Ajuda psicológica pode favorecer o enfrentamento do câncer

     A psicologia pode oferecer intervenções psicoterapêuticas com métodos psicodinâmicos para compreender e cuidar de reações emocionais, como atividade de escuta atenta (ativa), acolhimento; psicoterapia breve (focada a partir do momento do diagnóstico); atendimento familiar; terapias em grupo ou individual do paciente e/ou cuidadores; relaxamento com visualização (utilização de imagens mentais curativas); orientação e informações (esclarecimentos sobre o tratamento e como lidar), dentre outros.

          Receber um diagnóstico de câncer envolve uma carga emocional decorrente dos medos que surgem no paciente e em seus familiares motivados pelas dúvidas em relação ao tratamento e evolução da doença, sobretudo, sobre o futuro. Houve um tempo em que o câncer era inevitavelmente fatal. Essa realidade desenvolveu no imaginário das pessoas medos intensos em relação à doença.

          A palavra câncer, originada do grego ‘karkinos’ (caranguejo), significa neoplasma, um novo tecido que destrói as partes onde se desenvolve, tomando-lhes o lugar e tendendo generalizar.      Isto é, sinônimo de doença devastadora ou causadora de enorme sofrimento, muitas vezes a palavra câncer é substituída por “aquela doença” ou “doença ruim”. Deste modo, essas características dão ao câncer um enorme significado, pois ele passa, a simbolizar a tênue ligação do doente com a vida, bem como a frágil realidade do controle sobre ela.

          A humanidade com isso sofreu cruelmente durante milênios até chegar a triunfos da Medicina capazes de prevenir, diagnosticar, e tratar a maioria das doenças. O estigma do câncer, porém, ainda desperta ansiedade no doente que estão relacionadas diretamente à morte e sofrimento.

          Esta situação vem mudando com o avanço da medicina que tornou possível o aumento significativo de pacientes sobreviventes, curados ou não. Dessa maneira o diagnóstico precoce, o tratamento, a terminalidade ou a cura e a decorrente readaptação do paciente exigem uma visão mais ampla e direcionada ao cuidado integral do paciente e da sua família inserida em um contexto sócio-cultural e espiritual. Aliás, cuidado, cuidar tem uma abrangência muito maior: compreender o indivíduo sob todos os anglos de sua existência.

Uma pessoa com câncer, em virtude de sua vulnerabilidade, resgata em toda equipe que assiste, a necessidade imperativa de um envolvimento integral, que requer, além do repertório técnico-cientifico, também o lado humano. Portanto, a arte de cuidar é muito mais abrangente do que somente diagnosticar e tratar uma doença.

Sob a condição de mortalidade, receber o diagnóstico de câncer, talvez seja a primeira vez na vida, que o paciente se dê conta da vida e/ou morte, a partir daí é travada uma luta árdua, contra os mitos sobre a doença, e isso requer uma atenção terapêutica completa por meio do trabalho de uma equipe multiprofissional.

O câncer pode ser considerado cada vez mais um fenômeno não só biológico, mas também psicológico e social, pois pode acarretar mecanismos de isolamento, e de negação da doença associado a uma forte resistência ao tratamento, que costuma ser revestido pelo conceito prévio de sofrimento e dor.

O câncer de maneira geral deve ser falado e discutido, principalmente porque sua incidência e sua prevalência na sociedade são enormes. Somente deste modo as causas dessa doença podem, em grande maioria, ser combatidas, evitando assim seu aparecimento. É a precocidade do diagnóstico que tem levado à vitória cada vez maior no combate ao câncer, contribuindo assim para que ele seja encarado como uma doença tratável e com grandes possibilidades de cura.

Do ponto de vista psicológico, o doente e a enfermidade se confundem, pois, o câncer e seus mitos afetam as emoções do paciente tornando-o ainda mais frágil. É necessário fortalecer o estado emocional para que possa proporcionar uma maior adesão ao tratamento bem como uma melhor resposta física, com mais equilíbrio, entendimento e, consequentemente, uma melhor dinâmica familiar.

          Faz-se necessário o entendimento de que cuidar das emoções desencadeadas pelo adoecimento é imperativo para a manutenção da qualidade de vida tanto do paciente quanto da família e dos cuidadores. É preciso que o paciente se torne um participante ativo do seu processo de cura. O papel de vítima, nesse ponto, enfraquece e ludibria o paciente diante do perigo sem mobilização para o enfrentamento.

É importante ressaltar, que os cuidados que garantem melhor qualidade de tratamento se ancoram na concepção da visão holística (todo) do homem, tratando de todos os aspectos que o norteiam, sejam eles de caráter físico, espiritual, social ou cultural. Estes aspectos interligam mutuamente, interagindo de forma global nas respostas do paciente e também de seus familiares nos diversos estágios em que se encontram. Esses estágios acontecem logo após o diagnóstico, que geralmente são cinco (elaborado pela médica psiquiatra Elizabeth Kubler-Ross pioneira no estudo sobre a morte e o morrer no ano de 1987, valido até hoje), no início a negação, depois revolta, barganha, depressão e, finalmente, aceitação.

A negação dificulta o diagnóstico precoce, por sua vez, um diagnóstico correto pode levar a um tratamento mais eficaz. A raiva deve ser entendida como não pessoal, não direcionada exclusivamente a alguém, mas é um momento de pânico porque não pode mudar a situação diante de uma realidade só dele, a qual deve aceitar como sua. O acolhimento dessa situação, sem levar para a esfera pessoal, facilita que o paciente vivencie a raiva, entendendo a qual natureza pertence, e trabalhe as defesas para melhorar a qualidade de vida. Há ainda, o ressentimento, a revolta, do que deveria ter sido feito, dos projetos inacabados, dos dizeres não falados e de tantas questões pendentes. A barganha, os acordos são feitos com Deus, com os médicos. Os que chegam à aceitação apresentam maior possibilidade de serenidade, não só para si, mas todos em seu entorno. É importante destacar que estes mesmos estágios ocorrem com os familiares que os vivenciam de forma similar.

Para o processo de tratamento passa também por alguns estágios, como, diagnostico, fases do tratamento, a possibilidade de cura e a retomada das atividades de diária. Em alguns casos recidiva, novos tratamentos, estágio avançado da doença, estágio terminal e proximidade da morte.

O FORTALECIMENTO DO ESTADO EMOCIONAL PROPORCIONA AO PACIENTE UMA MAIOR ADESÃO AO TRATAMENTO – considerando sempre a particularidade de cada pessoa e do tipo de câncer que o paciente apresenta; portanto, o papel de um psicólogo é fundamental para o melhor direcionamento dos estados emocionais tanto dos pacientes quanto de sua família e cuidadores. Faz-se ímpar, que a atuação se inicie desde o momento do diagnóstico e que acompanhe o paciente e seus familiares no transcurso de todo tratamento.

A esse respeito, para que uma assistência se mostre plena, alguns componentes do processo de cuidar devem estar presentes nas decisões, no planejar, ouvir e falar claramente, saber o que esperar à medida em que a doença progride (ou não) é importante (re) planejar uma administração para aproveitar o tempo de vida. Como tentar resolver conflitos, passar um tempo maior com as pessoas que ama, nunca serem julgados, mas acolhidos, respeitados, evitar o isolamento – a solidão é a pior dor a ser enfrentada.

Na prática clínica é sabido que a ansiedade e a depressão afetam tanto a presença como a intensidade de sintoma físicos, que representam formas comuns de estresse psicológico, dos quais a depressão é um dos distúrbios mais reconhecidos nesses pacientes. A depressão não apenas produz sofrimento, como também proporciona uma piora na qualidade de vida do paciente e seus familiares, e podem prolongar períodos de hospitalização.

Outra característica que pode ser encontrada no paciente com câncer é a pressa, pressa de acabar logo o sofrimento, pressa de recuperar o “eu sadio”, dentre outros. A incerteza, o medo, o temor a mutilação, a perda dos pelos (alopecia) que para a autoimagem é muito importante. Enfim, há uma sensação de impotência.

Desse modo, a equipe que cuida de um paciente com câncer precisa, além do habitual conhecimento teórico-científico, um lado humano que permita um envolvimento integral, ver o paciente de forma global, que permita o paciente um melhor enfrentamento da doença, em todos os seus estágios.

No que concerne à liberdade e ao dever de exercer o papel enquanto psicóloga, frente ao paciente com uma doença que traz vários outros fatores envolvidos, é, o acolhimento e humanização, escuta e a fala que conduz o paciente e a família a novas percepções e sensações, que, diante da irreversibilidade de sua patologia, receberá um tratamento que preserve sua dignidade, numa busca de expectativas enquanto houver vida; mas que, a morte existe e, apesar de todo avanço tecnológico, o homem não se tornou imortal. Todos nós, somos pacientes terminais, posto que a morte fará parte do cotidiano de cada um, em algum momento. Entender a morte e os sentimentos que a norteiam é fundamental para compreender as angústias daqueles que vivem seus momentos finais, e, tratar do desejo, e não do diagnóstico.

 

Sérgia Mônica Nascimento – Psicóloga

 

Leia mais sobre isso em:

KUBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a more e o morrer. São Paulo, Martins Fontes, 1987.

 

 

 

2 comentários sobre “Ajuda psicológica pode favorecer o enfrentamento do câncer

  1. Texto excelente! Passei por essa situação com um parente e vi o quanto foi eficaz a ajuda de um psicólogo. O texto relata situações verídicas, vivenciadas por mim e alguns colegas. Parabéns pelo texto!

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