Djavan lança CD, fala sobre racismo e nega sofrer mal de Parkinson: ‘O médico chama de Tremor Essencial’

catsEm “Dona do horizonte”, penúltima música de seu novo CD, “Vidas para contar”, Djavan canta o que sua mãe lhe dizia: “Quero vê-lo o mais querido/ Como nosso Orlando/ Hei de ler seu nome escrito/ Em placa de avenida”. Quanta satisfação sentiria Dona Virgínia, viva fosse, ao observar o filho alagoano recebendo o Prêmio à Excelência Musical pelo conjunto de sua obra em 40 anos de carreira, no Grammy Latino, em Las Vegas, ontem à noite! Nesta quinta-feira (19), véspera do Dia da Consciência Negra, o artista de 66 anos fala de orgulho e preconceito.

Esse 23º disco de sua carreira é o mais autobiográfico? 

Com certeza! Falo mais de mim, da minha mãe, do Nordeste, de amor e de relações humanas, dentro da diversidade musical que abracei. “Vida nordestina” (faixa que abre o CD) fala das agruras e das alegrias do povo do meu sertão. Em “Dona do horizonte” (penúltima canção) lembro minha mãe e a influência musical que ela exerceu sobre mim. Foi ela que descobriu muito cedo que eu tinha vocação para a música e incentivou isso em mim. Ficou claro que estou nisso por causa dela.

Em determinadas canções, você retrata as dores e delícias dos relacionamentos amorosos. Alguma faixa do álbum foi inspirada no seu casamento (com a designer Rafaela Brunini, com quem está junto há 15 anos)?

“Encontrar-te”, a terceira música do disco, eu fiz para a Rafaela. As outras, não necessariamente têm a ver comigo. Há histórias que invento, e as pessoas se identificam ou não. São coisas que vi, ouvi e vivi. Essas “vidas para contar” são de gente e de bicho, de tudo quanto é jeito. Falar da minha própria vida é coisa que pouco faço.

Essa vida reservada é a que te faz feliz?

Vivo assim há muito tempo. Tenho dois filhos pequenos (Sofia, de 14 anos, e Inácio, de 8) e procuro levar uma vida bem natural e perto deles, coisa que não consegui fazer com os três mais velhos (Flávia Virgínia, de 43 anos; Max Viana, de 42; João Viana, de 37, frutos de seu primeiro casamento). Levo e pego os dois na escola, vou a reunião de pais, faço dever de casa junto. Houve uma época em que eu saía mais, hoje em dia não. Minha vida é muito atribulada, tenho que organizar meu tempo para poder fazer as coisas de que gosto: trabalhar e cuidar do meu sítio em Araras (distrito de Petrópolis) e da família.

Não costuma ir a bares ou restaurantes com música ao vivo?

Não consigo. Sempre que viajo pelo Brasil e preciso sair para comer, evito lugares assim. Senão, me colocam para trabalhar, me chamam ao palco. Nego quer que eu cante uma, dez, 20. E é desagradável dizer não. Isso já aconteceu muito! Mas me dá orgulho saber que minhas músicas são cantadas e pedidas na noite há anos (segundo o Ecad, Djavan está entre os dez maiores arrecadadores de direitos autorais com música ao vivo).

Suas músicas são muito populares, embora tenham letras de difícil compreensão… “Açaí”, um clássico seu, já virou motivo de piada algumas vezes…

Minha música é estranha, sim, mas no sentido de ser inusual. Tenho essa característica de ser um artista cujo trabalho é extremamente pessoal. Eu toco, canto, faço arranjos, letras e harmonias num estilo muito meu. E adoro isso, porque faço como quero, sei e gosto. Aos poucos, esse mar vai sendo cruzado e as pessoas vão me alcançando, chegando. Há um certo estranhamento por tratar-se de música. Se fosse um livro de poesias, seria melhor assimilado.

Há um mês, você redescobriu a letra de “Negro”, composta em 1974, censurada na ditadura e perdida no tempo. Essa canção ainda lhe seria representativa se fosse gravada hoje?

“Negro” é fruto de um episódio de racismo que aconteceu comigo, numa passagem por São Paulo na época. Um policial me disse que eu ia preso só por ser preto. O preconceito é cultural. A sociedade é formatada para o branco, é administrada e conduzida por ele. O espaço que o negro tem é mínimo e, ainda assim, contestado. É uma luta que não tem fim. E a internet é um ambiente que traz à tona tudo isso. A Taís (Araújo, atriz que há duas semanas foi alvo de comentários preconceituosos numa rede social) não vai ser a última pessoa negra a sofrer esse tipo de coisa, eu mesmo estou sujeito a qualquer momento. É a educação de um povo que traz a informação, que traz a evolução de pensamento, de tudo. É o único caminho.

Depois que ficou famoso, sentiu o preconceito mais brando?

Naturalmente. Quando famoso, você fica meio incolor, do ponto de vista do racismo. Sabe de uma coisa? Pessoas que me amam profundamente não me aceitariam como membro da família. Eu sei disso. O racismo está impregnado na alma. Avô, pai e filho vão dizendo aos seus descendentes que essa é uma raça com a qual não se deve misturar. Eu vivi a minha vida sendo preto, pobre e nordestino, três preconceitos. Minha mãe dizia que eu deveria saber onde entrar, ela se sentia na obrigação de me proteger.

Você já chegou a conversar com os seus filhos sobre isso?

Não, eles não são vistos como negros. Inácio é mais branquinho que Sofia, mas ambos têm o cabelo soltinho. Eu jamais cercearia a liberdade deles. Ao contrário, quero incentivá-los a encarar todas as frentes. Flávia, Max e João também nunca levantaram a questão do racismo comigo. Se não passaram por isso, pode ser que ainda aconteça.

Volta e meia, sua saúde vira assunto entre fãs e curiosos, por causa dos tremores. Você já disse que não sofre do mal de Parkinson, mas é algum distúrbio neurológico?

Quando fico sem dormir direito, me dá isso. Não tem nada a ver com Parkinson. O médico chama de Tremor Essencial, e a causa é a carência de sono. É só eu dormir bem que isso passa. E tem fases em que eu durmo pouquíssimo, cerca de duas horas por noite. Mas parece que não adianta eu dizer que estou saudável, a internet continua disseminando o contrário… Já inventaram que “Flor de lis” foi composta por causa de uma ex-mulher minha que morreu num parto. Eu já disse milhões de vezes que isso nunca aconteceu, mas essa história sempre volta. Essa não é uma música inspirada em ninguém, surgiu da minha imaginação mesmo. Estamos entendidos (risos)?

 

 

Fonte: Extra/Globo

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