Redução da maioridade penal pode abrir espaço para jovem beber, dirigir ou fazer filme de sexo

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Poucos temas têm despertado tanta polêmica no debate nacional quanto a PEC 171, que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes hediondos. Além de toda a controvérsia a respeito dos benefícios e malefícios da medida, começa a tomar corpo no meio jurídico uma discussão mais profunda e que promete ampliar ainda mais o debate. Afinal de contas, ao reduzir a maioridade penal, reduz-se também a maioridade civil? Jovens de 16 anos que poderiam responder por crimes como adultos teriam os mesmos direitos que pessoas adultas ao consumir álcool, dirigir ou participar, por exemplo, de filmes pornográficos?

Pela letra fria da lei, não. Responsabilidades civis e penais são absolutamente distintas, afirmam os juristas ouvidos por ISTOÉ. No entanto, dizem esses mesmos juristas, a mudança na Constituição pode abrir brechas para novas interpretações jurídicas que poderiam, sim, ter impacto direto nas responsabilidades civis. “Por coerência, o jovem de 16 anos pode ser tratado da mesma forma que um adulto para outras instâncias além da proposta pela PEC 171”, diz Helena Lobo da Costa, do escritório CAZ Advogados. “É preciso entender que, pela legislação, isso não poderia acontecer, mas por uma interpretação da Constituição, sim”.

O tema, controverso por natureza, vem dividindo a opinião de juristas e legisladores. O deputado federal Laerte Bessa (PR-DF), relator da PEC 171, não acredita que possa haver qualquer tipo de interferência nas questões civis por causa da redução da maioridade penal. “A lei vai atingir o autor do crime, não a vítima”, diz ele, que defende uma redução linear na maioridade penal. “Para mim, deveria reduzir tudo para 16 anos e os hediondos, para 14, mas vamos aceitar essa proposta para facilitar a aprovação”, afirma o parlamentar.

Na visão do vice-diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), o advogado Renato Silveira, se, de fato, houver uma redução linear na maioridade penal, restariam poucas dúvidas a respeito de uma redução da idade para as responsabilidades civis. “Mas, como está a PEC hoje, acho que abre espaço para uma discussão, um debate. O fato de a redução ser apenas para alguns crimes vai criar muita polêmica, tanto na questão civil como na penal”, diz ele.

O tema foi levantado recentemente pelo advogado e professor da USP Pierpaolo Bottini em uma entrevista ao site Consultor Jurídico. Para Bottini, com as mudanças na Constituição propostas pela PEC, as infrações penais e administrativas elencadas no Título VII do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deixariam de ser imputáveis a quem as cometesse contra maiores de 16 anos. Isso incluiria, de acordo com a matéria publicada no site do Consultor Jurídico, a produção e venda de pornografia (artigos 240 a 241-E do ECA), a venda de bebidas (artigo 243) , promover o envio de adolescente ao exterior para obter lucro (artigo 239), fornecer arma ou fogos de artifício (artigos 242 e 244) ou hospedar adolescentes em motel (artigo 250).

Essa também é a visão do diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Oscar Vilhena Vieira. Para ele, a PEC é inconstitucional e cria uma série de problemas de ordem jurídica. “Na medida em que você reduz a maioridade penal, você não reduz apenas um dispositivo do ECA a partir do qual a pessoa pode ou não ser condenada”, diz ele. “O impacto é muito maior. Você retira o jovem de todo o sistema de proteção”.

Também professor da Escola de Direito da FGV, Luciano Godoy não acredita que haverá mudanças imediatas. “Se propõe mudar a Constituição, e não o Código Civil, esse não mudará”, afirma o professor. Godoy, no entanto, acredita que a redução da maioridade penal vai, sim, abrir espaço para a redução de outras maioridades, como a do voto obrigatório e do Código de Trânsito. “Mas são duas discussões distintas”.

O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antonio Carlos Malheiros, vê incoerência em reduzir a idade para que um jovem seja imputado criminalmente sem lhe conceder os direitos ligados à maioridade. “Pode-se abrir uma discussão ampla nesse sentido. Abre a possibilidade, inclusive, de uma mudança no ECA”, diz ele, que considera o texto atual da PEC 171 como algo “absolutamente danoso”.

A PEC 171 ainda vai ser votada no Plenário da Câmara. A apreciação está marcada para o dia 30 de junho. Ela precisa ser aprovada em dois turnos. Depois, o texto segue para o Senado e, se não houver mudanças, retorna para a Câmara, que a envia para a sanção da Presidência da República, que pode vetar ou não o texto ou parte dele.

 

Fonte: UOL

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