Julgamento dos Canibais de Garanhuns será retomado nesta sexta

Após dez horas de julgamento, chegou ao fim o primeiro dia de audiência do trio acusado de matar, esquartejar, ocultar o cadáver e praticar canibalismo contra a adolescente Jéssica Camila, em Olinda, há seis anos. A filha da vítima, que estava em poder dos três, na época com dois anos, também teria comido a carne da própria mãe. Nesta quinta-feira (13), pela primeira vez, os acusados conhecidos como ‘Canibais de Garanhuns’ quebraram o silêncio e se pronunciaram sobre os crimes. O professor de educação física Jorge Beltrão, 53, confessou ter matado a vítima. Por sua vez, as outras acusadas, Isabel Pires, 53, e Bruna Silva, 24, admitiram auxiliar na ocultação do cadáver e apontaram o réu como líder do grupo. A sessão será retomada nesta sexta (14), às 9h.

O julgamento acontece no Fórum de Olinda e é presidido pela juíza Maria Segunda Gomes de Lima. O trio começou a ser investigado em 2012, após a descoberta de restos mortais na residência onde eles viviam, em Garanhuns, no Agreste – município onde ocorreram outros dois crimes pelos quais o trio ainda não foi julgado. Na época, à polícia, os três acusados disseram ter cometido os assassinatos porque faziam parte de uma seita conhecida como “Cartel”. Ainda disseram que carne humana teria sido usada para a fabricação de empadas e coxinhas que eram vendidas na cidade. O trio responde por homicídio quadruplamente qualificado – por motivo fútil, com emprego de meio cruel, sem dar chance de defesa à vítima e para assegurar impunidade -, ocultação de cadáver, entre outros.

Ainda nesta quinta, foram ouvidas as testemunhas e os réus. Terminada a fase de depoimentos, terão início, nesta sexta, os debates, que podem durar até nove horas. Ao fim dessa etapa, os jurados, em sala reservada, responderão aos questionamentos que definirão se os réus serão condenados ou absolvidos. Por último, a magistrada retorna ao salão do júri para ler a sentença.

A defesa insiste na tese de que eles apresentam distúrbios mentais, no entanto, o laudo psiquiátrico solicitado apresentou resultado contrário. De acordo com a promotora Eliana Gaia, os três são lúcidos. “Eles foram submetidos a exames psiquiátricos. Jorge é inteligente e manipulador e inventou sofrer de esquizofrenia paranoide (doença que causa alucinações de vozes e delírios de perseguição). Ele tem uma maldade incomum”, declarou. Por sua vez, a defensora Tereza Joacy disse que Jorge estaria tomando medicações que o levavam a ter os sintomas da esquizofrenia. “Ele não tinha a doença, mas apresentava os sintomas causados pelas drogas”, explicou. O advogado de defesa Paulo Sales se baseou na tese de exclusão de culpabilidade alegando que Isabel Pires teria praticado o  crime sob coação.

O júri popular atrai a atenção da sociedade, inclusive, de importantes nomes da criminologia do país. Atenta ao caso há dois anos, a pesquisadora e escritora Ilana Casoy esteve na primeira fila da audiência. Reconhecida internacionalmente pelas consultorias que presta para a polícia, ela já chegou a entrevistar o trio. A especialista confirmou que fará um documentário sobre o caso. Ela tem quatro livros publicados, entre eles: O Quinto Mandamento, que narra o assassinato do casal Richthofen, e A Prova é a Testemunha, sobre o caso Nardoni. Outro assento é ocupado pelo jurista José Paulo Cavalcanti Filho, biógrafo de Fernando Pessoa e membro da Comissão Nacional da Verdade.

O julgamento – Testemunhas

1A primeira testemunha a depor, na manhã desta quinta-feira, foi o psiquiatra Lamartine de Holanda. O especialista foi enfático ao dizer que Jorge Beltrão não sofre de transtorno psíquico. “A esquizofrenia é uma forma de rotular algo que não existe. Mesmo assim, das várias formas de se interpretar essa ‘doença’, nenhuma se aplica ao caso”, declarou. A testemunha de acusação trabalhou como perito no caso. O laudo psiquiátrico, solicitado pela defesa, revelou que “os três são independentes e mentalmente sãos”.

Em seguida, o delegado Paulo Berenguer, responsável pelo inquérito policial, prestou depoimento. De acordo com o investigador, os três confessaram o crime e cada um tinha uma responsabilidade na ação. “Isabel, por exemplo, cooptou Jéssica. Eles também admitiram o canibalismo. A carne era temperada normalmente pelas acusadas e servida junto com o resto da comida. A idéia era comer a carne purificada da vítima para que a purificação atingisse a todos”, acrescentou. Segundo Berenger, Paloma, de Lagoa do Ouro, Maria, de Garanhuns, e Yolanda, de Olinda, seriam as próximas vitimas. “Eles ofereciam empregos de doméstica pagando um valor maior que o do mercado e atraíam as mulheres”, esclareceu o delegado.

O julgamento – Acusados

Jorge Beltrão Negro Monte da Silveira

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Por volta das 13h30, o primeiro acusado começou a prestar depoimento. Jorge Beltrão, apontado como mentor dos crimes, contou – de olhos fechados – os detalhes do esquartejamento, mas negou que a carne humana tivesse sido usada na produção de salgados vendidos em Garanhuns, no Agreste. Além disso, o réu alegou nunca ter sido consultado pelo psiquiatra forense Lamartine de Holanda. Disse tomar remédio controlado e confirmou que a morte de Jéssica estava escrita no livro “Relatos de um Esquizofrênico”, de sua autoria.

Ainda durante o depoimento, disse estar arrependido da morte de Jéssica e dos crimes praticados em Garanhuns, mas não quis falar sobre os casos do Agreste. “Foi um momento de extrema fraqueza e me sinto na posição das pessoas que perderam seus entes queridos. Minha verdadeira prisão é minha consciência. Meus colegas de cela ficam agoniados quando estou sem remédio porque dizem que eu fico nervoso, agitado.  Mas eu não lembro disso. Essa depressão é por causa das vítimas”, disse.

Quando questionado sobre quantas pessoas tinha matado, foi categórico ao dizer que foram “só as três”. Sobre a seita ‘Cartel’, disse que a criou há muito tempo, mas não havia atividade. “Cheguei a fazer doações para ONGs e umas três ou quatro famílias. Fazíamos doações de alimentos e denominamos de Cartel. Foi quando resolvi fazer esse trabalho com Bel e Bruna”. E terminou o depoimento pedindo para rezar.

“Pai celeste, em nome do seu filho Jesus, obrigado pela oportunidade de falar a verdade. De estar aqui pagando por algo que fiz. Também gostaria de pedir consolo para as famílias que perderam seu parentes e também por Bel e por Bruna”.

Isabel Cristina Pires da Silveira 

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A primeira das mulheres a se pronunciar foi Isabel Pires e o depoimento durou aproximadamente duas horas. A acusada disse não ter participado da morte de Jéssica. “A conheci porque estava querendo um filho para criar e fiquei comovida com a menina (filha da vítima), que estava desnutrida”, contou. “Entendo que ajudei na ocultação do cadáver, mas não estava na hora do esquartejamento. Eu subi, fiquei com a criança. Quem esquartejou foi só o Jorge”. E detalhou a execução. “A Bruna pegou a faca das minhas mãos e entregou ao Jorge para que ele a matasse. Eu estava segurando a pequena. Fiquei muito nervosa. Ela disse que comeu a carne de Jéssica grelhada com arroz. A criança também comeu. Ela estava lá com a gente, estava fazendo parte da família”.

No depoimento, justificou o silêncio diante dos crimes do marido. “Sou dependente emocional de Jorge. Fiquei calada com medo de que ele me deixasse”, confessou. Isabel Pires confirmou que também se alimentou da carne de Jéssica, mas negou os salgados. “A parte da coxinha não era verdade. Eu a inventei porque estava com medo de apanhar na delegacia e queria ir para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) com eles”, disse. Segundo ela, Bruna Silva, a outra acusada, ligava para as vítimas, mas Jorge Beltrão era o responsável pela seleção. “Havia uma outra pessoa a ser executada. Porque o Jorge tinha esse negocio de Cartel. Mas antes de Jéssica não teve morte alguma”, salientou. “Os objetivos eram purificação, cuidar das pessoas, procurar aquelas que tinham problemas, não trabalhavam e não tinham objetivo”, concluiu a ré.

Bruna Cristina de Oliveira da Silva

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De acordo com a acusada, Jéssica foi escolhida por ser uma menina de rua, mas havia outra pessoa para ser levada. “Uma tal de Jandira, outra moradora de rua que tinha 20 anos. A gente ia sequestrar a criança, mas não tínhamos condições de pagar pelo registro. Por isso, decidimos pegar a Jéssica, que era mais nova e mais humilde. Era uma presa mais fácil”. Além disso, Isabel a teria escolhido porque Bruna poderia se passar por ela. A criança acabou sendo registrada duas vezes. Ao detalhar a morte da adolescente, a ré também alegou não ter participado do esquartejamento.

“Por medo, por ameaça do meu pai, tive que fugir de casa e não dei qualquer noticia para a minha mãe durante sete anos. Eu fiquei apavorada. Nunca vi isso nem em filme. Jogos Mortais perdia. Minha Nossa Senhora, tremi tanto. Eu e Isabel limpamos tudo e pegamos os restos mortais. O Jorge cavou quatro buracos”, explicou. A acusada, no entanto, diferente da outra ré, disse que a menina não comeu a carne da própria mãe. “Eu comi porque o Jorge disse que na Bíblia estava escrito que se matasse tinha que comer. Mas eu revirei a Bíblia toda e não achei isso”, debochou.

Segundo ela, o comportamento do acusado mudou com o passar do tempo. “No começo de tudo, o Jorge parecia ser um homem normal, mas ao conviver com ele fui começando a ver as bipolaridades mentais”, destacou. Ao ser questionada sobre a sanidade dele pela promotoria, não hesitou. “Normal ele não é”.

O sarcasmo da acusada durante as resposta levou Eliana Gaia a pedir seriedade e a perguntar o porquê dela rir pelo canto da boca ao lembrar o caso. “Eram eles que me mandavam fazer as coisas. Eu só tinha que fazer. Crime de falsidade ideológica e participar de homicídio. Tudo ideia deles”, tangenciou. Para a defesa, Bruna Silva disse que Jorge Beltrão era o líder do Cartel, embora, em depoimento, o acusado tenha dito que não existia líder na seita. “Hoje eu sou uma pessoa que tem que pagar pelo que fez, pelas coisas que eu encobri. Gostaria de pedir perdão a Seu Emanuel, pai de Jéssica, apesar de eu não conhecê-lo”, concluiu.

Fonte: Diário de Pernambuco

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