Eliminar alimentos processados do cardápio não te deixa mais saudável, diz estudo
A última moda entre as pessoas que buscam uma vida mais saudável e equilibrada é rejeitar alimentos que passaram por processos industriais.
O motivo?
Estes alimentos processados fariam mal à saúde e que deveriam ser evitados ao máximo, uma vez que possuem alto nível de gordura, açúcar e sal — justamente componentes que, se consumidos em excesso, ajudam a desenvolver problemas de saúde como pressão alta, obesidade e diabetes.
Tamanho foi o alarde que muita gente viu os produtos industrializados como o verdadeiro e único vilão dos hábitos pouco saudáveis dos brasileiros. No País, 54,1% dos adultos estão com sobrepeso, sendo 20% deles obesos.
Mas um estudo publicado na American Society for Nutrition, uma das mais famosas publicações científicas sobre nutrição nos Estados Unidos, quer desmistificar exatamente isso. Publicado no The American Journal of Clinical Nutrition, o estudo rebate o que nutricionistas chamam de NOVA, a classificação de um alimento por seu grau de processamento.
Esta classificação propõe quatro categorias: produtos in natura ou minimamente processados (legumes, frutas, verduras), alimentos que passaram por pouco processo (carnes, chás, leite), processados (queijos, café, alimentos em conserva) e os ultra-processados (macarrão instantâneo, salgadinhos, embutidos, refrigerante).
A NOVA também faz uma relação entre o perfil nutricional e sua saudabilidade, ou seja, quanto maior o grau de processamento, menos saudável este alimento será, pois as modificações resultam em adição de sal, açúcar, gorduras, corantes, entre outros, para torná-los ainda mais saborosos. Assim, É recomendado evitar quando possível produtos processados e extinguir de vez os ultra-processados.
Mas, de acordo com o paper de pesquisadores do Instituto de Alimentação e Saúde da University College Dublin e da National University of Singapore, esta classificação peca ao presumir que os níveis de processamento tornam estes alimentos vilões para a saúde humana.
“Até a publicação deste paper, não existem dados sobre a capacidade média do consumidor em termos de renda, habilidades culinárias, instalações culinárias disponíveis, disponibilidade de tempo ou alimentos disponíveis que sustentem que o abandono dos alimentos processados altera significativamente o bem-estar nutricional. Sem tais dados, pode haver questões éticas que deveriam ser consideradas antes do abandono em massa desses alimentos”, concluiu o estudo, divulgado no início de agosto de 2017.
“Este paper questiona duas coisas: a primeira é a classificação dos alimentos por nível de processamento, pois ela está na ‘moda’, e as evidências científicas suficientes para falar que os ultra-processados fazem mal á saúde, assim como não há evidências científica suficiente para recomendar que a população reduza o consumo desses alimentos, como uma forma de ter uma alimentação mais saudável”, analisou a doutora em Nutrição e membro do Conselho Regional de Nutricionistas de São Paulo, Maria Fernanda Elias.
Ou seja, não é porque um alimento sofreu maior processamento que ele é menos ou mais saudável que um com menor nível de processamento.
A nutricionista conta que hoje a população elegeu a indústria como vilã da alimentação saudável. Porém, o problema é “mais embaixo” — a própria cultura brasileira é um fator determinante para seus quilinhos extras indesejáveis.
“Vemos um consumo em excesso de alguns ingredientes como açúcar, sódio, gordura e, por outro lado, uma deficiência de vitaminas, minerais e de ômegas, por causa da alimentação desregrada. Mas isso não é só culpa da indústria”, explica.
A dosagem extra de sal e açúcar nos produtos industrializados está diretamente relacionada à cultura e hábitos alimentares da população de determinados países.
Assim como em algumas regiões, as pessoas carregam no molho e na pimenta, no Brasil, o problema é sal e o açúcar. Segundo a nutricionista, o brasileiro gosta de tudo bem doce e bem salgado. Já em lugares como a França, os doces não são tão doces. E na Itália, nada é tão salgado.
“Quando fazemos um pudim ou um bolo caseiro, usamos muito açúcar. E isso, perceba, não está relacionado à indústria, pois é feito em casa. A indústria incorporou esse gosto em seu alimento, não o inverso”, explicou Elias. “Quando é lançado um produto, ela faz uma pesquisa de aceitação do consumidor com vários níveis de açúcar. Na maioria das vezes, o brasileiro escolhe o mais doce.”
A mesma coisa acontece com o sal. Diversos estudos mostram que mais de 70% do sal consumido no Brasil é adicionado aos alimentos pelo próprio consumidor e que estão presente, principalmente, nos pratos preferidos dos brasileiros, como o arroz e o feijão. “Um grande vilão é o saleiro que colocamos na mesa. Temperamos os alimentos em seu preparo e ainda adicionamos mais sal quando estamos comendo em casa”, disse Elias.
Em 2013, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que o brasileiro ingere quase três vezes mais sal que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Em vez dos 5 gramas diários recomendados, ingerimos cerca de 12 gramas por dia. E o pior: quase metade dos brasileiros, cerca de 48,6%, considera seu consumo diário de sal como “médio” e não “alto”, o que mostra que temos uma percepção bem errada do que consumimos ao longo do dia.
Isso não quer dizer, porém, que comer só industrializados vai te fazer viver para sempre. Para a nutricionista, a chave para uma vida saudável é a moderação. “O que o Conselho de Nutrição do Brasil diz: todos os alimentos, industrializados ou não, podem fazer parte de uma dieta equilibrada. Mas isso depende da hora que vai consumir e, principalmente, da quantidade”, alertou.
Se você come um chocolate industrializado de manhã, outro depois do almoço e outro no jantar, obviamente não vai lhe fazer bem. Mas se ela fez um brigadeiro em casa e comer a mesma quantidade, também não é bom. O que quero dizer: o problema não é doce industrializado ou não, é se ele é excessivo ou não.
Ela diz que até mesmo os embutidos, que são taxados como cancerígenos, podem ser consumidos, sem excesso. “Fazer esse tipo de associação [salsicha causa câncer] é muito difícil. No nosso dia, são tantas coisas que influenciam nossa saúde. Isolar um único alimento e falar que ele que causou câncer, a evidência é muito baixa. A alimentação não é só saúde, é prazer, é sociabilidade. Se comer com moderação, por exemplo, em uma festa, ou em um fim de semana, tudo bem.”
A palavra “moderação” é um tanto ampla: afinal, o que seria comer com moderação? Para a nutricionista, seguir a pirâmide dos alimentos é um bom começo.
O papel da indústria
Os exageros podem estar no dia a dia, mas isso não retira a responsabilidade da indústria de oferecer produtos mais saudáveis. Em junho, o Ministério da Saúde afirmou que o acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) já reduziu mais de 17,2 mil toneladas de sal dos alimentos desde 2011.
A meta é que a indústria promova a retirada voluntária de 28 mil toneladas de sal das prateleiras até 2022, em produtos como sopa e macarrão instantâneo, bisnagas e pães, mortadela, queijo muçarela e empanados.
Segundo o Ministério da Saúde, a quantidade de sódio no pão, por exemplo, deve cair pela metade até 2022. “Em 2011, quatro fatias de pão por dia representavam 40% da quantidade de sódio diária (796 mg). Após o acordo, esse índice, em 2016, passou a ser 22% (450 mg). Em 2020, com o novo acordo, a expectativa é chegar a 20% (400 mg)”, informou.
Porém, o acordo para a redução de sal não é o bastante, na avaliação do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Em nota, o instituto “vê com desconfiança” o compromisso firmado e afirma que as metas são tímidas.
“Não existe punição prevista caso alguma parte do acordo não seja cumprida, uma vez que as decisões são feitas pela própria indústria”, afirma Ana Paula Bortoletto, nutricionista e pesquisadora do Idec.
O Idec realizou também pesquisas para monitorar o cumprimento das metas incluídas nos acordos e foi constatado que o valor estipulado era muito baixo e ineficiente, pois “grande parte dos produtos envolvidos apresentavam a quantidade de sódio dentro da meta para ser reduzido ou estavam muito próxima de atingi-la.”
Para a nutricionista Maria Fernanda Elias, além de reduzir o açúcar, sal e a gordura, a indústria também precisa fazer produtos mais saudáveis. “Não é só tirar, é fortificar o alimento, enriquecer com minerais, vitaminas, pois os brasileiros são deficientes de nutrientes.”
Dietas malucas? Fuja delas
A moderação e o equilíbrio nas refeições, na opinião de Elias, é muito mais eficaz que as “dietas da moda”. Na busca por uma alimentação mais saudável, muitas pessoas acabam excluindo alimentos do dia a dia e isso pode causar um efeito oposto ao esperado.
“Um exemplo clássico é o glúten: quando a pessoa recebe a informação que o glúten faz mal, ela tira do cardápio tudo que tem trigo, como massas e pães, mas ela não substitui com frutas, verduras, e sim com mais carne. E gera um desequilíbrio enorme, come mais proteína, que tem mais sódio, mais gordura”, exemplifica a nutricionista.
Qual a pegadinhas das dietas radicais? Elas restringem tanto que uma hora a pessoa não aguenta mais volta a comer ainda mais do que comia antes da dieta. O segredo é a moderação e a informação, além da prática de exercício físico.
Tal equilíbrio nem sempre é possível para a maioria dos brasileiros. Apesar de sermos um dos países que mais exportam frutas, legumes, verduras e carnes, brasileiros de classe baixa recorrem cada vez mais aos alimentos ultra-processados, pois geralmente, eles são bem mais baratos que alimentos frescos. “Uma família que ganha um salário mínimo tem que fazer ele render o mês inteiro, então faz escolhas mais baratas, como a troca de carne branca por salsicha e outro embutidos”, diz Elias.
Mas este problema também não é exclusivo nas classes mais baixas. “Temos comidas que hoje são baratas, mas poucos anos atrás, custavam uma fortuna, como refrigerante. Eles dão uma sensação de ‘status’ para as famílias brasileiras, independente de classe social.”
A saída está na educação nutricional e o acesso à saúde, segundo Elias. “Imagina se o governo atuasse na prevenção. Em termos de custos de tratamento de diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, seria uma economia gigantesca. A prevenção pode ser feita por campanhas e acesso ao nutricionista no serviço público, por exemplo.”
Além disso, o governo teria de dialogar ainda mais com a indústria e com as universidades. “Trabalhando juntos, a universidade faz as pesquisas, o governo investe na tecnologia, na regulamentação, e a indústria se esforça para oferecer produtos cada vez mais saudáveis.”
Fonte huffpostbrasil.com