Brigas entre torcidas já deixaram mais de 100 mortos no Brasil

cats“Hoje ninguém vai me segurar. Vou invadir o Pacaembu, na gambazada só soco vou dar. E vou mandar tomar no …Porque eu sou santista. Santista da Vila Belmiro e aqui se resolve na porrada e no tiro.” É com esse grito de guerra que a torcida do Santos, a Força Jovem, segue para mais um jogo do time no litoral de São Paulo.

Essa rivalidade e violência expressadas nas músicas das torcidas organizadas do País são colocadas em prática na vida real com um saldo de ao menos 101 pessoas mortas nos últimos 26 anos, segundo levantamento feito pelo com aumento de casos com o passar do tempo.

Das 101 mortes levantadas pela reportagem, 65 delas foram por tiro, 13 por espancamento e outras 23 por bomba, vaso sanitário, pedradas, atropelamento, entre outras. O Nordeste concentra a maioria das ocorrências. Em 2013, o saldo foi de 30 mortes. Neste ano, 14 pessoas foram vítimas da violência entre as torcidas.

A primeira morte ligada à violência no futebol aconteceu em 1988, quando Cléo Sóstenes Dantas da Silva, 24 anos, foi assassinado em frente à sede da torcida do Palmeiras, seu clube de coração. Ele era presidente da Torcida Mancha Verde, depois extinta pela Justiça, mas que retornou com o nome de Mancha Alviverde.

A última morte, registrada no dia 19 de outubro deste ano, foi a de Leonardo da Mata Santos, de 21 anos, que morreu atropelado no km 18 da rodovia Anchieta, quando os palmeirenses, armados de facas, rojões e enxadas, atacaram de surpresa os santistas, que subiam a serra sem escolta policial.

Os números exclusivos são de ocorrências ligadas a rixas futebolísticas. No Brasil, a maioria das instituições públicas não consegue divulgar um número específico para este tipo de crime. A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que, segundo a assessoria do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é considerada a de melhor infraestrutura na divulgação de dados, não respondeu à reportagem sobre as estatísticas que o órgão teria a respeito.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, responsável pelo anuário sobre segurança, que, em novembro último, divulgou sua 8ª edição, conseguiu incluir este tipo de crime na publicação. Segundo um assessor da instituição, isto ocorre porque estes homicídios ligados ao futebol têm uma definição muito subjetiva na esfera penal.

— Há enormes dificuldades de coletarmos dados sobre segurança em todo Brasil. Na Bahia, por exemplo, muitas cidades não têm nem o registro de crimes. No anuário, estes casos de violência no futebol entraram como homicídios.

Ministro — Nos últimos anos, tentativas das autoridades de coibir a ação de elementos violentos das torcidas não foram suficientes para impedir a ocorrência de novas mortes. Pelo Estatuto do Torcedor, implantado em 2003, o clube também é responsabilizado pelo comportamento de seus torcedores e pode até ser banido de uma competição conforme a ocorrência.

Com exceção de alguns clubes, como Palmeiras e Cruzeiro, mesmo com essa obrigação, muitas agremiações não conseguiram se desvincular das torcidas organizadas, tampouco controlar a movimentação de seus membros mais perigosos. Muitas vezes por causa de ameaças ou por algum interesse eleitoral. As torcidas ainda recebem cotas de ingresso ou auxílio para viagens, tendo inclusive representantes no Conselho Deliberativo de alguns clubes, como o Grêmio.

O Ministro do Esporte, Aldo Rebello, disse que há dois caminhos a serem tomados para combater este tipo de crime: a ação penal dirigida aos torcedores violentos e a punição relativa ao esporte. Para ele, proibir a existência das organizadas é um ato “fascista”.

— É preciso haver um equilíbrio entre coibir e reprimir. Essas ações precisam ser efetivas. Estamos conversando com todas as instâncias, com o Ministério Público, as polícias federal e estaduais, as secretarias de Justiça. Isso é inclusive de interesse das torcidas porque estas mortes acabam degradando a imagem destas entidades, só reduzindo o papel delas aos olhos da sociedade e servindo de pretexto para setores fascistas, que querem colocá-las na clandestinidade.

Rebelo acredita que o Brasil deve seguir o modelo inglês de prevenção e combate à violência, mas adaptando para as características do País.

— Hoje já há condições de se nidentificar cada um dos participantes. Feito isso, que eles sejam banidos dos jogos, sem poder ir aos estádios. Inclusive sendo monitorados por tornozeleira eletrônica. Além disso, a ação penal é necessária.

Impunidade — De acordo com um levantamento do Ministério do Esporte, feito pela Secretaria Nacional do Futebol e da Defesa do Torcedor, a impunidade é o que tem prevalecido nestes casos: apenas 3% dos assassinos estão presos.

O promotor Rogério Leão Zagallo, da 5ª Vara do Júri, de São Paulo, acredita que isso se deva ao desinteresse da maioria dos envolvidos, vítimas e agressores, a terem a Justiça interferindo nestas questões. Seria uma espécie de código de ética dos torcedores a resolução do conflito entre eles. Nesta linha, o derrotado de hoje tem todo o direito de ir à forra no futuro.

— Há uma contribuição intencional de vítimas para a impunidade dos agressores, possibilitando que haja depois uma forra no palco que eles acham ideal. É algo entre eles. Por isso que dificilmente há a prisão destes indivíduos. Esta é uma situação difícil de ter um fim.

Desta maneira, segundo o promotor, as vítimas não registram queixa corretamente, não indicam nomes, não revelam detalhes do ocorrido, dificultando o trabalho da Justiça.

Como representante do Ministério do Esporte, o advogado Helvécio Araújo, que coordena o trabalho para apurar as causas da violência, afirma que o problema está disseminado pelo País, mas restrito a um grupo de cerca de 50 criminosos que ainda estão soltos.

Segundo o Ministério, houve evolução no diálogo: o número de torcidas organizadas no Brasil é de 433, sendo que 17 delas são reincidentes em casos de violência. O advogado diz que as ocorrências ainda acontecem em todo o País, destacando os Estados do Rio Grande do Norte, Bahia, Paraíba, Alagoas, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Pará.

— Somente no Rio de Janeiro diria que a violência diminuiu. Há prisões, por crime cometido nos idos de 2010. Em estados do Nordeste algumas torcidas estão proibidas de entrar nos jogos. Não adianta, porque o torcedor violento não veste a camisa da torcida, veste a do clube e vai do mesmo jeito.

Outro problema citado por Araújo, relacionado principalmente ao Nordeste, são as alianças interestaduais que camuflam brigas locais. Quando o time de uma cidade joga com o de outro Estado, seu adversário regional veste a camisa do visitante, o que possibilita a ocorrência de brigas dentro e fora do estádio, aumentando o número de mortes.

Uma das poucas mortes que tiveram condenação foi a de Pamella Munike Gonçalves Volpato, de 17 anos, assassinada em novembro de 2011. Torcedora do Goiás, ela foi baleada numa briga com torcedores do Vila Nova. Ricardo Araújo Teixeira foi condenado a 15 anos de prisão pela morte da jovem.

O namorado dela, Walisson Nogueira Teixeira, foi condenado pela morte do cabeleireiro Henrique Pereira Soares, torcedor do Vila Nova e integrante da Sangue Colorado, torcida organizada do time. Walisson teria matado o rapaz para vingar a morte de Pamella.

 

Fonte: R7

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