Contingências do comportamento abortivo

1Na índia, a veneração a vaca intriga alguns estudiosos pela irracionalidade de tal comportamento. Em países muçulmanos as mulheres andam com o corpo todo coberto representando, dessa forma, respeito ao Alcorão. No Brasil, o país é conhecido por produzir os menores biquínis do mundo. Povos diversos, culturas diversas. Costumes e leis regulamentam uma nação. São responsáveis por promover o bom convívio entre os seus e gerar uma comunidade promissora. Em outras palavras, as pessoas discriminam seus próprios padrões comportamentais, os quais, à base de reforço, serão necessários para a sobrevivência do grupo, promovendo a cultura. Aquilo que pessoas fazem é uma cultura, e não o comportamento das pessoas “inserido nela”. Alguns padrões comportamentais, embora funcionalmente coerentes (filogênese), merecem destaque pois acabam camuflando outros comportamentos e provocando sofrimento e mortes por ilegalidade constitucional reforçado por discursos de base judaico-cristã: o comportamento abortivo.

Falar do aborto, em nosso país, é semelhante a um atentado terrorista como aqueles provocados pelo Estado Islâmico em países do oriente; mas a discussão é necessária pois possui um caráter de saúde pública em meio aos altos índices de mortes maternas, sendo a 1º causa de morte materna na Bahia e a 4º no Brasil. A comunidade cristã levanta questões frente ás afirmações da ciência quanto a existência de vida já após a fecundação do óvulo e condena toda e qualquer prática de aborto em qualquer estágio de desenvolvimento. O fato é que, ligado a isso, o país proíbe práticas abortivas condenando a vítima e quem a ajudou (1 a 10 anos de prisão), embora recentemente abriu-se uma exceção no procedimento de interrupção da gravidez em casos de violência sexual, gestação de anencéfalos e casos que trazem risco à saúde da gestante (Custando R$ 443,00 para o SUS).

No texto “O papel do meio ambiente’, publicado em 1975, Skinner deixa claro através de várias exemplificações, a função de determinados comportamentos que são postos pelo ambiente, como sendo causadores (estímulos antecedentes) de alguns comportamentos sociais, entre eles, Skinner cita “o governo”, afirmando que “a ação política é sempre uma ação de manipulação das contingências de reforço e uma compreensão das contingências e seus efeitos trariam melhorias dramáticas.”

Em termos de religiosidade a mulher que passa por um processo de aborto é quase crucificada como Jesus Cristo, nas passagens bíblicas; ou então é condenada como uma mulher que mostre seu rosto em público, numa cultura muçulmana. Os efeitos da cultura sobre o comportamento humano é tão relevante quanto o efeito de suas predisposições filogenéticas, muitas vezes até mais importante. Em comportamento governado por regras, Skinner (1989) afirma que obedecemos as leis, não porque tenhamos desobedecido, no passado, e fomos punidos por isso; mas porque fomos ensinados a obedecê-las, além disso, evitamos punições contingentes específicas nas leis.

Natural e culturalmente, a mulher é preparada para reproduzir e prover amor. Ir contra esta “lei da vida” é, de certa forma, condenável, deplorável, detestável. O comportamento abortivo, embora tenha conseqüências culturais e filogenéticas, é necessariamente um comportamento que deve partir do consentimento da mulher, a ela caberá aceitar ou não o papel de ser mãe e não de leis que regulamentam a proibição (Vês aqui, hoje te tenho proposto a vida e o bem, e a morte e o mal – Deuteronômio 30:15-16), uma vez que o ato sexual por si só não sinaliza que a mulher quer ser mãe. Alguns críticos discursarão que em meio a tantos métodos contraceptivos, engravidar não justifica abortar e uma vez fecundado, não se pode voltar atrás. Mas a questão não é essa, até porque é comprovado que tais métodos não garantem 100% que a mulher nunca engravidará, a questão é: existe possibilidade de ovulação e, uma vez que, esta aconteceu a mulher é colocada numa posição de responsabilidade sobre a gestação, podendo, agora, estar vulnerável a sofrer retaliações, pois as “… culturas geralmente controlam seus membros através de estímulos aversivos, quer como reforçadores negativos, que fortalecem o comportamento desejado, quer como punições, que suprimem o comportamento indesejado. Assim, as culturas asseguram que seus membros são responsáveis pelo que fizeram e os membros “ se sentem responsáveis”. (Skinner, 1991).

Envoltos nessa condição de gravidez, o cérebro automaticamente irá calcular os ganhos (reforçadores) e desprazeres (aversivos) dessa experiência. Em alguns casos, o cérebro vai disparar dispositivos de que engravidar trará ganhos e será importante para a sobrevivência da mulher, por sinalizar contingências de alto reforço. Em outros, o cálculo é feito de forma que Algumas mulheres irão se vê em “maus lençóis”, contrariando todo planejamento de vida, e logo “terá consciência” dos prejuízos (aversivos) que terá. Vejamos:

Situação 1: A mulher se desenvolveu num ambiente onde sua mãe sempre esteve na posição de vítima, afirmando que o marido “não prestava” e ao mesmo tempo essa mãe manipulava sua filha a acreditar em seu discurso de que “homens não prestam”, automaticamente essa criação implicará em evitação à contingências aversivas parecidas com as que, no passado, viveu.

Situação 2: Um ambiente onde o pai foi repressor, educando sua filha a “se virar sozinha”, buscar alcançar objetivos na vida e suar para ser bem sucedida, levará esta mulher a acreditar que a autonomia se faz necessária. Engravidar vai contra seus projetos de vida e implicará em responsabilidade com uma criança.

Situação 3: (bastante comum): Em um grupo religioso, a mulher que tem posição de destaque, serve como exemplo para os membros do grupo, pois divulga a castidade e pureza diante do Senhor. Esta mulher engravida e se ver, agora, numa situação de pré-aversivo. Ou seja, está ciente de que levar em frente essa condição será motivo de repulsa e condenação social. Os ‘irmãos” da igreja não mais irão olhar para esta irmã com um olhar de amor para com o outro (Isso é automático! E somos naturalmente formados para isso).

Outros aspectos importantes merecem, também, serem destacados, embora não me debruçarei: o aborto é um procedimento traumatizante que tem repercussões negativas á longo prazo na vida da mulher. Os eventos precedentes de um procedimento traumático de aborto chama-se “síndrome pós-aborto” e está incluso na chamada desordem ansiosa pós-traumática. O que chama atenção nesse quesito é: o que antes causava ansiedade no pré-aborto quanto ao que seria melhor para a mulher, agora causa ansiedade proveniente de um procedimento que gerou sofrimento e baixa sua autoestima (quando uma mulher dá a luz, a comunidade verbal a valoriza por seu feito, a parabeniza por abrigar e nutrir o feto em desenvolvimento). Justamente pelo fato de que em nossa cultura judaico-cristã, o ato de abortar, está simbolicamente ligado a assassinato de um filho, opondo-se literalmente daquilo que a cultura à reserva: amor materno. A repressão social, implica, agora, em promover uma pessoa “mentalmente doente”, agravando ainda mais as contingências negativas em que a mulher se envolveu.

Não importando os motivos que levam uma pessoa a abordar, o fato é que no Brasil, o aborto clandestino provoca 602 internações diárias por infecção e 9% dos óbitos maternos (segundo dados da pesquisa “magnitude do aborto no Brasil: aspectos epidemiológicos e culturais”, 2005). Sendo a população mais pobre, as principais vítimas nesse procedimento. Dados importantes afirmam que nos países onde o aborto é permissível os riscos associados a tal procedimento são muito pequenos, pois são realizados em condições de saúde e higiene adequadas.

Contudo, acho que a questão ganharia mais complexidade e seria bem mais reflexiva se fosse discutida no âmbito científico e não ficarmos, ainda, nos prendendo em discursos tradicionalistas e de religiosidade, pois nada se resolve e as pessoas continuam sofrendo com isso. Eis o momento em que uma cultura prefere se ver frente aos índices de mortalidade maternas cada vez maiores a ter que tomar uma decisão que desconstruirá um dos alicerces de sua estrutura. Enquanto isso, formulamos nossas reflexões à respeito do comportamento abortivo sendo sensíveis a funcionalidade do mesmo pois enquanto não tivermos a sensibilidade de reconhecer a função de nossos comportamentos, fazendo auto-observações, discriminando o efeito do mesmo, continuaremos sendo “vítimas” de algumas más interpretações.

“É apenas quando analisamos o comportamento sob contingências conhecidas de reforço que podemos começar a ver o que ocorre na vida cotidiana” (Skinner, 1975).

 

Diego Marcos

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas

 

Referências:

Skinner, B.F. O papel do meio ambiente. Disponível em: < http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/skinner/opapel_do_meio_ambiente_textos.pdf>.

Skinner, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. Tradução organizada por J.C.Todorov & Azzi 11ª edição. São Paulo: Martins Fontes Editora. (trabalho original publicado em 1953)

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de ações programáticas estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento. Norma técnica/ministério da saúde, secretaria de atenção à saúde. Área técnica de saúde da mulher.-2 ed. –Brasília. Ministério da Saúde, 2011.

4 comentários sobre “Contingências do comportamento abortivo

  1. As considerações do Diego somado as argumentações da shirllyane me trouxeram mais reflexões sobre o assunto. Parabéns aos dois. Ainda assim, eu paro minha pouca compreensão na participação do mercado religioso nesse processo, que ocupa a política, que ocupa as diversas mídias, para vender um pacote de prosperidade e paraíso para aqueles que cumprem com a distorcida escritura, condenando tudo e a todos que dela não seja seguidor. Quem levanta a bandeira religiosa cristã não aceitará abrir mão do que parece ser os melhores presentes para aqueles que vivem “a prosperidade” e para aqueles que ja se foram “o paraíso”. É um mercado promissor, que consegui lugares e posições importantes na sociedade vendendo suas santidades, mantido por milhões de pessoas que só compram o que sai da boca do seu líder, pois ele é quem transmite tudo que “Deus mandou dizer”. Me parece que, a ciência, por mais que apresente suas evidências, estará amarrada a posição desses tantos que não irar contrariar a Deus e perder a vida de glória aqui na terra ou no paraíso depois dela, pois esses líderes que antes ocupavam apenas os púlpitos das igrejas, estão hoje fazendo parte também da redoma política e junto com seus aliados mediado por seus pacotes de interesses, favorecem da maneira que lhes convém para que a discussão verdadeiramente aconteça e tenha algum progresso. O que é inegável é a necessidade de cada vez mais falar sobre o assunto, como bem colocado por Diego e Shirllyane, existe uma diversidade cultural, e baseado nela muita coisa pode ser repensada.

  2. Achei muito interessante a forma como foi iniciado o texto: “povos diversos, culturas diversas”, verdade! A veneração à vaca Zebu, que foi usada como exemplo, de fato é famosa por sua “irracionalidade”, que de irracional no sentido que é propagada não tem nada. rsrs
    É muito importante falar de cultura quando se fala de aborto. Quando se fala de comportamento humano em geral. Não foi à toa que a cultura evoluiu em conjunto com a filogênese e possui importância equivalente.

    Eu, particularmente, me importo com os motivos que levam uma pessoa a abortar, variam, e embora compartilhemos inúmeros aspectos uns com os outros, principalmente culturais, cada aprendizagem e realidade individual é um mundo a desvendar. Acho que a discussão precisa ir além do legalizar ou não. Como bem colocado no texto, precisamos estar atentos a funcionalidade das coisas. Os costumes sociais correspondem a uma organização cultural, que objetiva a sobrevivência, como aponta Tourinho (2010) quando diz que um comportamento será reforçado socialmente, ou não, a depender de seus efeitos para a sobrevivência da cultura. O homem diferente de outras espécies de animais, precisa da cultura para sobreviver e, portanto, encontra-se sujeito aos seus padrões. Ou seja, todo e qualquer costume só se estabeleceu e se manteve devido à sua importância para a sobrevivência, e a reflexão e os passos para a mudança desses padrões também obedecem a cultura quando a mesma compreende a necessidade de mudar, mesmo que isso afete sua estrutura, as culturas passam por uma séria de modificações ao longo do tempo, ainda que sutis.

    Acredito que a problemática do aborto, assim como tantas outras que temos, merece mais atenção do que a que tem sido dada. Me preocupo quando vejo argumentos em redes sociais secos e que aparentam desprovidos de reflexão: se você é contra o aborto, não aborte! É o mesmo que: se você é contra o furto, não furte! Se você é contra mentira, não minta! Se você é contra a homossexualidade, não seja homossexual. Compreensões assim não abrem espaço para aceitação, e sim para o ódio. O caminho não é aceitar e pronto! É discutir, refletir, problematizar, olhar para os diferentes estilos de vida. As pessoas precisam parar de brigar e compreender que quem defende ou quem é contra o aborto está tomando uma posição a partir da sua história de vida, do que a cultura lhe ensinou, e que as pessoas passaram e passam por experiências individuais e realidades diferentes, quando eu/você toma uma posição, estamos nesse barco também. É preciso que se discuta isso e que se escute todos os lados para então pensar num caminho a ser percorrido, todas as defesas possuem seus pontos positivos e negativos. Por muito tempo a responsabilidade pela ovulação, gestação, prevenção foi destinada apenas a mulher, como bem colocado. E ainda vemos isso. Nossa cultura tratou de eximir o homem de sua responsabilidade com a prole e deixou a cargo da fêmea arcar com as consequências de um ato feito em conjunto. O homem continua isento e a sociedade tem buscado caminhos para solucionar o “problema que é da mulher”. Se vivêssemos em uma sociedade onde as pessoas fossem ensinadas que precisam arcar com as consequências de seus atos, muitas injustiças teriam sido evitadas, inclusive as inúmeras sofridas pelas mulheres e grupos minoritários. Me preocupa uma sociedade que empurra a poeira para debaixo do tapete, sempre envolve política, economia e injustiça.

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