Em quatro dias, 23 crianças se afogam em travessias rumo à Europa
A imagem do menino sírio Alan Kurdi, de 3 anos, morto em uma praia turca, tornou-se um símbolo da atual crise de imigração, mas seu caso está longe de ser uma exceção.
Apenas nos últimos quatro dias, ao menos outras 23 crianças morreram afogadas em travessias marítimas para a Europa, enquanto suas famílias tentavam escapar de conflitos e da pobreza.
Quatro estavam em uma embarcação de madeira que afundou nesta terça-feira (15) no mar Egeu, na costa da Turquia, a apenas 2,5 km da praia onde o corpo de Alan foi encontrado há duas semanas.
Segundo o governador da Província de Mugla, Amir Cicek, 271 pessoas estavam em um barco com capacidade para até 60 ocupantes. Ao todo, 249 foram resgatadas e 22 se afogaram.
No último domingo, 15 crianças, entre elas quatro bebês, morreram depois de um barco de madeira afundar próximo à ilha de Farmakonissi, na Grécia. O naufrágio deixou outras 19 vítimas, e cem pessoas foram resgatadas.
Um dia antes, no sábado, quatro crianças se afogaram depois de um barco naufragar próximo à ilha grega de Samos.
O próprio Alan não era a única criança do naufrágio que tirou sua vida. Seu irmão, Ghalib, de 5 anos, e mais três crianças estavam entre as vítimas.
‘Não pude fazer nada’
O iraquiano Jay foi um dos sobreviventes do naufrágio de domingo passado. Os ocupantes da embarcação que naufragou teriam pago entre 1.250 euros e 1,5 mil euros (entre R$ 5,4 mil e R$ 6,5 mil na cotação atual) por um lugar no barco de madeira.
Jay disse ter conseguido ajudar alguns de seus ocupantes, mas sente-se culpado por aqueles que sucumbiram às ondas.
“Vi crianças morrendo, mulheres morrendo, e não pude fazer nada”, afirmou à BBC.
Segundo Jay, os traficantes de pessoas sírios que conduziam a embarcação a afundaram de propósito, a golpes de martelo, para chamar a atenção de militares da ilha grega próxima.
Em entrevista à agência Associated Press, o imigrante sírio Mohamed Sheik, de 38 anos, contou ter cruzado o mar Egeu com sua família e visto metade dos integrantes de uma família se afogar.
“Crianças estão morrendo. Todos os dias, 20 a 30 pessoas se afogam no mar”, disse.
Ele pede que autoridades europeias encontrem maneiras de dar algum porto seguro aos refugiados.
“Eles precisam pôr fim (às mortes). Isso é o mais importante.”
Fronteiras fechadas
A União Europeia vem lidando com um grande fluxo de imigrantes, muitos deles fugindo de conflitos e da pobreza em seus países. Na Síria, onde está em curso uma guerra civil há mais de quatro anos, o total de refugiados já ultrapassou os 4 milhões, segundo a Acnur (Agência da ONU para Refugiados).
Um dos destinos mais procurados pelos refugiados, a Alemanha anunciou estar aplicando medidas de controle temporário em sua fronteira com a Áustria para lidar com o fluxo de imigrantes. Viagens de trem entre os dois países chegaram a ser suspensas por doze horas.
Segundo o governo, o país está “no limite de sua capacidade”. A Alemanha espera que 800 mil imigrantes cheguem a seu território neste ano.
O ministro do Interior, Thomas de Maiziere, disse que os refugiados “não podem escolher” em que país ficarão e pediu que outras nações da UE colaborem mais nesta crise migratória – a mais grave na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
O governo da Hungria também fechou sua fronteira com a Sérvia, com uma cerca de arame farpado, para impedir que imigrantes entrem na UE. Centenas de migrantes ficaram retidos no local.
Sob novas leis foram aprovadas com esse objetivo, a Hungria determinou que seja rejeitado qualquer refugiado que busque ajuda em sua divisa com a Sérvia.
A polícia do país bloqueou a linha de trem que cruzava a fronteira e foi usada por dezenas de milhares de imigrantes para entrar no país.
O ministro de Relações Exteriores húngaro, Peter Szijjarto, indicou que o país considera construir uma outra cerca, na fronteira com a Romênia.
Busca por consenso
Por sua vez, a rainha Rania, da Jordânia, pediu que os líderes europeus persigam uma política “holística e coesa” para lidar com a crise.
Em entrevista à emissora Sky News, a rainha disse que a chegada de 1,4 milhão de sírios – 630 mil registrados como refugiados – ao país provocou “enorme tensão” na economia da Jordânia.
“Isso é o equivalente a 20% de nossa população e tem afetado nossos serviços públicos, nossa infraestrutura e sobrecarregado nossa capacidade de lidar com a questão”, disse ela.
“O ideal seria a busca por um consenso na Europa sobre como lidar com os refugiados. Isso encorajaria outras nações do mundo a se tornar parte da solução em vez de testemunharem silenciosamente o que está acontecendo.”