Justiça Federal em Alagoas determina posse definitiva aos Xucurus Kariris
O juiz federal titular da 8ª Vara Federal em Arapiraca, Antônio José de Carvalho Araújo determinou um prazo de seis meses para a União Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai) conceder a posse definitiva da Terra Indígena Xucuru Kariri, com 6.927 hectares, inclusive com a desintrusão dos atuais posseiros da área. O grupo Xucuru Kariri compõe-se, atualmente, de oito comunidades independentes, totalizando mais de três mil índios, em cerca de 600 famílias, no município de Palmeira dos Índios, a 135 km de Maceió. A sentença é de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal.
Antônio Araújo determinou ainda que a Funai faça a conclusão da demarcação física das terras pertencentes aos Xucurus Kariris num prazo de 90 dias, tendo em vista a existência de verba orçamentária, bem como de empresa licitada e levantamento das benfeitorias das terras ocupadas. Após este prazo, a Funai e a União terão que concluir as avaliações de benfeitorias existentes em todos os imóveis incidentes na Terra indígena Xucuru Kariri, nos termos da Portaria do Ministério da Justiça nº 4.033, de 15/12/2010, num prazo de 90 dias.
O juiz federal ordenou à União, à obrigação de destinar verba orçamentária à Funai, em caso de insuficiência, para garantir a continuidade da demarcação física, com pagamento dos recursos necessários, bem como o pagamento das benfeitorias de boa fé existentes as terras ocupadas.
O processo de demarcação teve início no ano de 1988, com a criação de diversos grupos de trabalho pela Funai. Apenas em 2008, a Presidência da Funai aprovou as conclusões, reconhecendo os estudos de identificação e delimitação da Tribo Indígena Xucuru Kariri. Mas, foi somente em 15 de dezembro de 2010, que a União reconheceu a existência da Terra Indígena Xucuru Kariri, por meio da Portaria do Ministério da Justiça nº 4.033/2010, homologando o relatório que fora publicado em 2008, reconhecendo uma área de 6.927 hectares pertencentes a esses povos indígenas. O processo demarcatório de terras indígenas encontra-se regulado na Lei nº 6.001/73 – Estatuto do Índio e no Decreto nº 1.775/96, cujas regras foram declaradas, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), compatíveis com a CF/88.
Na sentença, Antônio Araújo ordena ao Incra e à Funai, na pessoa de seus Superintendentes Regionais em Alagoas, que adotem, em caráter de urgência, as providências cabíveis para o cumprimento do disposto no art. 4° do decreto nº 1775/96, que determina: “Verificada a presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, o órgão fundiário federal dará prioridade ao respectivo reassentamento, segundo o levantamento efetuado pelo grupo técnico, observada a legislação pertinente”.
Assim, o Incra, como órgão competente, deverá priorizar um processo de reassentamento dos ocupantes não índios, sendo tal fato de extrema importância para minimizar os impactos gerados aos não índios, diz o juiz federal.
Prejuízos e violência
Segundo o juiz federal, Antônio Araújo, a demora na demarcação das terras tradicionais dos índios Xucurus Kariris lhes traz prejuízos irreparáveis, sejam eles culturais, de insegurança alimentar, de violência intertribal, bem como de insegurança social decorrente do conflito de terra com os não índios da região, que se arrasta há mais de três séculos. Sem a terra, os índios enfrentam dificuldades em manter a forma própria de organização social e, com isso, têm dificuldades de passar para as próximas gerações os seus costumes, suas línguas, suas crenças e tradições.
“As dificuldades práticas de sobrevivência encontradas nos espaços territoriais exíguos e insuficientes para a sua reprodução física e cultural têm levado esse grupo étnico a empreender, ao longo dos últimos 30 anos, ocupações forçadas de fazendas vizinhas aos aldeamentos, além de disputas internas ao grupo, com episódios de violência extrema incluindo homicídios”, ressalta o magistrado na sentença.
O juiz federal chama a atenção para outro grande prejuízo enfrentado pelos Xucurus Kariris: o histórico conflito com a comunidade não indígena de Palmeira dos Índios, conflito este que tem cada vez mais se acirrado, em decorrência da insegurança jurídica gerada pela demora do cumprimento dos dispositivos constitucionais. “Prova desse histórico é a gama de ações possessórias em trâmite na 8ª Vara Federal de Arapiraca, todas almejando a evasão dos índios de propriedades rurais localizadas no Município de Palmeira dos Índios”, diz.
Os povos indígenas são os primeiros habitantes do Brasil, devendo ser respeitados em sua plenitude, com a manutenção de sua cultura, tradição e costumes. “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” (Art. 231, CF de 88).
Segundos estudos antropológicos, os índios Xucuru teriam migrado da aldeia Simbres, atual município de Pesqueira, Pernambuco, em 1740, em função da grande seca ocorrida no Nordeste e se estabelecido nas margens do ribeirão da Cafurna, entre as terras da Fazenda Olho d’Água do Acioly e a Serra da Palmeira, enquanto que os Cariris teriam vindo posteriormente da Aldeia do Colégio de São Francisco, atual município de Porto Real do Colégio, da etnia Waconã e se estabelecido na serra do Cariry, onde construíram uma pequena capela no atual sítio chamado Igreja Velha. Os sobreviventes Wakoná ou Aconã da Serra da Cafurna, em Palmeira dos Índios, já em 1938 atribuíram-se o nome Shucuru-Karirí.Em caso de eventual descumprimento dos prazos estabelecidos na sentença, o magistrado fixou multa diária de R$ 2 mil, conforme sentença em anexo.