escuta coisas como: “Índios que casam com brancos deveriam se sentir culpados” e “Na próxima encarnação case com um índio!”.

“Se eu pedir para ele buscar a cesta básica que recebo da Fundação Nacional do Índio (Funai), alguém sempre vai tentar intimidar ele, perguntam qual o motivo de branco estar ali. Já chegaram a pisar no pé dele a propósito em festa de aniversário na tribo, mas não fizemos nada”, relembrou.

(*) Nome alterado para preservar a identidade

Fonte: Gazeta Web
 

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