O texto, que tramita no Senado desde 2012, estava incluído na ordem do dia desta terça-feira, mas a discussão foi adiada devido à sabatina do promotor Luiz Fachin para o Supremo. O assunto, que é praticamente invisível para o mundo político, entrou na pauta de maneira breve, em todo caso, quando o candidato a ministro do Supremo foi questionado pela senadora Ana Amélia (PP-RS) sobre a sua posição para o tema, assim como para o aberto. “Defendo a vida em sua dignidade e sou contra qualquer forma de interrupção que venha ocasionar um atentado à vida, seja no início ou no fim dela”, respondeu Fachin.
Esse é mais um dos assuntos nos quais o Brasil figura na rabeira da discussão na América Latina. No Uruguai, um dos únicos países da região que permite a eutanásia, o Código Penal (de 1934), declara o ato como “homicídio piedoso”. Além disso, “exoneram de castigo” os sujeitos com “bom antecedente ou pessoas honradas”, cabendo ao juiz decidir sobre que são os bons antecedentes e a honra.
Embora proibidos em outros países vizinhos, a discussão lá fora tem ocupado maior espaço. Na Colômbia, a prática é reconhecida no Código Penal como “homicídio por piedade” e estabelece que quem matar o outro por piedade para por fim a uma intensa dor, terá uma pena menor, de seis meses a três anos de prisão. O tema voltou ao debate naquele país em 1997, quando a Corte Constitucional aprovou uma sentença que declara que a eutanásia voluntária, com consentimento do paciente em estado terminal e justificada por um médico pode ser pratica sem penalização alguma. O processo de modificação do Código Penal colombiano está em curso desde 2012 para que esse último acordo seja incluído.
No México também existem propostas de modificação do Código Penal que buscam legalizar a prática da eutanásia no país. Por outro lado, a Argentina, assim como o Brasil, criminaliza a prática da eutanásia não se referindo ao método propriamente dito, mas ao homicídio de maneira geral. No Chile, recentemente os holofotes se voltaram para essa questão quando a garota Valentina Maureira de 14 anos, vítima de fibrose cística, publicou um vídeo pedindo ajuda à presidenta Michelle Bachelet para “tomar uma injeção para dormir para sempre”.
O silêncio sobre a morte
No início deste ano, uma decisão inédita da Justiça brasileira foi divulgada: O direito que a advogada Rosana Chiavassa, de 54 anos, conquistou de ter uma “morte digna”. Ela recebeu uma chancela judicial que assegura que não precisará passar por nenhum tratamento desnecessário caso desenvolva alguma doença irreversível que comprometa sua capacidade física e sua consciência. Nas palavras da medicina, poderá ser aplicada à advogada a ortotanásia. Ou seja, ela não ficará entubada, ligada a aparelhos que a mantenha viva de maneira artificial e nem receberá intervenções se for diagnosticada com uma doença sem cura.
A ortotanásia é diferente da eutanásia. Enquanto a primeira trata de uma morte natural, em que o paciente muitas vezes vai para a casa ou até mesmo para um hospital de cuidados paliativos para morrer com menos intervenções, a eutanásia consiste em desligar os aparelhos que mantêm alguém vivo, ou mesmo injetar uma medicação sabendo que ele não voltará mais.
“Tomei essa decisão pela minha experiência profissional”, contou ela, que é especializada na área da saúde. “Tenho três filhos e não quero deixar esse ônus para eles. As pessoas não levam em conta que [internações desnecessárias em casos de doenças terminais] custará dinheiro, tempo e vai gerar problemas”, diz. Ela é mãe de três filhos e contou que conversou com eles antes de tomar essa decisão. “O problema é que ninguém quer pensar na morte. As pessoas acham que são infinitas”, diz. “Esse apego à vida é assustador”.
Chiavassa parte do pressuposto que um paciente idoso, doente e em estágio terminal pode não ter mais plena consciência para reivindicar esse desejo. Por isso, deixou registrado na Justiça que não quer passar por medidas de intervenção. Após a sua decisão se tornar pública, em janeiro deste ano, Chiavassa conta que três clientes pediram sua assessoria para fazerem o mesmo.
Em 2013 talvez tenha sido a primeira vez que a eutanásia tenha entrado na pauta da imprensa brasileira. A médica Virgínia Helena de Souza, que chefiava a UTI do Hospital Evangélico de Curitiba, foi acusada de praticar esse crime com diversos pacientes. Segundo a acusação, Souza reduzia o nível de oxigênio dos aparelhos respiradores e aplicava anestésicos para provocar a morte dos pacientes. A Polícia Científica do Paraná afirmou que entre 2006 e 2013, mais de 300 pacientes da UTI morreram no mesmo dia em que receberam medicações da médica. Além dela, outros sete profissionais foram acusados de envolvimento nos crimes.
Naquele ano, Souza ficou 29 dias detida. Hoje, responde ao processo em liberdade. Seu advogado, Elias Mattar Assad diz que ela “praticou atos tipicamente de medicina intensiva”. “Ela me disse que tudo o que ela fez tem respaldo na literatura médica”, disse o advogado. “Ela não violou nenhuma regra de medicina intensiva”. De acordo com o advogado, a denúncia ocorreu de “pessoas que estavam inconformadas com a morte do paciente”. Desde aquele ano o processo tramita na Justiça. Se for provada a acusação da médica, ela será julgada por um júri popular.
De acordo com Roberto Baptista Dias da Silva, advogado especialista em biodireito e interpretação constitucional, como o crime de eutanásia ainda não está claramente previsto da legislação, há diversas brechas que se abrem para diferentes interpretações na hora de julgar algo assim. “Segundo a lei em vigor, esse tipo de homicídio é crime, mas poderá configurar homicídio privilegiado, o que permite a redução da pena quando o autor é impelido por motivo de relevante valor social ou moral”, diz ele. “Esse é o caso de um homicídio eutanásico, já que você o praticou para evitar o sofrimento de uma outra pessoa”, explica.
Segundo Silva, as diversas interpretações, tanto das normas vigentes, quanto da Constituição, tornam confuso o debate. “A Constituição fala de um direito de viver e não de um dever de viver”, diz. Ele defende que a morte deve ser debatida não como algo a ser evitado, mas como um direito a ser perseguido em certas circunstâncias. A questão, para ele, é saber se existe um direito constitucional à morte. “O direito à vida já existe. Mas e o direito à morte?”, questiona.