Casal de mulheres celebra primeiro Dia das Mães com gêmeas no RS

1A maternidade parecia um sonho que Luciana Salles e Luciana Kremer teriam de abrir mão quando decidiram construir a vida juntas. Porém, o casal de Porto Alegre uniu a vontade de ser mãe com muita coragem e, com ajuda da fertilização in vitro, tiveram a vida transformada com a chegada das gêmeas Luísa e Laura. Neste domingo (8), elas comemoram o primeiro Dia das Mães como uma família completa.

Depois da implantação de dois embriões meticulosamente escolhidos e cuidados, a dentista Luciana Salles não conseguiu segurar a ansiedade de esperar 12 dias para fazer um exame de sangue. Escondida da esposa, ela fez um teste de farmácia que deu positivo para gravidez.

“Era felicidade que não cabia em mim. A vida começou de novo. Foram muitas lágrimas de felicidade. Parecia que a ficha não caia”, conta Salles. Mas foram muitos altos e baixos, muito tempo e muita aceitação que levaram as duas Lucianas até aquele momento.

A relação
A vida de Luciana Salles, 45 anos, e da contadora Luciana Kremer, 41, é marcada por coincidências. Além da mais óbvia, o mesmo nome, os caminhos delas se cruzaram por diversas vezes ao longo de 20 anos. Antes de se conhecerem, Salles já tratava os dentes da mãe e da avó de Kremer. Foram apresentadas quando Kremer se consultou e as duas viraram amigas quase instantaneamente.

Logo depois, Kremer se mudou para o Rio de Janeiro a trabalho. Dez anos se passaram, até que elas se reencontraram quando, novamente, ela precisou de tratamento odontológico. “Quando eu ouvi a voz dela no telefone, eu reconheci na hora. Conversando depois que ela estava aqui, eu confessei que meu coração sempre bateu mais forte por ela”, explica.

Depois de manterem um relacionamento a distância por cerca de dois anos, as duas finalmente decidiram começar uma vida juntas. Kremer largou a emprego e voltou a Porto Alegre, onde elas montaram a Confraria da Saúde, um projeto que reúne diferentes serviços de saúde no mesmo espaço, e casaram no civil.

Para Kremer, nem sempre foi fácil lidar com sua sexualidade. Trabalhando numa empresa muito tradicional, ela tinha dificuldade em aceitar seus próprios sentimento. “Era muito difícil a ideia de gostar de outra mulher. O que as pessoas pensavam era muito importante. Passei 20 anos da minha vida abrindo mão de uma vida social, de estar com as pessoas, de estar com os amigos. A sociedade te cobra isso. Uma mulher bonita, bem relacionada, tem uma carreira legal. Cadê o namorado?”, desabafa.

Encontrar Salles também foi a primeira vez que Kremer passou a se abrir de verdade. E, assim, ela também admitiu que não era feliz em sua profissão, apesar do sucesso na carreira. Agora, inspirada pelo trabalho da esposa, ela resolveu começar a estudar odontologia. “A faculdade foi a melhor coisa que me aconteceu depois das gurias. Eu adoro. Essa união me proporcionou tudo isso”, explica.

O processo
As Lucianas quase desistiram do sonho na primeira tentativa. Depois da primeira consulta com um especilista em fertilização no Hospital São Lucas da PUC, um médico disse que não poderia atendê-las por se tratar de duas mulheres. Segundo ele, o hospital teria um “acordo de cavalheiros” com a entidade católica que não permitiria fazer o procedimento em um casal de mulheres ou em uma mãe solteira. Na época, a frustação foi grande.

Mesmo assim, elas resolveram continuar com outra médica. Depois de algumas tentativas com óvulos retirados de Kremer, que é mais nova, o processo acabou gerando muito estresse. “É um desgaste emocional muito forte quando não dá certo”, explica Salles. Elas resolveram ir fazendo retiradas aos poucos e implantaram dois embriões de uma só vez. Foi quando vieram as gêmeas.

Na hora de escolher o doador de espermas, elas receberam uma lista com cerca de 30 pessoas. E, ainda que estivessem em locais separados, as duas escolheram os mesmos três “pais” que iriam fecundar os óvulos. Quando descobriram que eram duas meninas, a felicidade foi ainda maior. “Acho que no fundo nós duas queríamos pelo menos uma menina. Então, mais uma coicidência, a gente nunca tinha falado sobre isso, mas nós duas queríamos o nome Laura”, diz Salles.

Com as várias tentativas de fecundação dos óvulos, as mães não sabem a qual delas pertencia embriões que deram certo. “Nós não queremos saber se são de um ou de outra. Elas são nossas filhas, não importa o material genético”, explica a contadora. As duas também decidiram doar os embriões que “sobraram” a outras mães.

A maternidade
No dia 14 de novembro de 2015, foi quando tudo virou realidade. Depois de 21 dias no hospital, por um risco de pré-eclampsia, as gêmeas nasceram, mas a Luísa ainda precisou ficar internada para ganhar peso. “Cada grama era uma vitória. Eu lembro quando ela chegou a 1,995 Kg e faltava 5 gramas para ela ser liberada do hospital, era muita emoção”, relembra Salles.

Para Kremer, que não levou as meninas na barriga, o dia do nascimento foi ainda mais especial. “Eu levei toda a gestação com muito carinho, mas o dia que elas nasceram foi um estalo”, ela conta que chorou muito quando as viu pela primeira vez. “Eu achei que essa guria ia ter um troço”, brinca Salles. “Acho que ela achou que as gurias não seriam tão apegadas a ela por causa da gestação. Mas não é assim, elas são grudadas”.

A rotina delas também mudou completamente. Elas montaram uma sala atrás do consultório onde Luísa e Laura ficam com a assistente enquanto Salles atende os pacientes. “A gente não deixa elas sozinhas com ninguém, estão sempre com uma ou com a outra. As vezes elas ficam até na sala comigo, os pacientes adoram e fazem festa para elas”, conta a dentista.

Sobre a homofobia, as duas sabem que alguns casos serão inevitáveis, mas elas apostam na educação como forma de driblar esses momentos. “A minha insegurança me atrapalhou muito. Quero que elas tenham segurança e saibam de tudo. Eu acho que preconceito é falta de informação”, esclarece a contadora.

Até o planejamento do batizado, que Salles muito se preocupou, ocorreu sem problemas. “A primeira igreja que eu liguei, não tive problema nenhum. Era a primeira vez que o padre faria um batizado com duas mães e nós fomos muito bem recebidas”, relata.

O Facebook
Enquanto estava internada no hopital, Salles acabou ficando mais ativa num grupo de mães do Facebook. Depois de conhecer a história delas, muitas pessoas sentiam curiosidade e as duas acabaram se tornando referência entre os participantes. Vários foram visitá-las no hospital, queriam conhecer as meninas e se aproximar no casal. Até hoje, elas se tornaram uma espécie de voz para outros casais de mulheres que também desejam a maternidade, e também para outras mães e pais em geral.

O Dia das Mães
Atualmente com cinco meses de vida, tudo ainda é muito novo para Luísa e Laura. Enquanto brincam em seu quarto especialmente criado para ficarem confortáveis, elas não sabem o que significa carregar o sobrenome de duas mulheres ou que suas mães precisaram de um advogado para colocá-los ali.

Para as gêmeas, o domingo (8) será um dia normal com as mães e parentes próximos. Para o casal de Lucianas, o dia vai ser tão especial quanto o dia a dia tem sido desde o nascimento das pequenas: em família.

“Tem muito casal que se separa nos primeiros anos dos filhos e a gente presencia esses momentos de tensão. Tem horas que realmente é muito difícil. Ou tu tem muito amor ali para conseguir ver muito mais coisas positivas do que negativas ou não segura a relação. Isso a gente tem de sobra. Eu não vejo diferença nas famílias”, diz Kremer.

 

Fonte: G1

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