Casos Clínicos: Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)

Caio chega à clínica queixando-se de que se sente bastante ansioso, principalmente quando tem sérias discussões com sua esposa, muitas vezes iniciadas por ele mesmo. Esta ansiedade só sofre um alívio quando Caio emite comportamentos repetitivos como acender e apagar a lâmpada do quarto antes de dormir, ou mesmo quando ao sair de casa, fecha a porta de chave sete vezes certificando-se de que esteja fechada. Outra vez relatou só sentar-se à mesa para fazer as refeições, caso os talheres e prato estiverem da mesma cor e em posição linear, um depois do outro lado a lado começando pelo prato, garfo, faca, guardanapo e copo. Os amigos de Caio já estavam a reclamar desses comportamentos repetitivos e já houve vários exemplos de Caio chegar atrasado nos compromissos pois passava boa parte do tempo emitindo comportamentos repetitivos e só se aliviava, se tivesse feito, como relatado em uma das sessões, 7 repetições, pois segundo ele este é o número da sorte e tudo que não tivesse este número poderia lhe trazer azar. Os familiares buscaram tratamento médico para Caio e o mesmo passou a fazer uso de medicamentos conhecidos como Pondera e Prozac, ambos antidepressivos e conhecidos por terem influência na diminuição das obsessões. O mesmo, diagnosticado com Transtorno Obsessivo Compulsivo, incomodado com os efeitos colaterais da droga que em nada resolveram seu problema, buscou um psicólogo comportamental.

O caso relatado, é tipicamente um caso que se encaixa, conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V) nos “Transtornos obsessivo-Compulsivo e transtornos relacionados”; um capítulo separado no DSM, considerando sua variada forma de apresentar-se no indivíduo. No texto anterior, iniciei a discussão sobre ansiedade, afirmei que ela pode ser compreendida como um espectro que vai desde a ansiedade de separação até a ansiedade generalizada, e o TOC, apesar de separado na edição 5º do DSM, pode ser entendido como um transtorno ansioso. A Análise do Comportamento, nega qualquer interpretação de que o comportamento tem causas internas/mentalistas, explicações desse tipo são circulares, pois buscam encontrar as causas no interior do sujeito, ignorando as variáveis pelas quais a resposta é função. Segundo Skinner (2003, pg. 281) “quando aquilo que uma pessoa faz é atribuído a algo que lhe ocorre no íntimo, cessa a investigação”. Por que explicar a explicação? Dessa forma, o psicólogo comportamental busca uma análise mais precisa do papel do meio, considerando que o comportamento do sujeito é resultado de sua interação com o ambiente que produziu tal comportamento, como já exemplificado em outros textos deste blog. Portanto, para a Análise do Comportamento, não há diferença entre o comportamento patológico, como aqueles descritos como transtornos, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V) ou não patológico, ambos possuem os mesmos princípios de aprendizagem e manutenção; não excluindo, é claro o papel das variáveis genéticas na causalidade do comportamento. O “sintoma” característico do TOC é a presença de obsessões e compulsões. Para explicar melhor, obsessões são pensamentos repetitivos e persistentes, enquanto as obsessões são comportamentos emitidos repetidamente, em resposta à obsessão.

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“A maioria das pessoas com TOC tem obsessões e compulsões. As compulsões são geralmente executadas em resposta a uma obsessão (p. ex., pensamentos de contaminação levando a rituais de lavagem ou pensamentos de que alguma coisa está incorreta levando à repetição de rituais até parecer “direito”). O objetivo é reduzir o sofrimento desencadeado pelas obsessões ou evitar um evento temido (p. ex., ficar doente). Contudo, essas compulsões não estão conectadas de forma realista ao evento temido (p. ex., organizar itens simetricamente para evitar danos a uma pessoa amada) ou são claramente excessivas (p. ex., tomar banho durante horas todos os dias). As compulsões não são executadas por prazer, embora alguns indivíduos experimentem alívio da ansiedade ou sofrimento”. (APA, 2013, p.238).

Embora foi explicado parte dos comportamentos de Caio, consideramos que apenas saber quais são os comportamentos emitidos repetidamente pelo paciente não é suficiente para fazermos uma avaliação funcional do caso em questão. Em consultório, comumente as pessoas imaginam que só relatando os ‘sintomas’ é suficiente para um psicólogo comportamental. Estes, se configuram apenas como topografia comportamental e para intervenção efetiva, faz-se necessário avaliarmos a influência do ambiente no mesmo, analisando variáveis que antecedem e variáveis que sucedem o comportamento. Informações específicas podem ser cruciais numa avaliação como desde quando, em qual intensidade e qual frequência os comportamentos aparecem. Além do mais conhecer as relações atuais e históricas que o sujeito estabelece com os ambientes são relevantes pois nos dão margem para uma investigação da instalação e manutenção do comportamento repetitivo, ou seja como iniciou e por que, e o que ainda mantém este comportamento. Algo importante na história fictícia de Caio é que ele passou a emitir comportamentos repetitivos quando descobriu que sua esposa, estava em papo amoroso pelas redes sociais com um rapaz. Caio sempre foi ciumento e embora discuta sobre isso com sua esposa, ela afirma não ser o que ele está pensando, deixando Caio inseguro. O casal vive do salário que a esposa, gerente de uma loja, recebe e Caio sempre teve a esposa como um porto seguro. Ela linda e inteligente, foi a única e primeira mulher que caio se envolveu e, fora ela, nenhuma outra mulher tem interesses amorosos para com ele. Seus amigos sentem inveja de Caio e diz que ele “ganhou na loteria”. Em uma das sessões, pesquisando a história de Caio, ele sempre evitou estar fora de casa e buscou sempre está bastante ligado a sua mãe, figura que ele relata ter medo de perder, pois ela sofre de problemas cardíacos graves. Enquanto a esposa está trabalhando, Caio passa o dia com a mãe.

O caso agora parece ficar um pouco mais claro para uma avaliação do problema de Caio, principalmente com a informação de que começou a emitir comportamentos repetitivos depois que além de descobrir conversas íntimas de sua esposa com um cara, sua mãe havia sofrido um infarto no dia anterior e por sorte, foi socorrida a tempo. Podemos considerar, com isso, que a ansiedade persistente de Caio tem relação com o medo da perda de pessoas importantes, tanto que seus comportamentos se intensificam quando ele discute com a esposa por ciúme ou sua mãe passa mal. Além do mais ao sentir-se ansioso e emite comportamentos repetitivos, amigos e familiares lhe dão bastante carinho e atenção, pois sabem de seu “problema”. A esposa, inclusive deixa de ir trabalhar para ficar ao lado do marido em casa. Estímulos antecedentes e consequentes são levados consideração para uma intervenção eficaz como no caso citado, e o analista do comportamento identificando o problema, trabalha exatamente no ponto chave da questão, trabalhando todo o repertório de comportamento so sujeito. Técnicas bastante utilizadas como a Exposição com prevenção de recaídas, Treinamento de Habilidades Sociais, modelagem, modelação,  entre outros, se fazem pertinentes nessas situações.

Este caso foi fictício mas se iguala a inúmeros que cotidianamente chegam em nosso consultório. Assim, compreendemos que o “comportamento doente”, considerado na visão tradicional como aquele que traz prejuízos para o indivíduo, sendo muitas vezes isolado do convívio social e mantido em instâncias que destina-se a estes, é visto, de acordo com a ótica comportamental, como uma resposta adaptativa do organismo em função da sua relação com o  ambiente, compreendendo que o comportamento tido como problemático foi instalado e está sendo mantido pelo mesmo, de modo que o “adoecer” configura-se enquanto uma resposta de sobrevivência do organismo no ambiente que está inserido. Busque psicoterapia.

Diego Marcos vieira da Silva

Psicólogo comportamental (CRP15/4764), formado pela Universidade Federal de Alagoas, com formações em psicopatologia em análise do comportamento e técnicas de memória e oratória. Com capacitação para avaliação psicológica e experiência em casos de transtornos psicológicos tanto na clínica quanto em instuições de saúde mental

 

REFERÊNCIAS:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 992p.

Skinner, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. Tradução organizada por J.C.Todorov & Azzi 11ª edição. São Paulo: Martins Fontes Editora. (trabalho original publicado em 1953).

SILVA, D. R. S. da et al. Transtorno obsessivo–compulsivo (TOC): características, classificação, sintomas e tratamento. ConScientiae Saúde, São Paulo, v.6, v.2, p.351-359, 2007. Disponível em: < http://www.saudedireta.com.br/docsupload/1340133701cnsv6n2_3q32.pdf > acesso em 5 de julho de 2015.

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