Jovem à beira da morte vende tudo no Brasil para pagar tratamento nos EUA
No Carnaval de 2008, enquanto se divertia com amigos em São Luís do Paraitinga (SP), Renato Consonni percebeu que sua vida não iria ser mais uma festa. Pelo menos por algum tempo. Um tumor benigno já havia sido retirado das suas costas, no ano anterior, mas ele não imaginava que a partir de então um pesadelo iria acompanhá-lo por alguns anos.
Pode-se até imaginar a cena. Em uma cidade em pleno frenesi das músicas carnavalescas, naquele clima notívago que mistura suor, balanço e boemia, em meio à brisa abafada do interior, um jovem, então com 27 anos, passa os dias vomitando insistentemente.
Pensou no frenesi da juventude, culpou o ritmo de folião, teve certeza de que a bebida não caíra bem para sua gastrite, um dos diagnósticos detectados após a tal cirurgia.
E retornou para São Paulo, na segunda-feira. Como o mal-estar não passava, foi e voltou do hospital por alguns dias, até que, após exames, foi encontrado um novo, e grande, tumor em uma região delicada, abaixo do umbigo: a raiz mesenterial. Depois, se descobriu que Consonni tinha a chamada síndrome de Gardner, no caso dele algo genético, e não hereditário, que gera tumores no organismo.
O jovem passou a viver de perto algumas questões que assolam atualmente a medicina brasileira: excesso de busca por cirurgias e pouco conhecimento de soluções de vanguarda, que ainda não chegaram ao País.
— O médico no Brasil está muito voltado em geral à realização de cirurgias, porque ganha mais quanto mais faz. Nos Estados Unidos, eles estão vinculados a uma universidade, ou uma instituição, e se tornam especialistas em um tipo de caso. Realizam as cirurgias específicas e têm tempo para estudar e se aprofundar no tema.
Saga dolorosa
Ao saber do tamanho do tumor, o médico, de um hospital de renome em São Paulo, logo sentenciou para o rapaz, diante dos familiares, no quarto: “Sua doença é incompatível com a vida”. E garantiu que o tumor era maligno. Depois, os exames comprovaram que era benigno, como o jovem contou.
— Tecnicamente não tive câncer. Mas minhas dificuldades foram tão grandes ou maiores do que se tivesse.
Foram três anos. Consonni passou por uma saga dolorosa de cirurgias. Teve retirados cinco órgãos, ou parte deles, em função do aumento do tumor: estômago, intestino grosso, pâncreas, duodeno e fígado. Sofreu com inúmeras hepatites, pancreatites, quatro choques sépticos, bacteremia, problemas nos pulmões, entre outros.
Entrou em coma induzido, por cinco dias. Em determinado momento, quando sofria com uma infecção, o médico afirmou que, caso ele não acordasse em 48 horas, seria derrotado pela bactéria. Acordou nos últimos minutos do prazo. Também neste período, ouviu o decreto de que tinha 5% de chance de sobreviver.
Em 2009, ficou metade do ano internado. Passou um ano sem ingerir qualquer tipo de alimento, apenas com a chamada alimentação parenteral, por meio de um cateter. Teve de adaptar um tubo em V no seu estômago, apenas para receber e expelir alimentos, para ter a impressão de que estava comendo. Na verdade, apenas degustava, mas necessitava daquilo.
— Precisava ter a impressão de que comia, senão poderia me matar. Comer é um hábito social e foi horrível vivenciar este período. Tudo poderia ser diferente se no Brasil existissem mais hospitais especializados. Nas eleições, fala-se em construir muitos hospitais, gasta-se milhões com isso. Mas para tratar apenas as doenças comuns.
Ele acredita que em vez de padronizar em todos os projetos um tipo de hospital geral, deveria-se destinar uma parcela para construir unidades especializadas em doenças mais complexas.
— Poderia-se tirar um pouco do investimento em apenas um tipo de hospital e direcionar, por exemplo, para a construção de um hospital voltado a transplantes. E a outras doenças complexas, o que deixaria o país mais preparado para tratar de todos os seus pacientes.
O transplante
Somente em 2011, o jovem descobriu que havia um médico, lá nos Estados Unidos, que fazia o transplante multivisceral que poderia resolver os seus problemas. Ou pelo menos diminuí-los, e muito. Por ironia, era brasileiro: Rodrigo Vianna. Um brasileiro, salvando a vida de outro brasileiro, em terra estrangeira.
Então, apesar de muitos percalços que teria pela frente, a vida de Renato ganhou fôlego. E tudo começou a mudar. Soube que a cirurgia custaria US$ 705 mil, hoje, aproximadamente R$ 2 milhões. A família vendeu uma parte do apartamento que havia sido adaptado para se tornar duplex. Vendeu carro. Pegou empréstimo no banco e entrou em uma situação financeira muito complicada.
Foram sete meses de internação, acompanhado da mãe e com o permanente apoio do pai, da irmã, dos dois irmãos, da mulher (agora ex), dos parentes e dos amigos, que emanavam todo o carinho do mundo para fazer o caçula da família não perder a esperança e nem o sorriso, sempre presente, até nos momentos mais difíceis.
— Logo no início o dr. Rodrigo veio com outro discurso. O de que eu tinha 85% de chance de sobreviver. Pensei: ‘se sobrevivi com 5% de chances, agora, com 85% é que estou mais do que no lucro'”.
Hoje com 33 anos, Renato amadureceu seu bom humor, que lhe é característico. Comunicativo, domina uma contradição: conta sua história tão sinuosa e imprecisa como um intestino delgado, com todos os seus percalços, de maneira precisa, quase perfeita. Pode-se dizer que ele é tão ou mais especialista que o maior dos oncologistas ou gastro. Tem ciência de todos os procedimentos pelos quais passou.
Neste momento, ainda precisa tomar cuidados e seguir certos procedimentos. Precisou fazer cirurgias de reparação, em 2012. Ele não tem intestino grosso, já que não existe este tipo de transplante. Por isso não ingere líquidos em grande quantidade, fermentados, como cerveja. E evita suco de laranja, leite, chocolate e alimentos mais pesados.
— Tudo é questão de parâmetro. Fiquei um ano sem comer nada. Tinha vontade até de salada (risos). Agora, voltei a comer um monte de coisas e, vendo por esse lado, foi uma grande conquista.