A importânica dos ‘tidawinas’
Outra característica da epidemia é que ela afeta, desproporcionalmente, os homens. “Em algumas comunidades, 35% da população adulta masculina está infectada. Em relação às mulheres, os casos chegam a 2%”, comenta Pujol.
Um elemento que permite explicar tamanha diferença é a homossexualidade e bixessualidade na cultura warao, de acordo com os pesquisadores que estudam o tema.
“É comum que transgêneros (tidawinas em warao) tenham atividades sexuais com homens diariamente em algumas comunidades. Alguns antropólogos dizem que os transgêneros se consideram esposas secundárias”, índica um estudo publicado em 2013.
Um fator adicional que complica ainda mais a presença do HIV entre os indígenas é a tuberculose. A doença com alta prevalência há muito tempo entre os membros da etnia os fazem ainda mais vulneráveis.
Os efeitos do bacilo da turbeculose e do vírus HIV são potencializadas quando coexistem no organismo humano.
Crise absoluta
A falta de tratamento com antirretrovirais para controlar o avanço e contágio também tem ajudado a propagar a epidemia.
O sistema de saúde da Venezuela enfrenta uma crise que se agrava a cada dia e a escassez de medicamentos é constante e generalizada. A federação farmacêutica venezuelana calcula que há problemas com 85% dos remédios.
“Neste momento há um desabastecimento grave de 24 antirretrovirais e há problemas com outros 20. A última compra de medicamentos para HIV foi feita pelo Ministério da Saúde em 2017”, disse à BBC Mundo Regina López, diretora da ONUSIDA na Venezuela.
Ela explica que há um plano de ação para enfrentar a situação dos warao que inclui uma campanha educativa com o objetivo de prevenir o contágio, considerando a cosmovisão da etnia.
Eles acreditam, por exemplo, que “danos” vêm do ar e entram através da boca.
A estratégia prevê ainda dar mais atenção médica aos infectados.
“Se este plano tivesse sido executado há dois anos, provavelmente a população infectada com HIV neste momento seria menor. Temos avançado do jeito que dá, mas são se pode dar início aos tratamentos até que o governo compre antirretrovirais. Lamentavelmente, não sabemos quando será feita a aquisição”, conclui López.
Especialistas dizem que, com o tratamento adequado, o risco de contágio é mínimo, não chega a 1%.
Chegar ao fim do mundo
Um elemento adicional na já complicada situação dos warao é a dificuldade de acesso à área onde vivem. Para chegar ao lugar onde a tribo está mais ameaçada, é preciso viajar oito horas numa lancha rápida, a partir da capital do estado Delta Amacuro onde está o delta do rio Orinoco. A distância entre essa área e Caracas é de aproximadamente 700 quilômetros.
É preciso levar em conta também outros problemas provocados pela crise econômica venezuelana: conseguir combustível é quase uma odisseia e os motores das lanchas são considerados bens preciosos porque estão em falta ou são extremamente caros. A viagem também é perigosa por causa da insegurança na região.
Procurado pela BBC Mundo, o Ministério do Poder Popular dos Povos Indígenas, não respondeu aos questionamentos encaminhados.
“Nós sabemos que a doença está se espalhando, mas não conhecemos a escala de mortalidade da epidemia, não temos um número de mortes, mas, em uma de nossas últimas visitas, metade dos warao diagnosticada com HIV em uma comunidade já havia morrido”, diz Waard.
Ele conclui: “Imaginar o futuro da tribo dá medo. O número (de waraos) vai diminuir consideravelmente. Um cenário possível é o desaparecimento deles”.