Gordofobia, racismo, preconceito: há cura para as doenças sociais?

cats“Todo mundo tem o direito de falar o que quiser. Eu, por exemplo, não gosto de mulheres gordas. Elas me incomodam profundamente. Tenho repulsa, rejeição.” A declaração da atriz Betty Faria, que movimentou as redes sociais esta semana, foi só mais um episódio de demonstração pública de intolerância, entre tantos que vêm se acumulando na sociedade brasileira. Casos de preconceito, racismo e xenofobia vêm ganhando contornos assustadores.

Divergências de opinião descambam para a pancadaria verbal. Todo assunto é motivo de torcida, contra ou a favor. Uber versus taxis, motoristas versus ciclistas, mães do parto natural versus mães da cesareana, gordos versus magros, coxinhas versus petralhas. E o certo será sempre o que tiver a mesma opinião, seja ela qual for. Debate, diálogo e convivência com o diferente estão fora de cogitação.

O psiquiatra Arthur Kaufman entende que esse desejo de impor ao outro a sua verdade existe desde o início dos tempos.

— Por que os cristãos fizeram as cruzadas? Para converter os hereges, ou matá-los. Os portugueses aqui também mataram índios porque eles não acreditavam em Deus. Que Deus? Eles tinham Tupã. Essa ideia de que ‘é isso ou aquilo’ não é um fenômeno simples, caso contrário poderia ser curado com alguma medida.

Mas será que há algo que explique tamanha intolerância? Esse tipo de comportamento é apenas um desvio social ou encontra algum respaldo científico? Embrutecemos, todos?

Para o psiquiatra Estevam Vaz, é possível ter uma compreensão psicodinâmica, mais do que uma explicação científica.

— Quase todos nós temos preconceitos, podemos lidar e até termos uma certa autocrítica sobre eles. Outros indivíduos, mais chucros e intolerantes, podem manifestar abertamente seus preconceitos e traduzi-los nos mais variados tipos de agressão e violência, que vão do mero bullying com o coleguinha de classe até o assassinato, conforme temos visto tantas vezes.

O preconceito, por si só, não é suficiente para caracterizar um desvio de conduta. Isso vai depender muito da associação com outros traços de personalidade, que podem levar à manifestação na forma de ações agressivas ou violentas.

O psiquiatra explica que, por exemplo, um cidadão pode ter um leve “preconceito” com tatuagens, ser um daqueles que jamais fariam uma no próprio corpo e acham aflitivo ver pessoas muito jovens, às vezes, com grandes extensões de pele inteiramente tatuadas. Causa “aflição” pensar que nunca mais poderão ter seu corpo restituído à sua forma original.

— Mas este preconceito não impede que o sujeito conviva com pessoas queridas e amadas que têm tatuagens.

Kaufman reforça a hipótese de que, sim, todo mundo tem uma sombra e ela é revelada com intensidade pelas redes sociais. E também acredita que a agressão e a intolerância, muitas vezes, estão à serviço da inveja.

— Na luz, se usa a pólvora para contruir estrada; na sombra, se usa para matar pessoas. Suponha alguém que joga futebol, mas joga mal. E do outro lado tem um cara negro que é um craque. Do que ele vai ser chamado? De macaco. Da mesma forma se é uma pessoa idosa, gorda, judia, gay, manca. Por onde eu vou te pegar para te humilhar? Em te humillhando, eu me sobressaio.

Há, ainda, uma falta de compreensão sobre os limites da liberdade de expressão, que não é um direito ilimitado e deve ser exercido  respeitando a liberdade do outro. É o caso da declaração de Betty Faria. Estevam Vaz garante que não existe um quadro de fobia específica a gordos, do mesmo modo que existe fobia a insetos, à altura ou a ambientes fechados. O caso, portanto, envolve mais um preconceito.

Este sentimento intenso e radical contra o que causa “repulsa” faz ainda mais vítimas quando se trata de questões raciais ou de gênero. Foi o que ocorreu com Maju Coutinho, a moça do tempo do Jornal Nacional, vítima de ataques violentos nas redes sociais, e com Maria das Dores Martins, 20 anos, a jovem negra que postou uma imagem abraçada ao namorado branco, Leandro Freitas, 18. Os discursos de ódio e racismo foram brutais. Na época, o casal declarou que iria lutar por justiça para tentar impedir que situações semelhantes se repetissem.

— Se a gente não correr atrás dos nossos direitos, eles [agressores] podem fazer o mesmo com outras pessoas, não só com a gente. Todo mundo que sofre algum tipo de preconceito, seja qual for, tem que correr atrás e procurar seus direitos. Não pode deixar impune.

Para o psiquiatra Artur Kaufman, punir os culpados pelos ataques de intolerância é a única forma de barrar esse tipo de comportamento.

— Tem de achar os culpados pelos ataques, processar e colocar na cadeia. O que aconteceu com a cinegrafista húngara, que chutou os imigrantes sírios, por exemplo. Ela se desculpou, mas, ainda assim, tem de pagar pelo que fez. Só com punição à altura daquilo que foi feito pode resolver.

 

Fonte: R7

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *