Eletricista volta de viagem a trabalho e descobre que fora dado como morto

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É com a voz calma que o morador de Bangu Israel Leite da Silva, de 48 anos, atesta: “Agora eu sou defunto” — e segue o papo sobre a inacreditável história do equívoco de sua morte. Em janeiro, o eletricista estava trabalhando havia dois meses num hotel de Angra dos Reis, na Costa Verde, quando sua ex-mulher reconheceu o corpo de um homem brutalmente assassinado, com dez tiros no rosto, como sendo de Israel, que acabou sendo declarado oficialmente como morto. Há quatro dias, no entanto, ele voltou às ruas do bairro em que morava, sem saber de nada, para espanto da família, amigos e vizinhos.

— Morri em janeiro e descobri agora — diz.

Toda a confusão começou quando um cadáver desfigurado apareceu perto da casa de Israel. Os vizinhos acharam o corpo parecido com o do eletricista, e a ex-mulher foi chamada para reconhecê-lo no Instituto Médico Legal. Lá, afirmou que aquele era Israel, o homem com quem viveu por 17 anos e teve quatro filhos (dois pares de gêmeos).

Curioso ainda é que essa não é a primeira vez que a morte ronda Israel. Em 1987, uma fatalidade o deixou com sequelas físicas. Naquele ano, o eletricista perdeu um dedo da mão direita após tomar um choque numa rede de alta tensão e despencar de um poste de 17 metros de altura.

— Como é que ela (a ex-mulher, ao reconhecer o corpo) não viu a mão? Não é possível que o morto também tivesse um dedo a menos — disse, irritado por ela tê-lo confundindo com outro homem.

Logo após o enterro do homem identificado como Israel, no Cemitério do Murundu, em Realengo, a ex-mulher, segundo o relato de vizinhos, vendeu os móveis do eletricista e deixou a casa com as crianças. Israel não sabe dela. Imagina que esteja no Paraná ou no Recife. A suspeita do eletricista é que ela tenha ficado assustada com a morte brutal daquele que seria seu ex e resolveu sumir. Antes, segundo Israel, ela teria recebido R$ 25 mil do seguro de vida dele.

— Eu ligava toda semana para falar com os meus filhos. Em janeiro, não consegui mais falar e fiquei preocupado. Acho que eles fugiram com medo.

A vida ficou mais dura para Israel após descobrir que, oficialmente, está morto. No hotel onde trabalhava, em Angra, ele não precisava usar o banco. Fazia as refeições no local de trabalho e recebia parte do salário em dinheiro. Por isso, não sabia que sua conta bancária estava bloqueada. A descoberta só se deu quando espantou a vizinhança ao surgir perto da casa onde morava.

— Até hoje tem gente com medo no bairro — conta uma amiga de Israel, Maria das Dores da Silva, de 77 anos.

A advogada Maria de Fátima Caldas diz que o caso de Israel é de Justiça. Ele precisará buscar um defensor público e entrar com um processo para provar que está vivo. Enquanto isso, o eletricista mora dentro do carro de um antigo vizinho. E ainda acumula dívidas do tempo de defunto:

— Ele me deve R$ 1.200 pelos meses em que estava morto. Já que ele está vivo, tem que pagar — conta Hélio Costa, dono da quitinete em que Israel morava antes de partir para Angra dos Reis.

— Morrer está me dando um trabalho que você nem imagina — resume Israel, triste, porém vivo.

Depoimento do eletricista Israel Leite da Silva, de 48 anos

“Por onde eu passo, é uma comoção. O pessoal fica: ‘Ó o defunto! Ó o defunto’. Agora o povo só me chama de defunto mesmo. A dona Dora fez até missa. Dizem que meu enterro ficou lotado. A gente fica até feliz por ser querido, né? Mas tem alguém lá que não sou eu. Não faço ideia de quem seja. Eu nunca fiz nada errado para morrer com dez tiros. Já fui eletricista da Light. Trabalhei lá 28 anos. Eu não sou melhor do que ninguém, não, mas de eletricidade eu entendo. Agora só tenho medo dessa história me prejudicar. Quem vai querer um cara que morreu mexendo em casa? E ainda tenho que resolver minha vida. Estou com um dinheirão bloqueado para o banco. Todo mês eu deixava R$ 1 mil no banco de pensão para os meus filhos em uma conta conjunta com a ex e esse dinheiro está bloqueado agora”.

EXTRA

 

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