Em meio ao turbilhão causado pela operação Lava Jato, a presidente Dilma Rousseff anunciou nesta segunda-feira que José Eduardo Cardozo deixará de comandar o Ministério da Justiça, após cinco anos à frente da pasta.
O cargo passará a ser ocupado pelo ex-procurador-geral da Justiça da Bahia, Wellington César Lima e Silva. Pouco conhecido nacionalmente, Silva teria sido indicado pelo ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, ex-governador do Estado.
Cardozo não deixa o governo – ele assumirá a Advocacia-Geral da União no lugar de Luís Inácio Adams.
Quadro histórico do PT de São Paulo, ele cumpriu mandatos de vereador e de deputado federal antes de se tornar ministro, em janeiro de 2011, início da administração Dilma. É homem de confiança da presidente e, ao ser mantido no governo, deve continuar como um dos seus principais interlocutores.
Sua saída do Ministério da Justiça teria sido provocada pela crescente pressão que vinha sofrendo dentro do PT para que aumentasse o controle da Polícia Federal. Petistas ligados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva veem uma “obsessão” da instituição em prender o principal líder da legenda e criticavam os vazamentos para a imprensa de investigações contra ele dentro das operações Lava Jato e Zelotes.
A primeira apura no momento se houve favores prestados por empreiteiras a Lula na reforma de um sítio no interior paulista e na construção de um tríplex no Guarujá (cuja compra não foi consumada) – este último caso também é alvo de apuração do Ministério Público de São Paulo. Já a segunda investiga um suposto esquema de venda de medidas provisórias que favoreciam o setor automotivo em seu governo.
Outro fator que alarmou o partido foi a prisão de João Santana, publicitário das campanhas presidenciais petistas desde 2006, na semana passada. Em 2015, já haviam sido detidos no âmbito da Lava Jato o ex-tesoureiro do PT João Vaccari e o senador Delcídio do Amaral, libertado neste mês.
Preocupação
Dentro da Polícia Federal, a saída de Cardozo está sendo vista com apreensão.
Isso ocorre apesar de o ministro ser visto com reservas – a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal já havia se queixado publicamente, no fim do ano passado, sobre uma suposta falta de apoio à instituição. Os delegados temem, porém, que sua saída abra espaço para interferências no andamento das investigações.
“A gente vê com muita preocupação uma mudança baseada em pressões políticas para que o governo controle a Polícia Federal”, disse à BBC Brasil o presidente da associação, Carlos Sobral.
Segundo ele, preocupa o fato de o novo ministro ser egresso do Ministério Público Federal, já que há uma demanda de maior autonomia da PF em relação aos procuradores.
“Queríamos alguém técnico, ligado à área de segurança pública, pois hoje o pais vive uma crise nessa área. A gente enxerga que (a nomeação de Silva) seria uma forma de controlar os delegados da Polícia Federal, uma forma de controle da polícia pelo Ministério Público. A substituição de ministros é natural, mas não se pode concordar com a saída por razões políticas, para intervir (nas investigações)”, afirmou.
É comum que petistas destaquem os avanços no combate à corrupção a partir do governo Lula, com aumento de recursos para a PF. Sobral reconhece que isso ocorreu, mas diz que, a partir de 2010, houve um arrefecimento desse processo.
Hoje a associação reivindica que seja incluída na Constituição a previsão de autonomia orçamentária da Polícia Federal, o que impediria contingenciamentos no órgão e permitiria que a própria instituição decidisse onde aplicar os recursos, ou seja, de acordo com sua estratégia de combate ao crime. Atualmente, é o governo que gerencia os gastos. Cardozo nunca abraçou a causa.
“Nós entendemos que o ministro deveria ter tido uma posição mais ativa em defesa da PF. Nós nos ressentimos dessa falta de posição maior em defesa dos recursos, em defesa da autonomia da PF”, diz Sobral.
‘Falta de liderança’
Segundo um ex-diretor da Polícia Federal ouvido pela BBC Brasil, há uma percepção dentro da instituição de que “faltava liderança” ao ministro Cardozo e ao atual diretor-geral da polícia, Leandro Daiello Coimbra.
“Essa liderança significaria se posicionar no sentido de apoiar e também criticar quando houver excessos, como vazamentos em investigações sigilosas. Essa falta de liderança faz com que cada um faça seu trabalho sem olhar os princípios normativos da instituição”, pondera.
Na sua avaliação, Cardozo já estava muito tempo à frente do Ministério da Justiça – e é natural que houvesse um desgaste.
“Chega um momento em que você tem que trocar, até para ter um sangue novo, um ânimo novo, e as coisas que não estão corretas se corrigirem. Mas (a troca) poderá ser perniciosa se alguém direcionar, quiser coibir certos trabalhos. Isso seria extremamente negativo e nem acho que isso vai acontecer”, destacou.
Na visão desse ex-diretor, tentativas de interferir na Lava Jato causariam reação imediata dos servidores da Polícia Federal e seriam amplamente divulgadas pela imprensa, despertando reações na sociedade. Por isso, considera improvável que haja um controle das investigações.
Já o delegado Carlos Sobral não descarta o risco de a operação ser boicotada pelo novo comando do Ministério da Justiça.
“Isso pode ser tentado por meio da mudanças das pessoas: troca o superintendente, ele troca a equipe, ficamos sem os meios, começamos a sofrer restrição. Ou seja, não vai acontecer de tirarem a investigação do delegado, mas existe uma série de mecanismos para atrapalhar o processo de investigação, tirando todos os meios para que ela seja levada adiante”, ressaltou.
Excessos?
Para o presidente da Associação Juízes Pela Democracia, André Augusto Bezerra, muitas operações da PF desrespeitam direitos fundamentais. Ele dá como exemplo o vazamento de informações sigilosas e a promoção de “coberturas midiáticas” de prisões.
“É um defeito da Polícia Federal e que efetivamente não foi tratado pelo ministro da Justiça”, critica.
Segundo o magistrado, o controle da PF não é necessariamente ruim. “Depende do controle. A polícia, como qualquer outra instituição do Estado, tem que ser controlada, para garantir a legalidade das ações, impedir vazamentos seletivos. O que não se quer é um controle partidário”, acrescentou.
Na sua avaliação, porém, esse não é o problema mais grave da gestão Cardozo, e sim a paralisação das demarcações de terras indígenas, o que acirrou os conflitos agrários, afirma.