MP confirma que houve tortura seguida de morte no Caso Davi

1A Promotoria de Justiça Coletiva Criminal da Capital, após cuidadosa análise do inquérito policial nº 295/2014, entendeu que o adolescente Davi da Silva foi vítima do crime de tortura seguido de morte após abordagem policial realizada no dia 25 de agosto do ano passado, no complexo Benedito Bentes. No entanto, os membros do Ministério Público Estadual de Alagoas declinaram de atribuição por avaliarem que o caso não é de competência do Tribunal do Júri, haja vista que a vítima era menor de idade. Portanto, o MPE/AL solicitou ao atual Juízo, da 5ª Vara Criminal da Capital, que os autos sejam enviados à 14ª Vara Criminal, que possui prerrogativa especial em razão da vulnerabilidade da vítima (adolescente). É ela que deverá se manifestar acerca da responsabilização penal e a prisão preventiva dos policiais militares indiciados.

Em manifestação enviada ao Poder Judiciário nesta sexta-feira (20), os promotores de Justiça Marluce Falcão de Oliveira, Givaldo de Barros Lessa, Mirya Tavares Pinto Cardoso Ferro e Flávio Gomes da Costa Neto discordaram da Polícia Civil com relação ao indiciamento pelo ilícito penal de homicídio. Para eles, o crime praticado foi o de tortura seguida de morte. “Os indiciados Eudecir Gomes de Lima, Carlos Eduardo Ferreira dos Santos, Victor Rafael Martins da Silva e Nayara Silva de Andrade, policiais militares no exercício de suas funções no Batalhão de Radiopatrulha, conscientes e voluntariamente, em comunhão de desígnios, agindo por comissão e omissão, torturaram os adolescentes Raniel Victor Oliveira da Silva e Davi da Silva, para, em seguida, sequestrarem, torturarem e causarem a morte do adolescente Davi, seguindo da ocultação do cadáver”, diz trecho do parecer.

 

Os detalhes do crime

 

“Destarte restar configurado os crimes de tortura policial infligidos aos adolescentes por ocasião da abordagem dos indiciados, com emprego de agressões físicas, verbais e psicológicas, de forma comissiva e omissiva, contrariando orientação legal disposta no art. 178 do Estatuto da Criança e do Adolescente e o disposto na Súmula Vinculante 11 do STF, que veda expressamente as forças policiais de algemarem ou transportarem adolescentes em compartimento fechado de veículo policial e o uso de algemas em condições injustificadas, em condições atentatórias à dignidade, ou que impliquem risco à integridade física e/ou mental, sob pena de responsabilidade penal”, revela outro parágrafo da manifestação ministerial.

“Segundo restou evidenciado na persecução criminal inquisitorial, destarte, não tenha sido possível a realização do exame de corpo de delito, é possível comprovar a materialidade e autoria da tortura sofrida pelas vítimas, por meio das declarações do adolescente Raniel Victor Oliveira da Silva. Torna-se imperioso ressaltamos que a tortura infligida aos adolescentes objetivava suas confissões de serem associados ao tráfico de drogas local, bem como que apontassem o local da suposta “boca de fumo”, alegam ainda os promotores.

E eles, em parecer, continuaram a revelar mais detalhes do que teria acontecido, baseados nos relatos contidos nos autos. “É de fácil constatação, que a vítima Davi da Silva foi sequestrada pelos indiciados, que detinham pela força armada o domínio da situação, sendo arrebatado do local e da visão da população curiosa que a tudo assistia, conforme relatos de testemunhas. Davi da Silva foi algemado e lançando no xadrez da viatura policial da Radiopatrulha, sendo certo que os agentes policiais indiciados pretendiam continuar constrangendo o adolescente longe dos olhares críticos da população, com emprego de violência e grave ameaça, ostentada pelo poder e o aparato policial, objetivando causar-lhe sofrimento físico e mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão de ser o lendário traficante de drogas conhecido como “Neguinho da bicicleta”, obtendo o local de sua suposta “boca de fumo”, o que certamente resultou em sua morte e ocultação de seu cadáver pelos indiciados”, detalhou o MPE/AL.

 

Comparação com o caso “Amarildo de Souza”

Na mesma manifestação, os promotores de Justiça compararam o caso de Davi da Silva com situação semelhante que envolveu o pedreiro Amarildo de Souza, no Rio de Janeiro, em 2013. A denúncia foi recebida e mantida pelo crime de tortura seguida de morte. “Casos como o do Davi da Silva (AL) e do Amarildo Soares (RJ) ocorrem repetidamente no Brasil, principalmente, nos bairros mais pobres, onde ser ‘bandido’ é regra e não exceção para policiais endurecidos pela violência das ruas e o desprezo à lei e à dignidade da pessoa humana; cultuadores da máxima: ‘os fins justificam os meios’. Assim, passam a ser juízes da vida e da morte”, apontaram os membros do Ministério Público.

 

Declínio de competência

O MPE/AL entendeu que os indiciados devem ser responsabilizados pelo crime de tortura em face do adolescente Raniel Victor Oliveira da Silva e pelos crimes de sequestro, tortura seguida de morte e ocultação de cadáver contra a vítima Davi da Silva. Porém, como a prática da tortura, ainda que resulte na morte da vítima, não é crime doloso contra a vida e a competência para o seu processamento e julgamento deve ser do Juízo da 14ª Vara Criminal da Capital, considerando a condição de serem as vítimas adolescentes, o Ministério Público Estadual, antes de promover a responsabilização penal dos indiciados, solicitou ao Juízo da 5ª Vara Criminal da Capital que decline da competência em razão da condição pessoal de vulnerabilidade das vítimas, adotando as medidas necessárias.

E por conta do declínio de competência da Promotoria de Justiça Coletiva Criminal, os promotores alegaram que não se pronunciaram a respeito do pedido de prisão preventiva dos indiciados, haja vista que esse parecer deverá ser dado pelo novo promotor que receber os autos do inquérito.

 

Programa de Proteção a Testemunha

Por último, o MPE/AL, levando em consideração as declarações do adolescente Raniel Victor Oliveira da Silva, solicitou a inclusão imediata do jovem e da família dele no Programa Federal de Proteção às Vítimas e Testemunhas de Crime (Lei 9807/99).

Fonte: Ascom/MPE

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