Trabalhadores recebiam R$ 4 para raspar 200 kg de mandioca em casas de farinha
A farinha de mandioca produzida pelos trabalhadores resgatados na operação contra o trabalho análogo à escravidão no Agreste alagoano, realizada no início deste mês, custou um preço alto: a exaustão. Além de laborarem em um ambiente degradante, submetidos a risco iminente de acidentes, cada trabalhador recebia apenas 4 reais por 200 quilos de mandioca raspada.
De acordo com informações apuradas durante a força-tarefa realizada pelo Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), os 92 empregados (número atualizado) e 15 crianças resgatadas trabalhavam por mais de 8 horas por dia para ganhar R$ 20 – submetidos a condições que se assemelham à escravidão. Dentre as irregularidades constatadas, nenhum dos trabalhadores tinham carteira assinada, corriam risco diário de choque elétrico, não tinham direito à água potável e sequer havia local para necessidades fisiológicas.
“As raspadeiras de mandioca estão na atividade por falta de opção. A situação de periclitância é que leva aqueles trabalhadores a um único meio de renda, e, ao serem submetidos a um trabalho exaustivo, também são remunerados com valores ínfimos. Mesmo não havendo privação de liberdade, isso é considerado trabalho análogo à escravidão”, afirmou o procurador do MPT Rodrigo Alencar.
Na manhã desta terça-feira, 8, a Procuradoria do Trabalho em Arapiraca iniciou as audiências com as distribuidoras do ramo alimentício identificadas por comprar a farinha de mandioca produzida no município de Feira Grande – um dos locais alvo da operação. De acordo com as investigações, as empresas compravam a farinha em grandes quantidades e empacotavam o produto para ser vendido no varejo.
“As empresas que compram essa produção foram chamadas para que seja cobrada a responsabilidade de cada uma delas, porque o produto adquirido vem de uma mão de obra de situação degradante. Não queremos que a atividade de farinha de mandioca em Alagoas seja prejudicada, mas não podemos compactuar com uma situação de trabalho exaustivo e de trabalho infantil”, ponderou Alencar.
Estima-se que a cadeia produtiva da mandioca em Alagoas emprega, aproximadamente, 50 mil trabalhadores e, desse número, é provável que cerca de 2500 sejam crianças e adolescentes. Desde 2012, este foi o maior resgate de trabalhadores encontrados em situação de trabalho análogo à escravidão no país.
Responsabilidade do poder público
Os proprietários das casas de farinha também foram intimados no inquérito instaurado para investigar o caso, mas, segundo Rodrigo Alencar, a responsabilidade, talvez principal, deve recair sobre o poder público. “O ente público tem grande responsabilidade sobre essa cadeia degradante. Os municípios e o Estado de Alagoas também serão chamados porque não é razoável que uma casa de farinha funcione aos olhos dos gestores nas condições que vinham funcionando”, disse.
Em reunião realizada na Procuradoria do Trabalho em Arapiraca, no período da tarde, o procurador do MPT se reuniu com representantes da Defensoria Pública da União (DPU) e da Secretaria de Assistência Social de Feira Grande para identificar as políticas públicas que estão sendo executadas no município pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Cadastro Único para Programas Sociais (Cadúnico) e Ações Estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (AEPETI) em favor desses trabalhadores e de suas famílias.
Caso o Ministério Público do Trabalho ajuíze ação na justiça para buscar a reparação dos danos causados diante das condições degradantes encontradas nas casas de farinha, o prefeito do município de Feira Grande deverá ser incluído no Polo Passivo do Processo.
Fonte: Assessoria do Ministério Público do Trabalho em Alagoas