Bin Laden nunca mais: cartórios vetam nomes de tiranos
Já pensou em conhecer um bebê chamado Xismen ou Bin Laden? Pois há pais que tentaram registrar esses nomes em cartórios brasileiros, mas foram impedidos pelos oficiais de registro. A atitude dos cartórios tem base na lei nº 6.015, de 1973, que, no artigo 55, parágrafo único, diz que “os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores”.
“Quando o nome pode causar situação vexatória, humilhante ou algum tipo de prejuízo no futuro, como é o caso de nome de tiranos, deve-se negar o registro”, afirma o advogado Nelson Sussumu Shikicima, presidente da Comissão de Direito da Família e Sucessões da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Seção de São Paulo.
O oficial responsável pelo cartório de registros do primeiro subdistrito de Sorocaba (SP), Sebastião Santos da Silva, conta que não é incomum vivenciar situações nas quais se vê obrigado a rejeitar um nome.
Além de Xismen (uma referência a X-Men, equipe de super-heróis de histórias em quadrinhos), seu cartório já recusou Êxodo, Alucard (Drácula, ao contrário), Gesptsfl e Corinthians. “Quando aparecem casos assim, explicamos que a lei não permite. Ela vai sofrer ‘bullying no futuro”, fala Silva.
Segundo Raquel Silva Cunha Brunetto, diretora da Arpen-SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo) e oficial de registro em Ribeirão Pires, se os pais querem chamar a criança de forma incomum, faz parte da função dos oficiais do cartório indagá-los sobre a origem e o significado do nome. Se os motivos forem razoáveis e o nome não der margem a constrangimento no futuro, não há por que negar.
O que, às vezes, acaba complicando um pouco os processos de registro é que não há regras que definam quais prenomes serão aprovados ou não.
“A análise é subjetiva. É o oficial quem entende se o nome expõe ou não ao ridículo. O critério que uso é imaginar uma professora chamando um aluno no primeiro dia de aula. Se eu pensar que os colegas poderão rir, é um nome que fará a criança sofrer”, afirma Allan Guerra, diretor da Anoreg-BR (Associação dos Notários e Registradores do Brasil), presidente da Anoreg-DF e oficial de registro civil em Brazlândia, no Distrito Federal. Guerra já rejeitou nomes como Wenus, Doutor e Bin Laden.
Segunda chance
Os pais que não se conformarem com a negativa do registro podem contestar a decisão na Justiça. O oficial de registro tem a obrigação de submeter o caso por escrito a um juiz, sem qualquer cobrança de taxa. E muitos insistem. “Quando recusei Gesptsfl, o pai quis ir em frente, mas o juiz também não concordou. Em 99% dos casos, o pedido é recusado, fala Silva.
Segundo ele, apenas um de seus nomes barrados foi aceito depois: Dhayanny. “Para mim, a forma como o nome é escrito pode expor ao ridículo.”
Já Rilary, por exemplo, foi um nome aprovado no cartório de Sorocaba. Segundo Raquel, é comum encontrar pais que queiram grafias diferentes. Diante dessas situações, os oficiais orientam os pais, explicando que a forma de escrever o nome não é a mais usual e que poderá criar problemas mais tarde. Caso o responsável não mude de ideia, faz-se o registro, mas com uma observação de que a grafia estranha foi insistência do pai.
“Se não fizermos isso, vão dizer que o cartório errou. Já registrei Alcsandro, por exemplo, porque o pai quis e depois ouvimos reclamações. Por esse motivo, recusamos Piedro. Se houvesse sido feito o registro diretamente no cartório, teríamos aprovado com a observação. Como foi feito no hospital e o sistema usado lá não permitia a ressalva, recusamos para não ter problemas depois”, afirma Silva.
Com uma boa justificativa, é possível que o juiz aceite o nome. Raquel conta que isso aconteceu com Titilolá, que foi recusado pelo oficial de registro, mas aprovado pelo juiz. Os pais, que eram descendentes de africanos, explicaram que a palavra vinha da língua iorubá e que “Titi” significava “continuamente” e “lolá”, “honorável. “Se o significado é nobre e tem relação com a origem, em respeito à tradição e à crença da família, deve ser aceito”, fala Raquel.
E se mudar de ideia?
Guerra já passou pela situação de registrar uma criança e, dois dias depois, ser procurado pela mãe e pela avó exigindo a alteração, pois o pai havia escolhido o nome de uma amante. Nesse caso, depois de registrado, os pais não podem mais alterar fazer alterações. “Para conseguir alterar o nome, só abrindo processo judicial”, afirma.
Há, no entanto, a possibilidade de a própria pessoa trocar de nome ao completar 18 anos, mesmo que ele não seja humilhante. “Pela lei 6.015, se você não gosta da forma como se chama, pode alterá-la no próprio cartório dos 18 aos 19 anos”, afirma o advogado Nelson Sussumu Shikicima.
Segundo ele, após os 19, a pessoa só conseguirá realizar a mudança se o nome for vexatório e deverá fazer isso acionando a Justiça. “Como muitas pessoas tentam a alteração por estarem com o nome sujo, os cartórios têm muito cuidado, pedindo certidões negativas, por exemplo”, afirma.
Para garantir que o bebê tenha um nome que não lhe cause problemas, os oficiais de registros recomendam, além de bom senso, dar atenção também ao sobrenome. “Se o prenome for comum, como José ou Maria, coloque mais de um sobrenome ou um nome composto. Isso evita que, no futuro, ele tenha de comprovar que não é outra pessoa”, diz Raquel. E o sobrenome pode ser de qualquer ascendente da família, e não apenas os do pai ou da mãe.
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