Um ano depois do início da Lava Jato, a economia sente os efeitos da operação
Na próxima terça-feira 17, o início das operações públicas da Lava Jato completará um ano. Naquela data, a Polícia Federal, com a chancela do juiz paranaense Sérgio Moro, cumpriu 81 mandados de busca e apreensão, 18 mandados de prisão preventiva, dez de prisão temporária e 19 de condução coercitiva. As equipes da PF se espalharam por 17 cidades de seis estados, além do Distrito Federal. As investigações revelaram um esquema bilionário de corrupção na Petrobras, envolvendo ex-diretores, doleiros, políticos e empreiteiras. Além dos denunciados e investigados, a economia também sentiu os efeitos da Lava Jato.
O primeiro e mais óbvio impacto recaiu sobre a Petrobras. Maior estatal brasileira, a petroleira era o centro do esquema. Ex-diretores e gerentes intermediavam a aprovação de projetos e a liberação de pagamentos para fornecedores, mediante uma propina de 3%. O dinheiro seria distribuído entre três partidos da base aliada da presidente Dilma (PT, PMDB e PP), além de enriquecer ilicitamente os envolvidos. Os valores ainda não foram fechados e há grande discordância sobre a cifra, que varia de até R$ 4 bilhões, segundo o Ministério Público, até mais de R$ 80 bilhões, de acordo com o balanço não auditado da própria empresa.
Independentemente do valor, o peso da Petrobras fez com que a economia brasileira fosse contaminada pelo escândalo. O primeiro impacto concreto foi o rebaixamento da nota de risco da estatal pela Moody’s, perdendo o tão celebrado grau de investimento – uma espécie de selo de bom pagador. Para justificar a medida, a agência americana lembrou que as revelações da Lava Jato levaram a Petrobras a não apresentar os números auditados do terceiro trimestre. Também não está claro o tamanho do sobrepreço nos ativos da companhia, o que impede os analistas de determinar seu valor real. Na prática, o corte da nota dificulta o acesso da estatal a capitais para financiar seu dia-a-dia e seus projetos.
Calote
O caixa pressionado pelos subsídios aos combustíveis e o acesso mais difícil ao crédito reforçaram os argumentos da Petrobras para suspender os pagamentos às empreiteiras acusadas de participar do esquema, entre elas a UTC, Queiroz Galvão Engenharia, Camargo Corrêa e OAS – algumas das gigantes brasileiras da construção. Isso alimentou a inadimplência dessas empresas. A OAS, por exemplo, vem atrasando o pagamento de suas dívidas no Brasil e no Exterior e alguns já cogitam sua recuperação judicial. Em meados de janeiro, as agências de classificação de risco cortaram as notas das grandes construtoras nacionais.
O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima que as empreiteiras envolvidas somem R$ 59 bilhões em contratos com a companhia. Executivos do setor calculam que, pelo menos, R$ 20 bilhões em contratos sejam impactados pelas investigações. A interrupção dos pagamentos gera um efeito-dominó em toda a cadeia do petróleo. Estima-se que os estaleiros e as construtoras já demitiram 12 mil pessoas devido à suspensão do repasse de recursos decorrente das investigações.
O Dieese avalia que a cadeia de óleo e gás empregava, em novembro, 85 mil pessoas e respondia por 13% do PIB. Até 2020, com os investimentos para a exploração do pré-sal, a porcentagem subiria para 20%. Agora, o departamento afirma que o nível de emprego do setor cairá e seu peso, sobre a economia, recuará. Já a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) reclama um prejuízo de, pelo menos, R$ 200 milhões, devido à inadimplência das companhias atingidas pela Lava Jato. Como as empreiteiras utilizavam os recursos recebidos da Petrobras para tocar também outras obras, a falta de pagamentos ameaça outros projetos importantes para o País, como a transposição do Rio São Francisco.
Bancos
O Banco Central também anda preocupado com a inadimplência das construtoras. Segundo cálculos do BC, essas empresas possuem cerca de R$ 130 bilhões em dívidas bancárias. Para evitar que um calote prejudique os bancos que financiaram os projetos, o governo estaria estudando medidas para renegociar essas dívidas. Seu argumento é o de que, no limite, o não pagamento acarretaria uma crise sistêmica. Em bom português: poderia quebrar algum banco e gerar pânicos nos clientes de todos os outros, que tentariam sacar suas economias.
Dadas as dimensões do escândalo, é difícil determinar o efeito total da Lava Jato sobre a economia. Em meados de novembro, a consultoria LCA, que foi fundada pelo atual presidente do BNDES, Luciano Coutinho, divulgou um relatório afirmando que a operação da Polícia Federal pode ter um efeito “nada desprezível” sobre o País. Um corte de 10% na previsão de investimentos da Petrobras acarretaria uma redução de 0,5 ponto no PIB em 2015.
Demissões, corte de investimentos, paralisação de obras estratégicas e queda do PIB são usados pelo governo como mote para “punir os culpas e preservar as empresas”, como já insistiu Dilma. O dinheiro movimentado por esquemas de corrupção é classificado, pelos especialistas, como parte da “economia subterrânea”, junto com os recursos do narcotráfico e da venda ilegal de armas, entre outros. A Lava Jato não está apenas investigando as entranhas da Petrobras. Está, também, passando a limpo o quanto o País ainda depende da ilegalidade para sobreviver.
Istoé