Acidente de trabalho com material biológico chega a 61% de casos em AL
As exigências por parte de quem usa serviços de saúde têm aumentado: os pacientes parecem estar bastante atentos quanto aos procedimentos adotados durante o atendimento. No entanto, será que nesse momento os profissionais de saúde também têm redobrado a atenção com a sua segurança? Dados da Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau/AL) apontam que não e mostram que acidentes de trabalho com exposição a material biológico representaram 61% dos agravos notificados no ano passado.
Diante do elevado índice, a superintendente de Vigilância em Saúde da Sesau, Cristina Rocha, alerta sobre medidas para reduzir esses acidentes, que acontecem a partir da exposição a sangue ou secreções por meio da pele, das mucosas (olhos, boca e nariz) ou de lesão perfurocortante com agulhas, instrumental cirúrgico e vidros contendo secreções. “Podemos reduzir essas ocorrências por meio da adoção de medidas de biossegurança, de mudanças no comportamento do profissional e de organização no ambiente de trabalho”, listou.
Uma das medidas adotadas é a melhoria da notificação desses acidentes, o que garante a qualidade da informação da saúde em Alagoas, conforme ressaltou a superintendente da Sesau. Isso porque os acidentes com material biológico estão na Lista Nacional de Notificação Compulsória do Ministério da Saúde (MS), o que representa a necessidade de comunicação da ocorrência desses casos, visando à adoção das medidas de controle pertinentes pelas autoridades sanitárias.
“Estamos, sim, diante de um dado negativo, mas o papel da Vigilância em Saúde é olhar para os indicadores e traçar ações para a mudança efetiva”, acrescentou Cristina Rocha. Ela lembrou que, de acordo com a portaria do MS, a notificação deve ser realizada em até 24 horas. No entanto, os cuidados nesses casos devem ser imediatos, pois há riscos de transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV), hepatite B e hepatite C, entre outros 20 tipos de patógenos diferentes.
“Sempre consideramos a possibilidade de esses fluidos estarem potencialmente contaminados, principalmente pelos vírus da hepatite B e C e do HIV”, atentou o infectologista Gilberto Salustiano, médico do Hospital Escola Helvio Auto (HEHA), referência estadual no atendimento a acidentes com exposição a material biológico. Segundo ele, esses casos são considerados de emergência médica, devendo o profissional procurar atendimento, no menor tempo possível, já que são necessárias medidas pós-exposição.
De acordo com o infectologista, no momento em que o profissional de saúde for exposto a material biológico de um paciente, é necessário realizar a coleta do sangue desse paciente-fonte e levar para o HEHA, onde serão realizados os testes. Em se tratando de hepatite B, a vacinação antes da exposição é a principal medida de prevenção. Já após o acidente, existe maior eficácia na profilaxia quando a imunoglobulina é utilizada dentro das primeiras 24 a 48 horas após o ocorrido.
Quanto ao risco de infecção pelo vírus da hepatite C, a única medida eficaz é por meio da prevenção do acidente. Logo, se o teste der positivo, é necessário iniciar o tratamento. No caso de resultado positivo para HIV, o profissional exposto ao material biológico deve iniciar a profilaxia para o HIV, conforme orientou o infectologista Gilberto Salustiano.
Casos de acidente
“Graças a Deus os testes deram negativo para quaisquer patologias, mas é preciso ficar atento porque o risco sempre vai existir”, contou o interno de Medicina Juarez Vasconcelos, que foi exposto ao sangue do paciente ao realizar o procedimento de sutura, durante o estágio. “O paciente estava agitado e a agulha que estava passando pelo coro cabeludo dele, passou também pelo meu dedo”, lembrou o doutorando, que fez a coleta de sangue do paciente-fonte e levou para o HEHA.
O caso do doutorando é mais um registrado nas estatísticas levantadas pela Sesau, no período de 2007 a 2014, que apontam 15,2% dos casos notificados de exposição a material biológico envolvendo apenas os estudantes. No topo da lista estão os técnicos de enfermagem, com 26,8% dos acidentes registrados. Os auxiliares de enfermagem estão na terceira colocação, com 14,4% de notificações.
Para o presidente do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem de Alagoas (Sateal), Mário Jorge dos Santos Filho, a causa dos acidentes está associada à sobrecarga de trabalho, principalmente nas unidades particulares. “A quantidade de pacientes para o número de profissional chega, às vezes, a 38 para um”, exemplificou. Segundo o presidente da Sateal, o excesso de trabalho aumenta também a incidência de outras patologias, como a tendinite.
Principais circunstâncias
Ainda na série histórica entre 2007 e 2014 os dados mostram que foram registrados 5.239 casos de exposição a material biológico, sendo a maioria deles durante a administração de medicamentos, que totaliza 845 registros nesse período.
A Unidade de Referência do Estado já atendeu 103 casos de acidentes com material biológico no período de 1º de janeiro a 19 de março de 2015. Em relação a 2014, quando o HEHA atendeu 490 casos, o percentual registrado no primeiro trimestre deste ano representa 21% do total atendido no ano passado. Se a média de registro permanecer estável, até o fim do ano a unidade terá uma média de casos registrados similar à de 2014.
Chama a atenção também o número de acidentes que acontecem em procedimentos cirúrgicos, odontológicos e laboratoriais, que somam 721 casos, nesses últimos oito anos. Ainda na série histórica de 2007 a 2014, os dados da Sesau mostram que foram registrados 1.029 acidentes com material biológico que tiveram como circunstância o descarte inadequado de lixo (558) e o descarte inadequado no chão (471).
Descarte inadequado: o perigo que vem do lixo
A infectologista Rute Duarte, do HEHA, alerta que outra situação em que ocorrem os acidentes com exposição a material biológico e perfurocortantes envolvem os profissionais que desempenham atividades na rede de limpeza. Trabalhadores que atuam como serviços gerais, garis e catadores de lixo informais são alguns exemplos.
Funcionário da Prefeitura de Maceió, o gari Hudson Moreira sabe dos riscos no dia a dia de trabalho. Por isso, utiliza luvas e botas como Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). “Acho que o perigo da seringa no lixo, por exemplo, não é só para os garis, mas também para os adultos e crianças que acham esse material e o utilizam muitas vezes em brincadeiras, o que é uma irresponsabilidade”, esclareceu. Ele disse ainda que encontra, com frequência, objetos cortantes durante a coleta de lixo.
Diante das notificações da Sesau, que mostram um percentual de 8,6% de acidentes envolvendo trabalhadores de serviços gerais e 3,6% com garis, no período de 2007 a 2014, a infectologista falou sobre os cuidados com outra patologia: o tétano. Nesse caso, o tratamento será focado na cicatrização da ferida por onde entraram os esporos da bactéria e no uso de medicamentos para tratar os sintomas.
“No momento do acidente, os pacientes apenas estão preocupados com a emergência e em saber se contraíram ou não o HIV”, informou a infectologista. No entanto, a médica Rute Duarte falou da importância de um acompanhamento, visto que existem situações em que o teste do paciente-fonte dá negativo porque ele está no período de janela imunológica. “O acidentado pode ter alguma das doenças, embora o exame não tenha dado positivo, e por isso é importante o acompanhamento”, complementou.
Por outro lado, esse acompanhamento tem apresentado um alto índice de abandono: uma média de 43,1%, no período de 2007 a 2014. Isso porque, dependendo da situação, esse seguimento pode durar até um ano. “Os exames se repetem em 30 dias, três meses, seis meses e um ano. Por esse processo ser demorado, muitos desistem e abandonam o tratamento”, concluiu a infectologista.
Pressa, insegurança e desatenção são os principais motivos dos acidentes que envolvem estudantes
Ao preencher a ficha de notificação do acidente com material biológico ou perfurocortante, os estudantes relatam que a pressa, a insegurança e a desatenção são as principais causas da exposição aos fluidos. Diante desses casos, o médico veterinário, professor Andreey Almeida, presidente da Comissão de Biossegurança do Centro Universitário Cesmac alerta: “Não é preciso pressa quando se trata da saúde”. Segundo ele, a orientação tem sido uma das medidas adotadas para reverter os acidentes na instituição.
Conforme Andreey Almeida, a comissão foi criada para trabalhar os aspectos de conscientização junto aos alunos. “A minimização dos riscos é uma preocupação fundamental para que possamos reduzir casos de acidentes envolvendo alunos e, consequentemente, as pessoas que se servem dessas atividades ofertadas pela instituição”, explicou. Ainda para ele, o registro da ocorrência leva a uma estatística que possibilita o monitoramento de acordo com a situação notificada.
“É preciso saber utilizar e zelar pelos EPIs e ainda estabelecer medidas preventivas para reduzir a exposição a alguns fatores, diminuindo ainda mais os riscos de acidentes registrados quando o graduando se tornar profissional”, acrescentou. Isso porque, segundo o professor, é nesse momento que o estudante já vai internalizar, na sua prática diária, aqueles ensinamentos passados para ele na graduação.
Medidas preventivas
De acordo com a Norma Regulamentadora 32 (NR 32), que determina sobre a Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde, é proibida a prática de reencapar agulha, referente ao ato de colocar de volta a tampa na agulha. Essa prática é comum na área da saúde, no entanto tem provocado um número crescente de acidentes.
Segundo o presidente da Comissão de Biossegurança do Cesmac, o procedimento correto é, ao utilizar a seringa, acoplá-la numa agulha e aspirar o fluido. Depois de utilizada, descartar o material em recipiente de parede rígida (de papelão ou plástico), para não existir mais risco de acidente, ou tornar o risco muito próximo de zero, visto que a caixa pode ainda ser disposta em local inadequado ou ser manuseada erroneamente por pessoa que desconhece sua utilidade.
“Esse é o procedimento para o descarte parcial. Mas a responsabilidade do profissional de saúde continua até que a empresa que vai recolher o material gerado leve-o até o destino correto e entregue o certificado de destinação correta do material, conforme determina a legislação”, concluiu.
As práticas preconizadas pela NR 32 se referem a uso de calça comprida, gorro, jaleco de manga comprida e sapato fechado pelos profissionais de saúde, assim como protetor ocular, quando houver riscos de respingos de substâncias potencialmente perigosas. Também se recomenda o uso de máscaras e luvas adequadas às atividades a serem realizadas.
Agência Brasil