Sírios iniciam a difícil tarefa de reconstruir a cidade de Aleppo

Governo sírio não dispõe de verbas para reconstrução
FOTO: BBC

Me apaixonei, não sei por quê”, confessa Alaa Al-Sayed, enquanto admira o objeto de seu afeto: o antigo portão de Bab al-Nasr, o Portão da Vitória.

Assim como outras entradas históricas que levam às vielas do bairro antigo de Aleppo, parte do arco de rochas do Bab al-Nasr colapsou durante a guerra civil síria.

A cidade medieval murada foi uma das frentes mais sangrentas na batalha pelo controle de Aleppo, encerrada há cerca de um ano (em outros pontos da Síria e da própria província de Aleppo, o conflito prossegue).

Ninguém, nem mesmo o governo sírio, dispõe das enormes quantias necessárias para recuperar o patrimônio histórico perdido na guerra civil – ou pelo menos restaurar a oferta de serviços básicos. Estima-se que isso custaria dezenas de bilhões de dólares.

Cabe então aos moradores recuperar, pouco a pouco, pequenas preciosidades em meio aos destroços da cidade histórica.

“Formamos um pequeno comitê chamado Amigos do Bab al-Nasr”, conta Alaa Al-Sayed, que é historiador. Enquanto ele conversa com a BBC, um pedreiro especializado, um dos poucos restantes na cidade, reergue algumas das rochas do portão. “Não somos ricos, mas temos algum dinheiro para investir em nossa cidade.”

Aleppo, que foi um importante bastião rebelde na guerra e um símbolo de resistência ao regime sírio, ainda acumula montanhas de destroços e detritos deixados para trás por quem fugiu do conflito sírio. Pelas ruas, há sapatos de crianças, bules de chá, camisetas abandonados. Enormes buracos de bombas ou fachadas desmoronadas marcam as casas.

Mas, aos poucos, a vida começa a ressurgir das ruínas. Em um dos bairros mais afetados, a moradora Um Khalil mostra à BBC o que ela conseguiu arrumar até agora: o teto do apartamento da família foi restaurado com placas feitas de argamassa. As janelas ainda têm plástico substituindo o vidro. Não há eletricidade ou água corrente.

Sua família é a única até o momento a retornar ao bloco de apartamentos, bastante danificado. Assim como muitos outros sírios, a família havia se abrigado na costa litorânea da Síria durante o auge do conflito em Aleppo.

“Pedimos dinheiro emprestado para consertar o teto”, explica Um ao lado de três de seus seis filhos, que se aninham perto do sofá, o único móvel da casa.

Mais difícil, no entanto, é consertar as vidas destroçadas pelo conflito.

O marido de Um olha para o vazio enquanto ela conversa com a BBC. “Ele não trabalha mais”, conta ela. “Sua fábrica foi destruída, mas temos a esperança de que dê para reconstruir.”

Fábricas de diversos portes costumavam ser o motor econômico de Aleppo, no que era o coração industrial da Síria.

Agora, a zona industrial de Leiramon, com suas carcaças de edifícios abandonados nos extremos da cidade, evidencia a voracidade da guerra civil.

“Tive um ataque cardíaco”, conta Bassel Narsi sobre o momento em que viu o que havia restado de suas fábricas de plástico, que haviam estado entre as maiores do Oriente Médio. “Foi terrível. Estava tudo destruído.”

Atualmente, só uma fabricante têxtil retomou sua produção na zona industrial.

Crianças retornam às aulas cantando hinos de apoio

FOTO: BBC

“A reconstrução vai consumir muito tempo e dinheiro, mas o que realmente precisamos é de que sanções ocidentais sejam suspensas, para que possamos importar e exportar”, argumenta Nasri, que é também vice-presidente da Câmara Industrial de Aleppo.

Mas o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, declarou, em um discurso recente: “Desestimulamos as relações econômicas entre o regime do (presidente sírio Bashar) al-Assad e qualquer outro país”.

Enquanto isso, o esforço de reconstrução é simbolizado pela hashtag #Believe_in_Aleppo (acredite em Aleppo), escrito em um banner na antiga cidadela. Ao lado, um outdoor mostra o rosto sorridente de Bashar al-Assad, como se proclamasse que recuperou o controle governamental da cidade.

No maior edifício da região também está uma enorme bandeira síria com a imagem do presidente.

As escolas começam a ser reconstruídas e a abrir suas portas, em bairros antes ocupados por rebeldes.

“Com nossas almas, nosso sangue, nos sacrificamos por você, Bashar”, é o que as crianças são orientadas a cantar na maior escola do leste de Aleppo.

“Se amamos nosso país, temos que amar nosso presidente”, justifica o aluno Muhammad Bayazeed. “A situação está bem melhor agora do que meses atrás, e vai continuar a melhorar.”

O oeste da cidade, mais próspero, foi menos afetado pelos anos de guerra, mas seus moradores também viveram sitiados e com medo.

Ali, muitos residentes, exceto pelos apoiadores fervorosos de Assad, agora evitam falar sobre política.

“Depois de uma guerra, algo muda nas pessoas e na cidade”, argumenta o cineasta e fotógrafo sírio Issa Touma, que documentou a dor do conflito em todos os cantos da cidade. “Algumas pessoas nunca mais vão voltar, e algumas partes de Aleppo, tampouco.”

Ele aponta para as amplas avenidas agora desobstruídas dos destroços. “A cada mês, temos pequenas melhorias”, comemora. “É nisso que as pessoas querem focar agora.” Mas, ele acrescenta, “a política ainda está nas mentes do povo”.

Fonte: BBC

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