Como Dercy Gonçalves, Joan Rivers debochava de todos e de si mesma
“A minha cara já foi mais esticada que um lençol do hotel Holiday Inn.” Esta frase foi dita pela comediante Joan Rivers, morta nesta quinta-feira (4), aos 81 anos, em um episódio da série “Nip/Tuck”, que retratava a vida de dois bem sucedidos cirurgiões plásticos de Miami.
O episódio, veiculado na segunda temporada da série em 2004, mostrava Rivers pedindo ajuda aos dois médicos fictícios para uma tarefa inusitada. Aos 71 anos, famosa, entre outras coisas, pelas inúmeras plásticas que fez, ela queria enrugar o rosto para que seu neto conhecesse sua verdadeira avó: Joan Alexandra Molinsky, seu nome de nascimento.
Obviamente que, ao ver a projeção computadorizada de como seu rosto ficaria com sua “idade real”, ela desiste da ideia e aceita o fato de que seu neto continuará tendo Joan Rivers e não uma mulher comum como avó. Para celebrar a decisão, aceita dar outra “levantada”.
Não era apenas um episódio de uma série. Era um exercício de autoanálise e de autossátira. Ali, Joan Rivers dava oportunidade às celebridades que foram suas vítimas nos tapetes vermelhos de ridicularizá-la à altura, sem a máscara de um personagem. E também dava a si mesma a oportunidade de aceitar o que se tornou, apesar das críticas que recebia de volta e, como em tudo, terminar uma história dramática em piada.
Dona de um humor cáustico e obcecada por ser aceita e respeitada por todos como disse várias vezes, inclusive em seu documentário “Joan Rivers: A Piece of Work”, sua trajetória lembra a de sua homóloga nacional, Dercy Gonçalves.
Na juventude, ambas se aventuraram em uma profissão que não era considerada adequada para mulheres. Foram festejadas, tiveram diversos períodos de glória e decadência, cada uma teve apenas uma filha que as acompanhou até o fim da vida, sem falar na boca suja.
Assim como Dercy não pensava duas vezes para mandar alguém para a “puta que o pariu”, Joan não hesitava em insultar as estrelas de Hollywood em seu programa “Fashion Police”.
Madonna era uma de suas vítimas favoritas. Quando a popstar apareceu vestida líder de torcida dois anos atrás, Rivers disse que aquele traje não era adequado para uma mulher de 150 anos. Outra que não escapou de seus insultos foi Britney Spears: “Mal posso esperar que sua carreira acabe para que ela me sirva café no 7-11 [rede de lojas de conveniência americana]. Ela é tão ‘white trash’ [lixo branco: termo pejorativo usado nos EUA para designar brancos de classes sociais inferiores]!”
Mas talvez a característica que mais aproxime as duas comediantes tenha sido a solidão e a melancolia que ambas ocultavam por trás de tanto deboche. Dercy sempre disse que nunca foi feliz com os homens e volta e meia demonstrava amargura por todas as dificuldades que passara; a pobreza financeira e intelectual da infância; o esquecimento na velhice.
Em “A Piece of Work” é possível ver que Joan Rivers também sofria por não conseguir mais, aos 75 anos de idade, quando tenta lançar um espetáculo autobiográfico, lotar sua agenda de apresentações.
Além disso tudo, guardava um certo remorso pela morte do marido, o produtor Edgar Rosenberg. Por volta de 1987, Joan era contratada da Fox, mas a emissora pediu que ela demitisse Rosenberg, pois ele estava interferindo demais nos rumos de seu programa. Joan se recusou e ambos foram para a rua. Meses depois, sem suportar a pressão da má situação financeira, ele se suicidou com uma overdose de remédios.
Em uma das cenas mais tocantes do documentário, ela aparece como sempre bastante maquiada, com duas mechas cor de rosa nas pontas dos cabelos e duas poças formadas por suas lágrimas no espaço entre os olhos e as bochechas inchadíssimas de botox. “É muito triste não ter alguém para dizer: ‘Poxa, você se lembra daquilo?…'”
Deixou a filha Melissa, do casamento com Edgar Rosenberg, e uma legião de órfãos de suas tiradas no programa “Fashion Police”. Até onde se sabe, não pediu para ser enterrada em pé, como aconteceu com nossa Dercy. Mas pediu à filha que seu funeral fosse um grande show com paparazzi em Hollywood. “Não quero um rabino murmurando. Quero Meryl Streep chorando em cinco sotaques diferentes. Quero que Bobby Vinton pegue minha cabeça e cante ‘Mr. Lonely’. Quero estar linda, melhor morta que viva. Quero ser enterrada com vestido do Valentino e quero uma máquina de vento para que, mesmo em meu caixão, meu cabelo fique esvoaçante feito o da Beyoncé.”
Fonte: Uol