Dois dedos de prosa sobre a “memória”

As pessoas se atentam para um problema de memória não quando esquecem as chaves, por exemplo, em algum lugar, mas quando ao estarem com as chaves na mão, não se recordam pra que que as pegaram. Um fato relevante nos últimos tempos tem contribuído para um aumento significativo de pessoas que se queixam de falhas na memória, por vezes, cotidianamente. Frases do tipo  “Tenho uma memória fraca, não me recordo o que fiz semana passada”, “Deixei minhas chaves em algum lugar, não lembro onde” e “Não consigo aprender aquele assunto”, revelam diversos aspectos da memória que tendem a fazer parte de um padrão comportamental que revelam falhas na concentração do que se está vivenciando. Mas para nos aprofundarmos no assunto, precisamos antes entender sobre o que estamos falando.

A palavra memória por si só, não nos dá ferramentas para intervir junto ao paciente num problema de esquecimento eminente, pois ela é concebida como algo mental a parte do comportamento humano.; tanto que não podemos encontrá-la em nosso cérebro. O que é a memória então, se não a podemos vê-la? O processo de memorização pode ser entendido como a emissão de comportamentos que visam a garantia de nossa sobrevivência. Sim, com isso quero dizer que “lembrar” e “esquecer” são comportamentos e dessa forma, devem ser analisados funcionalmente considerando variáveis do ambiente do sujeito. Veja que comumente não nos lembramos do guarda-chuva, em um dia de sol. Só lembraremos deste objeto caso ele tenha alguma utilidade no momento em que precisamos. Da mesma forma, frequentemente nos esquecemos de tomar o remédio na hora exata, justamente porque aparentemente tudo parece estar bem conosco. Esses são apenas simples exemplos do que seria o “lembrar” e o “esquecer” numa visão funcional do comportamento, mas claro que não deixamos de lado condições neurológicas que interferem nesse processo, dificultando-o. Perceba que utilizo o termo “dificultar” ao invés de “impossibilitar”, justamente porque entende-se que temos capacidade para trabalhar nossa memória, o segredo está na metodologia usada, até mesmo em casos de doenças neurodegenerativas como o mal de alzheimer.

O processo conhecido como memorização tem como um dos seus principais mecanismos neurológicos a ação do hipocampo, o sistema envolve outras áreas também, mas o hipocampo tem sido o mais conhecido, principalmente no que conhecemos como memória de longo prazo. Entretanto a ação do hipocampo como toda ação de nosso cérebro requer a influência de condições ambientais, pois o cérebro não age por si só, sem estimulação. Dessa forma, não existirá comportamento sem a presença de estímulos discriminativos, sendo, portanto, o comportamento de lembrar, resultado de uma história de aprendizagem tanto com relação ao estímulos presentes, quanto a classe de estímulos em que ele faz parte. Outro fator ambiental relevante é que a “Carência de ômega 3 tem sido encontrada  em pessoas com problemas de memória” (Gérson Alves, 2017); além da falta de estimulação, estresse, ansiedade, depressão, falta de concentração, entre outros aspectos que podem causar o comportamento de “esquecer”, pois lembremos que a ação de alguns neurotransmissores podem inibir áreas relacionadas ao “lembrar”.  Todo saber precisa ser prático (aplicação na vida diária, associação com algo do cotidiano), ou seja, aquilo que aprendemos precisa ter relevância no ambiente em que nos situamos, a fim de fazermos uso do que aprendemos para que sobrevivamos. Um exemplo disso é o lembrar como “solução de problemas” chamados de precorrentes, (respostas que ocorrem entre a pergunta e a resposta alvo). Nesse sentido, este lembrar “é a capacidade de responder perceptualmente na ausência do estímulo original ao qual essas respostas se referem que possibilita que este ‘’problema” seja resolvido. É possível ver/cheirar/degustar o café da manhã, mesmo na ausência deste, pois uma pessoa pode se comportar da mesma forma tanto diante do evento em si (quando tomamos café da manhã) quanto diante de outros estímulos relacionados ao evento (como as palavras “pão” e “leite”).[Aggio, et. al. 426]. A princípio pode parecer um pouco complicado de entender, mas com isso, queremos afirmar que aquilo que as pessoas chamam de “associação”, nós entendemos como “emparelhamento” e o mesmo acontece sem o propósito do sujeito, são respostas automáticas, concebidas como comportamentos respondentes. Por exemplo, João é apaixonado por Maria e durante oito meses de namoro se vendo todos os dias, Maria sempre usava um perfume específico com cheiro de flor. Depois do término do namoro, passados seis anos, João hoje casado com outra esposa, sente o mesmo cheiro do perfume de Maria quando estava numa loja de cosméticos comprando um presente para a esposa. Este aspecto além de exemplificar o emparelhamento, indica que  a memória olfativa é a mais fixa que temos enquanto ser humano, isso é tão verdade que dificilmente nos esquecemos de um cheiro que sentimos quando éramos criança ou mesmo da comida de nossa avó que não sentíamos há muitos anos.

Para Skinner (1974/2003, p.97) lembrar “significa nos comportar como, numa situação anterior, nos comportamos na presença de um determinado estímulo”.  Uma resposta de lembrar também pode funcionar como estímulo para outra resposta e assim sucessivamente. Quando olhando para um sofá lembramos que temos uma prova da faculdade para fazer, parece que o sofá e a prova não fazem parte da mesma classe de estímulos, mas analisando funcionalmente é comum percebermos que o sofá de cor cinza, lembrou a camiseta do amigo quando passeava no parque, parque este que além de encontrar com o amigo, eu me encontrei com uma amiga que faz o mesmo curso que eu e imediatamente lembrei dos meus compromissos com o curso, que evocou a resposta de lembrar da prova. Então o esquema seria assim:

Sofá – cinza – camiseta – amigo – parque – amiga – curso – compromissos – prova

Falar sobre a memória seria motivo para centenas de textos como este, pois há vários aspectos que devem ser analisados quando consideramos o processo de memorização ou até mesmo de esquecimento, como em casos de condições ambientais estressantes, bem como estarmos sob efeito de respostas fisiológicas ligadas a ansiedade, ou mesmo em padrão comportamental típico do desamparo aprendido (depressão). Existem várias técnicas em consultório que utilizamos para auxiliar no melhor funcionamento da memória e uma delas é conhecida como “mapa/esquema mental”,  a qual implica em ensinar o sujeito a lembrar dos eventos simulando um mapeamento de comportamentos sucessivos, pois semelhante ao mapa geográfico, é possível mapear informações na memória.  (Obs. Fazer na sequencia memorizando etapas. Ex. caminhar pela casa); algumas pessoas utilizam isso de forma bem simplificada quando ao perderem algo voltam a fazer todo o trajeto que fez antes de chegar onde chegou e funciona. Então, relembrar os passos que foram dados quando se procura as chaves do carro, significa ver o próprio comportamento e a isso nomeamos de ver na ausência da coisa vista. Outra técnica bastante utilizada é chamada de “Técnica de encadeamento”. “Lembramos com muita facilidade de um rosto conhecido, mas quase sempre esquecemos o nome das pessoas. Isso ocorre pela facilidade que nosso cérebro possui para trabalhar com estímulos visuais de modo mais eficaz que estímulos sonoros” (Julião & Saturnino, 2013). Esta técnica visa que o lembrar esteja associado ao encadeamento com outros estímulos, como o fotográfico/visual. De certo, podemos orientar que devemos utilizar aquilo que guardamos em nossa cabeça para que não caia no esquecimento, então para quem , por exemplo, está estudando para vestibular, uma metodologia eficaz é aprender e praticar na vida diária, fazendo emparelhamentos com assuntos estudados e, assim, fortalecendo circuitos já formados auxiliando no processo de memorização, pois a manutenção do que foi aprendido ao longo do tempo é um importante aspecto da aprendizagem que é frequentemente relacionado à memória. Tenha uma vida saudável, pratique esportes, se alimente bem e cuide de seu sono, dessa forma estará usando seu cérebro ao seu favor.

Diego Marcos Vieira da Silva

Psicólogo Comportamental CRP 15/4764

 

REFERÊNCIAS:

AGGIO, N.M., VARELLA, C.A.A.B.; SILVEIRA, M.V.; RICO, V.V.; ROSE, J.C.C. et al. Memória sob a ótica analítico comportamental. 2014. Comportamento em foco (ed. 3).

Alves, Gérson. Memorização de números e datas, 2013. Disponivel em: < https://za.pinterest.com/pin/385480049336645588/>

Alves, Gérson ; Julião, Douglas; Saturnino, Camila. Técnica de encademento, 2013. Disponivel em: < https://prezi.com/phabh95nfuxk/tecnica-de-encadeamento/>.

Skinner, B.F. (2003). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Editora Cultrix. (Originalmente publicado em 1974).

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