Indonésia: brasileiros presos pediam desodorante e Coca-Cola

catsPreso desde 2003, o ex-instrutor de asa delta Marco Archer Cardoso Moreira, 53 anos, tinha na cozinha e na quadra de tênis do presídio da Ilha de Nusakambangan seus principais passatempos. Ao mesmo tempo extrovertido e abalado com a execução iminente, o brasileiro costumava pedir para os representantes da embaixada brasileira na Indonésia produtos de higiene, comidas e até Coca-Cola.

Telegramas enviados pela embaixada brasileira ao Itamaraty entre 2010 e 2011, revelam como era a rotina de Marco Archer e também de Rodrigo Gularte. Enquanto o ex-instrutor de asa delta foi executado no último sábado (17) pela condenação por tráfico, Gularte aguarda a fixação da data pelo governo indonésio. A expectativa é que o fuzilamento ocorra em fevereiro.

Em visita realizada em 1º de junho de 2011, o embaixador Manuel Innocencio de Lacerda Santos Junior relata que os brasileiros presos encontravam-se em bom estado de saúde, ainda que “abatidos pela situação”. “Na ocasião, os funcionários designados tiveram a oportunidade de conversar com os detentos e de entregar a cada um deles uma cesta com produtos alimentícios e de higiene pessoal, além de revistas publicadas no Brasil”, escreveu.

As publicações entregues eram aquelas que chegavam para a embaixada pela mala diplomática, como as semanais Veja e Época. Dentro das encomendas, especialmente produtos de higiene pessoal, como desodorantes e papel higiênico, e de limpeza comum, como detergentes. Marco costumava pedir Coca-Cola. E, quando queria cozinhar algo diferente, ligava para a embaixada pedindo novos ingredientes.

Durante as visitas de servidores da embaixada brasileira – o local fica a cerca de 400 quilômetros da sede, em Jacarta -, de acordo com integrantes do corpo diplomático, os presos nunca relataram maus tratos. Pelo contrário. A percepção era outra. Especialmente Marco, que parecia ter um bom relacionamento com outros estrangeiros e com os presos indonésios.

“Não parece haver qualquer ameaça à integridade física dos brasileiros, seja pelos guardas e funcionários da prisão, seja por parte dos demais detentos. Outros presos estrangeiros que se encontravam nas proximidades durante a visita manifestaram simpatia por Marco, Rodrigo e Rogério, o que confirma existir entre os detentos um ambiente de relativa camaradagem”, escreveu o embaixador.

Na época, também estava preso Rogério Peçanha Paez, que foi condenado a nove anos de prisão por posse de drogas. Ele foi solto em 2011.

“Confusão mental”
Mesmo com as partidas diárias de tênis e podendo cozinhar à vontade – Marco Archer fez curso de gastronomia – era notável entre os servidores do Itamaraty que a prisão e a iminência da morte diminuíram aos poucos a sanidade mental do ex-instrutor de asa delta. A mudança, inclusive, foi relatada após uma visita ao presídio realizada por um terceiro secretário e por um oficial de chancelaria.

“Devo registrar, no entanto, que, apesar das boas condições de saúde dos três brasileiros, Marco apresentou sinais de confusão mental. Agitado, mostrava-se incapaz de sustentar uma conversação coerente sem interrompê-la de forma brusca, sem razão aparente, após alguns poucos minutos em contato com seu interlocutor. Evidentemente, pode-se atribuir tal estado de agitação às dificuldades decorrentes de sua atual situação, mas conviria avaliar a possibilidade de submeter Marco a uma avaliação de suas condições psicológicas”, escreveu.

Filho de ditador
O presídio onde Marco Archer estava preso foi construído na ilha de Nusakambangan. De forma geral, os estrangeiros ficavam na melhor unidade, construída no início do século para abrigar Hutomo Mandala Putra, mais conhecido como Tommy Suharto, filho do ex-ditador Hadji Suharto, acusado de participar de um atentado que resultou na morte de 15 pessoas em Jacarta.

Por isso, tem melhor condições que as demais unidades do complexo instalado na parte sul da ilha. Fica perto da praia, possui quadra de tênis e basquete, biblioteca, minimercado e templos de congregações diversas. “Os presos são mantidos em suas celas apenas à noite, podendo circular por outras dependências do presídio no período das 6h30 às 19h”, diz o embaixador Manuel Innocencio.

“Ainda que abatidos pela situação em que se encontram – especialmente Marco e Rodrigo, condenados à pena de morte -, manifestaram satisfação com as condições gerais da prisão, a qual dispõe de biblioteca, campo de futebol, quadras de tênis”, relata o embaixador. O que não era possível conseguir pelas vias tradicionais, o dinheiro enviado por familiares resolvia.

Era possível comprar um celular na cadeia e fazer ligações, por exemplo. Marco Archer conversava com a mãe e contava que sua pena tinha mudado, podendo ser solto após cumprir 15 anos de prisão. Com o dinheiro, também conseguia outras regalias, como aparelho de DVD e ventilador na cela. Porém, de tempos em tempos os guardas recolhiam todos os equipamentos proibidos, o que forçava os presos a “comprar” tudo de novo.

 

Terra

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