Psicólogo fala sobre inimputabilidade no Código Penal e a Psicologia Comportamental em crimes envolvendo álcool

O consumo de substâncias tóxicas tem acompanhado o convívio social desde a mais tenra idade, tendo registros, inclusive, no livro sagrado judaico-cristão com a embriaguez de Noé (Gn 9:21). Conforme Britto et. al. (2012), “os termos substância ou drogas referem-se a compostos químicos que são ingeridos pelas pessoas. Essa definição inclui substâncias lícitas como álcool, nicotina e cafeína, esta última presente no café, refrigerantes, chocolates, além das drogas ilícitas como cocaína, heroína, maconha, dentre outras.” Tais substâncias possuem compostos químicos capazes de (des) ativar áreas específicas do sistema nervoso central, permitindo a emissão de determinados comportamentos por aqueles que às fazem uso. Dentre os efeitos esperados, há comprometimento na concentração, na memória, na atenção, na coordenação motora, na percepção, entre outros. Tais efeitos têm como precursores a ação de neurotransmissores que são liberados através dos neurônios por vias sinápticas. Os danos no organismo causado por substâncias químicas incluem, inclusive, àquelas usadas com objetivo clínico, as quais possuem a função de agir no organismo progredindo, estabilizando ou retrocedendo um quadro sintomático ou sinalizador de quadro patológico.

À medida em que as sociedades evoluem, a busca por prazer, através de substâncias tóxicas, vai ganhando novas formas e, com isso, efeitos diferentes de acordo com as necessidades dos usuários; entre eles, substâncias que possuem efeitos alucinógenos como o álcool. O álcool, quimicamente conhecido como etanol, é uma droga depressora e está presente em grande parte de nossa sociedade, em diferentes grupos sociais, independentemente de classe econômica, posição ou função social. O consumo de álcool na sociedade contemporânea é visto predominantemente de forma positiva, o que dificulta o reconhecimento de determinados padrões de consumo como doença e, ao mesmo tempo, a mobilização de profissionais de saúde para diminuir índices de problemas decorrentes do uso do álcool. (Heckmann & Silveira).

O que leva uma pessoa a consumir álcool e outras drogas? De acordo com a abordagem comportamental, consumir drogas deve ser analisado como qualquer outro comportamento inerente ao ambiente em que o sujeito está inserido, não como sintomatologia de alguma patologia, como descrito no Manual Diagnóstico e Estatísticos dos Transtornos Mentais (DSM-V, 2014), da Associação Americana de Psiquiatria. A análise do comportamento admite uma relação funcional entre o organismo e o ambiente que, segundo De Rose,

A afirmativa, recorrente da obra de Skinner, de que as causas do comportamento estão no ambiente, deve ser entendida de acordo com uma noção muito ampla de ambiente, que não inclui apenas a configuração de eventos que antecede o comportamento, como em certas versões da psicologia estimulo-resposta, mas todo um tecido de relações entre comportamento e ambiente interagindo, por sua vez, com a sua herança genética.

Por ambiente entende-se não apenas ao físico e concreto, mas a todo conjunto de variáveis que, numa relação de causalidade, antecede o resposta do organismo que, por sua vez, será sucedido por uma conseqüência reforçadora ou punidora da resposta emitida; à esta relação, dá-se o nome de tríplice contingência ou relação contingencial. Com isso, a análise do comportamento não aponta que as causas do comportamento estejam dentro do sujeito, mas no ambiente.

Dessa forma, consumir bebida alcoólica implica em livrar-se de algo aversivo ou conseguir algo reforçador;  por exemplo, o esquecimento de restrições e opressões que o sujeito vem passando, bem como reduzir desconfortos gerados por certos estilos de vida, livrar-se de um evento ansiogênico, minimizar a timidez frente ao momento em que precisa estar mais inibido, ser aceito e valorizado por determinado grupo, aliviar o estresse de determinada atividade, entre outros. Indivíduos que veem a substância alcoólica como estimulo reforçador tendem a usar e abusar da mesma, até mesmo pelo efeito reforçador gerado pelo consumo (Britto et. al. 2012).

Comportamentos emitidos sob efeito de bebida alcoólica, em pleno estado de embriaguez deve ser analisado como qualquer outra emissão comportamental quando sem efeito de álcool. No entanto faz-se necessário analisar de maneira mais minuciosa levando em consideração que a substancia etanol agiu sob o sistema nervoso permitindo o descontrole de determinadas áreas cerebrais. França (1978) citado por Santos (2009) afirma que na embriaguez soltam-se progressivamente os impulsos recalcados, livres graças ao entorpecimento das inibições morais. (SANTOS 2009, p.2 apud FRANÇA 1978, p. 3). É no estado de embriaguez que comportamentos socialmente evitados pelo indivíduo, muitas vezes são emitidos de maneira menos discriminada. Como também, é nesse estado, conforme Santos (2012), que alguns comportamentos são mais suscetíveis de emissão devido ao estado de embriaguez em que a pessoa se encontra. Dá-se a essa fase o nome de excitação, que pode ser identificada pela diminuição da capacidade de julgamento, desinibição, euforia, agressividade, enfim, o comportamento de autocontrole fica prejudicado.

A análise do comportamento levará em conta todas as variáveis envolvidas na emissão de determinado comportamento, seus antecedentes e consequentes, organismo, história de vida e ambiente social da pessoa. Com isso, esta ciência por considerar a historia de vida do indivíduo irá identificar qual a relação desta com o comportamento emitido. Comportamentos agressivos emitidos contra alguém durante o estado de embriaguez, por exemplo, muitas vezes tem raízes na relação coercitiva existente entre os sujeitos envolvidos no evento. Baseado nisso, as pessoas emitirão comportamentos que de certa forma tem uma funcionalidade, não sendo, portanto, algo incompatível com o organismo que o emite. O estado de embriaguez são pode ser a causa do comportamento, mas sim a relação coercitiva existente no ambiente, gerando um controle coercitivo. Controle coercitivo é abertamente justificado como uma maneira para os fortes se protegerem dos fracos e para os anteriormente fracos alcançarem seu lugar no topo. (SIDMAN, 1995, pg. 206).

A pessoa embriagada teria consciência de seus atos? Sob a perspectiva behaviorista, consciência é o mesmo que discriminar seus comportamentos. Conforme o individuo pode falar sobre eles, a comunidade verbal dirá que o mesmo está consciente. O comportamento de dirigir ou andar podem ser conscientes ou inconscientes, dependendo de minha capacidade de narrá-los a alguém (Baum, 2006). Consciência, neste sentido, é um produto cultural, instalada e mantida pela comunidade verbal a qual reforça o comportamento autodescritivo. Conforme Skinner (1969 p. 126),

Uma pessoa pode estabelecer seu propósito ou intenção, contar-nos o que ela espera fazer ou obter, e descrever-nos suas crenças, pensamentos e conhecimentos. (Ela não pode fazer isto, certamente, enquanto não tenha tornado ‘consciente’ das conexões causais). As contingencias são, todavia, efetivas mesmo quando a pessoa não pode descrevê-las. Nós podemos pedir a ela que faça uma descrição depois do fato (“Por que você fez aquilo?”), e ela pode então examinar seu próprio comportamento e descobrir sua crença ou propósito pela primeira vez. Ela não tinha consciência do seu propósito quando agiu, mas pode estabelecê-los depois.

Sendo assim, a pessoa que se encontra em estado de embriaguez encontra-se demasiadamente consciente de seus atos, pois é capaz de discriminá-los, caso seja interrogado. Vale ressaltar que por embriaguez, este artigo leva em consideração o estágio de excitação da bebida. A pessoa em estado de embriaguez possui um repertorio comportamental que demarca qual a relação do ambiente com a emissão de seu comportamento; não ficando, assim, inimputável diante seus atos. A imputabilidade estabelece uma relação causal entre o sujeito e uma ação, no caso, uma ação delituosa (Peres e Nery Filho, 2002), caso contrário, considera-se o sujeito inimputável.

No Brasil, o código penal vigente, de 1940, no artigo 28, inciso II afirma que a embriaguez voluntaria ou culposa, causada pelo álcool ou substancia de efeitos análogos, não exclui a imputabilidade, ou seja, o sujeito é responsável pelo seu ato, pois entende-se que voluntariamente ele se colocou em estado de inimputabilidade para, assim, emitir o ato ilícito como “actio libera in causa”. Segundo Nascimento (1992, p.21) citado por Ribeiro (2011, p.30), são casos em que alguém, no estado de não-imputabilidade, é causador, por ação ou omissão de algum resultado punível, tendo-se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade do resultado, ou, ainda, quando podia ou devia prever.

Ainda neste código penal, no artigo 26, é declarado inimputável qualquer indivíduo que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da emissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). Entretanto, como citado anteriormente, a ingestão de álcool também pode ser caracterizado como uma sintomatologia de uma doença mental. Dessa forma, conivente com o artigo 26, a embriaguez poderá ser suficiente para isentar a pessoa de responsabilizar-se pela emissão do comportamento ilícito.

O que importa para o analista do comportamento não é a topografia comportamental, sendo restrita ao momento em que a pessoa entra em estado de embriaguez, mas as variáveis que estão envolvidas no comportamento do individuo.

Portanto, o problema da embriaguez começa no ato de ingerir álcool somado às contingencias que possibilitam comportar-se de modo ‘desenfreado’, quando intoxicado pelo etanol. Permitir-se entrar num estado de embriaguez para comportar-se da maneira como gostaria acaba gerando uma armadilha de reforçamento a ponto de dificilmente o organismo ser capaz de produzir os mesmos comportamentos naturalmente, tanto os comportamentos em busca de reforçadores quanto os comportamentos que elimina os aversivos. A embriaguez por si só não deve explicar a emissão comportamental, mas o ambiente onde o comportamento é emitido. Há de se levar em consideração que algumas funções cerebrais são (des) ativadas quando em intoxicação por substancia química, porém, é valido considerar que tais alterações neuroquímicas não podem ser causas exclusivas do comportamento emitido. Análises mais detalhadas do funcionamento do sujeito devem ser feitas para que a imputabilidade lhe seja conferida e o mesmo responda da melhor forma às consequências de seu ato.

Diego Marcos Vieira da Silva

Psicólogo comportamental (CRP15/4764), especializando em neuropsicologia, formado pela Universidade Federal de Alagoas, com formações em psicopatologia em análise do comportamento e técnicas de memória e oratória. Com capacitação para avaliação psicológica e experiência em casos de transtornos psicológicos tanto na clínica quanto em instituições de saúde mental.

Referências:

Baum, W.M. Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. Tradução Maria Teresa Araujo Silva [et. al.]. -2 ed. REV. E AMPL. -Porto Alegre: Artmed, 2006. 312 p.; 23cm.

Britto, I.A.G.S.; Britto, A.L.G.S.; Alves, J.C. & Souza, N.R. Sobre o comportamento de consumir e depender de substâncias  Vox Faifae: Revista de teologia da Faculdade FAIFA Vol. 4 Nº 1 (2012) ISSN 2176-8986

LEI Nº 7.209, DE 11 DE JULHO DE 1984. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7209.htm. Acesso em 7 de janeiro, 2016.

Manual diagnóstico e estatístico de transtorno 5 DSM-5/[American Psychiatric Association, traduc. Maria Inês Corrêa Nascimento et. al.]; revisão técnica: Aristides Volpado Cordioli et.al. –e. Porto Alegre: Artmed, 2014. Xliv, 948p.; 25cm.

Paulo Antonio dos Santos. Embriaguez e imputabilidade penal.  Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14058/embriaguez-e-imputabilidade-penal/1. Acesso em 8 de janeiro, 2016.

PERES, M.F.T. e NERY FILHO, A.: Mental illness in Brazilian penal Law: legal irresponsibility, potentiality for danger/ agressiveness and safety policies. História, Ciências, Saúde Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 9 (2): 335-55, May-Aug. 2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v9n2/a06v9n2.pdf> acesso em 09 de janeiro, 2016.

Ribeiro, Fernanda Pradines Coelho. Teoria do actio libera in causa e sua não recepção pela Nova Ordem Constitucional. Monografia apresentada como requisito de conclusão de curso de Bacharel em Direito Universitário de Brasília – UniCEUB. Disponivel em http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/497/3/20722949.pdf. Acesso em 8 de janeiro, 2016.

SIDMAN, M. Coerção e suas implicações (Tradução de Maria Amália Andery & Teresa Maria Sério). Campinas: Editora Livro Pleno. (Obra original publicada em 1989), 1995.

Wolfgang Heckmann Camila Magalhães Silveira. Dependência do álcool: aspectos clínicos e diagnósticos Disponível em: <http://www.cisa.org.br/UserFiles/File/alcoolesuasconsequencias-pt-cap3.pdf> Acesso em 08 de janeiro, 2016.

 

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