Bloqueio nas estradas: Uma análise dos movimentos sociais sob a ótica comportamental

Estamos vivenciando no país uma situação caótica frente ao aumento indiscriminado do combustível que dificulta o trânsito de veículos automobilísticos nas estradas intermunicipais e interestaduais nos últimos dias. O caos que se instala, comove caminhoneiros e tem efeitos positivos em toda a população que se solidariza com a causa, inclusive há prejuízo em vias aéreas, tendo em vista a falta de combustível nas aeronaves do Brasil. Como podemos analisar este contexto considerando uma ciência que analisa o comportamento humano frente ao engajamento de toda uma população por uma única causa? O comportamento humano é multideterminado e faz-se saber que o movimento social instalado atualmente faz competir ao cientista do comportamento argumentar sobre o envolvimento de toda uma população por uma única causa. O que faz as pessoas se unirem por um só objetivo?

A filosofia do behaviorismo radical propõe aos analistas do comportamento que o objeto de estudo da psicologia deva ser o comportamento dos seres vivos, especialmente do homem (SILVA et al., 2007, p.357). Esta filosofia destina sua atenção aos acontecimentos externos que exercem influência sob o comportamento. Para isso, compreende o comportamento humano tendo causas em três níveis de seleção, são elas, a filogênese corresponde as características comportamentais fisiológicas que foram importantes ao longo da evolução sendo, portanto, comum a todos de uma mesma espécie; a ontogênese, que está relacionada a aprendizagem individual do sujeito, ou seja, sua história de reforçamento e punição, que influencia no repertório comportamental da pessoa e consequentemente na forma como o indivíduo se relaciona com o meio e por último a sociogênese que está ligado à cultura, ao meio social do indivíduo, com todos os costumes de um povo, de uma região e de um sistema de crenças. Assim como os dois primeiros níveis de seleção aqui apresentados, a sociogênese também compõe importância ímpar para a sobrevivência da espécie e, portanto, exerce influência significativa no comportamento humano. Para entender melhor como esse bloco de variáveis também determina a forma como as pessoas se comportam, tomemos como exemplo o famoso costume indiano de amor e veneração a vaca zebu, tão criticado e mal compreendido pelo resto do mundo. Segundo Marri Harris: “Os hindus veneram as vacas porque são o símbolo de tudo que é vivo. Assim como Maria é, para os cristãos, a Mãe de Deus, para os indianos a vaca é a mãe da vida. Não existe, portanto, maior sacrilégio para um indiano que matar uma vaca” (HARRIS, 1978, p. 17-18). As palavras do autor denunciam dois sistemas de crenças diferentes, de um lado a veneração e o amor a vaca, de outro a Maria, a mãe de Deus. Lugares, costumes e comportamentos diferentes, fruto da seleção sociogenética.

Quando passamos a analisar o movimento que hoje se instala no País, teremos como foco principal o papel da sociogênese no envolvimento de pessoas em prol de um bem comum. Por que isso acontece? É válido considerar que nos inserirmos em grupos é uma característica natural e necessária para nós seres humanos e por assim ser, as pessoas tendem a emitir comportamentos que são reforçados socialmente para se sentirem aceitos em determinado grupo. Quando falamos de cultura, envolvemos comportamentos socialmente aceitos e que são reforçados no ambiente verbal do indivíduo, assim a tendência de nos aliarmos a uma causa que seja reforçadora para toda uma nação. O peso desse nível sociogenético tem tanta influencia sob o indivíduo que comumente as pessoas evitarão emitir comportamentos que sejam incompatíveis com o que está sendo reforçado. Por isso, dificilmente as pessoas dirão que são contra o movimento social em prol do bem de todos, a menos que o sujeito esteja inserido em um meio onde este tipo de discurso seja valorizado.

Vale considerar ainda que nosso País tem em sua história marcantes movimentos sociais que foram responsáveis pela realidade que temos hoje. Direitos sociais foram conquistados em movimentos sociais e a população teve acesso aos seus benefícios por causa desses movimentos. O período da Ditadura Militar no Brasil provocou um tempo propício para a efervescência dos movimentos sociais uma vez que, dentro das Universidades, as inserções e consolidação dos cursos de Ciências Sociais com a reforma pedagógica dos cursos propiciaram um pensamento mais crítico frente à interpretação de nossa realidade. Os estudantes, com um entendimento da situação junto a indignação dos demais indivíduos que não aceitavam esse modelo de governo ditatorial, formaram uma massa de combate organizada (MEDEIROS, 2015). Sobre o papel dos movimentos sociais neste contexto, Gohn (2011, p. 23) pondera o quanto é inegável “que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista de vários direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova Consti­tuição Federal de 1988”. O movimento de oposição e contestação ao regime militar tinha um propósito claro: defesa dos valores do Estado democrático e crítica a toda forma de autoritarismo estatal.

Na atualidade os movimentos sociais mais importantes do País, na luta por direitos, vem do movimento negro, LGBT, movimento sem terra, a luta das mulheres, entre outros. Com isso, considera-se que sociogenéticamente, o movimento social no Brasil contra a situação caótica que vivenciamos frente ao valor do combustível é tão relevante quanto o movimento social de pessoas que são minoria e que resolvem fechar as estradas para serem ouvidas. Essas pessoas, por vezes são criticadas e até criminalizadas por isso. As pessoas quando resolvem fechar uma estrada impedindo seu caminho ao trabalho, atrasando sua rotina diária e dificultando sua vida pessoal, merecem ser respeitadas tanto quanto todos aqueles que hoje protestam nas estradas do País. Acontece que aqueles que criticam são apoiados por uma maioria que valoriza o discurso de quem está desvalorizando o movimento. A complexidade do quanto as pessoas estarão envolvidas ou não em determinada causa, considera o quanto que essas pessoas são prejudicadas. Se há prejuízo, a tendência é emitir comportamento de defesa de direitos e inserção em grupo, se não há prejuízo para o sujeito, a tendência é não apoiar e buscar forças para destruir aquilo que dificulta suas atividades normais do cotidiano.

Penso dessa forma que uma sociedade verdadeiramente comprometida com o bem social só será possível quando as pessoas verdadeiramente estiverem dispostas a lutar por causas que são do coletivo, seja você afetado diretamente ou não. A partir do momento em que começarmos a olhar para o coletivo e deixarmos de lado nossas individualidades, podemos pensar sim numa sociedade mais justa e igualitária para todos.

Diego Marcos Vieira da Silva

Psicólogo comportamental (CRP15/4764), especializando em neuropsicologia, formado pela Universidade Federal de Alagoas, com formações em psicopatologia em análise do comportamento e técnicas de memória e oratória. Com capacitação para avaliação psicológica e experiência em casos de transtornos psicológicos tanto na clínica quanto em instituições de saúde mental.

REFERÊNCIAS:

GOHN, Maria da Glória. Conselhos Gestores e gestão pública. Revista ciências sociais. Unisinos, Rio Grande do Sul, v. 42, n.1, p-5-11, jan/abr. 2006. Acesso em 01/09/2015.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. 14. ed. Porto Alegre: L&PM, 2016.

MEDEIROS, A.M. Breve história dos movimentos sociais no Brasil. Sabedoria política, 2015. Disponível em: < https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/breve-historia-dos-movimentos-sociais-no-brasil/>  acesso em 25 de maio de 2018.

SILVA, Dacio R. S. da et al. Transtorno obsessivo–compulsivo (TOC): características, classificação, sintomas e tratamento. ConScientiae Saúde, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 351-359, 2007. Disponível em: <http://www.saudedireta.com.br/docsupload/1340133701cnsv6n2_3q32.pdf >. Acesso em: 5 jul. 2015.

SKINNER, Burrhus F. Contingências do reforço: Uma análise teórica. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

 

 

 

 

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