“Meu primeiro e melhor amigo não está mais aqui. Tive a sorte incrível de conhecer, rir, debater, viajar, brincar, fazer tudo e não fazer nada com um homem tão bom e tão genial. Meu pai morreu durante a noite”, escreveu o filho Raphaël Glucksmann em sua página do Facebook.
Enfermo há muitos anos, o filósofo “sofria com vários tipos de câncer e lutou muito”, afirmou à AFP um de seus editores.
“André Glucksmann carregava nele todos os dramas do século XX. Filho de refugiados nos anos 1930, conheceu o destino das crianças judaicas escondidas durante a Segunda Guerra Mundial”, afirma o presidente francês François Hollande em um comunicado, a título de homenagem.
O filósofo, em um primeiro momento maoísta, rompeu de maneira espetacular com o marxismo na metade dos anos 1970, ao denunciar o gulag soviético e a tragédia das pessoas conhecidas como “boat people”, em fuga do Vietnã comunista.
Um de seus livros mais conhecidos resume a ruptura e o novo compromisso.
Em “La cuisinière et le mangeur d’homme” (A cozinheira e o devorador de homens), lançado em 1975, Glucksmann destacou que “o marxismo não produz apenas paradoxos científicos, mas também campos campos de concentração”, uma afirmação que caiu como uma bomba entre os intelectuais franceses, muito influenciados pelo marxismo.
Catalogado como um dos “novos filósofos”, ao lado de Bernard-Henri Lévy e Pascal Bruckner, principalmente, não parou de denunciar ao lado dos colegas a ideologia comunista, que na época dominava grande parte do mundo e atraía muitos intelectuais.
“André Glucksmann foi sobretudo o que deu o golpe definitivo à ideologia comunista na França”, recorda Pascal Bruckner.
“Naquela época teve muitos inimigos, detratores, mas suportou bem”.
Bernard-Henri Lévy disse à AFP nesta terça-feira que está “muito abalado” com a morte do pensador, depois de “40 anos de vida intelectual, de combates e de fúria compartilhada”.
“Era o único de meus contemporâneos com o qual tinha o sentimento de compartilhar a mesma preocupação pelo mundo e pelos demais”, completou o filósofo conhecido na França como BHL.
Guerra ao totalitarismo
Do anticomunismo, a luta de Glucksmann seguiu para o combate ao totalitarismo em geral e à defesa dos direitos humanos.
Em 1977 ele conseguiu unir a grande figura da esquerda intelectual francesa, Jean-Paul Sartre, e o filósofo liberal Raymond Aron no Palácio do Eliseu para convencer o então presidente, Valéry Giscard d’Estaing, a atuar a favor dos refugiados vietnamitas.
O filósofo, nascido em 1937, foi considerado por muitos um ‘adepto do atlantismo’ e defendeu a intervenção da Otan contra a Sérvia de Milosevic em 1999, para defender a minoria kosovar.
Também defendeu a intervenção da Aliança Atlântica na Líbia, destinada a acabar com o regime de Muamar Khadafi, e sempre apoiou a causa chechena contra Moscou.
Após a queda do comunismo e o desmembramento da União Soviética, o filósofo seguiu denunciando o autoritarismo do presidente russo Vladimir Putin.
Ele sempre se declarou de esquerda, mas não hesitou em apoiar o conservador Nicolas Sarkozy na eleição presidencial de 2007. Mas a posterior aproximação deste de Putin o levou a tomar distância do político francês.
Em um de seus últimos livros, “Une rage d’enfant” (2006), contou que sempre ficou indignado com as “misérias do mundo” e que isto foi o motor de suas ações.