Kiev e Moscou dão versões diferentes sobre proposta de trégua
KIEV E PARIS — Uma sequência de anúncios e retificações, nesta quarta-feira, evidenciou a complexidade das negociações sobre a crise separatista no Leste da Ucrânia. Num primeiro momento, o gabinete do presidente ucraniano, Petro Poroshenko, emitiu um comunicado informando que um “cessar-fogo permanente” havia sido acordado com o presidente russo, Vladimir Putin. Pouco depois, o assessor de imprensa do Kremlin, Dmitri Peskov, contestou a nota, afirmando que a “Rússia não pode concordar com um cessar-fogo já que não está em um dos lados do conflito”. Então, a Presidência ucraniana divulgou um novo informe, dizendo que, numa conversa telefônica, Poroshenko e Putin chegaram a “um entendimento sobre os passos que facilitarão a paz”. Já os separatistas pró-russos divergem sobre as chances de trégua.
Paralelamente ao vaivém diplomático, críticas ao Kremlin por alegadas intervenções no conflito foram feitas fora da Ucrânia — a França chegou ao ponto de cancelar a entrega de um navio porta-helicópteros a Moscou — e mesmo dentro do país, onde o premier Arseny Yatseniuk afirmou que a Rússia é um Estado “terrorista” e “agressor”. Longe dos gabinetes, foi mais um dia de combates em Donetsk, a maior cidade industrial da Ucrânia, conflagrada pelos insurgentes, deixando no ar se um cessar-fogo está realmente próximo.
— Nossas visões sobre a forma de resolver o conflito, ao que me parece, são muito próximas — declarou Putin, referindo-se a Poroshenko, durante visita à capital da Mongólia, Ulan Bator.
O presidente russo apresentou um plano com sete passos em busca de uma solução para o conflito, que prevê: suspensão das ofensivas separatistas; retirada das tropas, bem como o fim dos ataques aéreos ucranianos; criação de corredores para ajuda humanitária; implantação de uma missão com monitoramento internacional; reconstrução da infraestrutura danificada; e a troca de prisioneiros, “todos por todos”, segundo Putin. Ele acredita que um acordo entre Kiev e os separatistas pode ser fechado nas conversas de paz em Minsk, Bielorrússia.
O presidente ucraniano seguiu na mesma linha. “Realmente espero que, na sexta-feira, em Minsk, o processo de paz finalmente comece”, informou Poroshenko em comunicado. “O povo da Ucrânia é totalmente a favor, enquanto políticos querem brincar de guerra. Quero dizer que não vou permitir isto”, finaliza a nota.
— A Rússia é um Estado terrorista, agressor e terá que suportar a responsabilidade sob a lei internacional — criticou o primeiro-ministro ucraniano, Arseny Yatseniuk, em Kiev. — Todos os acordos anteriores com a Rússia, em Genebra, na Normandia, em Berlim e em Minsk, foram ignorados pelo regime russo.
Em um cáustico comunicado, Yatseniuk vociferou contra as propostas conversadas entre Putin e Poroshenko: “Este novo plano é uma cortina de fumaça da Rússia destinada à comunidade internacional antes da cúpula da Otan, e uma tentativa de escapar de novas sanções da União Europeia. O plano real de Putin é destruir a Ucrânia e restaurar a União Soviética.” E numa sessão televisionada do Gabinete, Yatseniuk disse que a Ucrânia tinha um projeto de construir um “muro” para definir uma “fronteira de Estado real” entre Ucrânia e Rússia.
— Em relação à Otan, considero que a única decisão, e a mais correta, seria aceitar a Ucrânia — enfatizou Yatseniuk, às vésperas de uma das mais importantes reuniões de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Nos próximos dois dias, no País de Gales, a Otan discute um plano de reação rápida, em clima de Guerra Fria, frente às atitudes da Rússia no conflito ucraniano, vistas como ameaça direta por alguns membros, como Polônia, Romênia e os países bálticos.
‘Não há caminho de volta’, diz líder separatista
Em vista a Tallinn, capital da Estônia, uma das ex-repúblicas soviéticas do Mar Báltico e uma das 28 nações integrantes da Otan, o presidente americano, Barack Obama — em um visita claramente direcionada a alertar Putin sobre as ambições russas —, declarou que o conflito ucraniano é um “momento de teste ” para os Estados Unidos e Europa.
— É um ataque descarado à integridade territorial da Ucrânia, uma nação europeia soberana e independente — discursou Obama. — Agora, a Ucrânia precisa mais do que palavras. A Otan precisa de compromissos concretos para ajudar a Ucrânia a modernizar e fortalecer as forças de segurança.
Ainda no campo diplomático, o gabinete do presidente francês, François Holande, informou que o primeiro de dois navios porta-helicópteros encomendados pela Rússia não serão entregues, por conta das intervenções de Moscou no Leste ucraniano. “As recentes ações russas são contrárias aos pilares de segurança na Europa”, ressalta o comunicado. O Ministério da Defesa da Rússia minimizou a decisão francesa, informando, também em nota, que “não será uma tragédia para a modernização” das Forças Armadas do país.
No campo de batalha, em Donetsk, houve um longo bombardeio de artilharia. Líderes separatistas estão céticos acerca de uma trégua.
— Um cessar-fogo é sempre bom, mas nossas principais exigências permanecem: a retirada das tropas ucranianas do nosso território — afirmou o vice-primeiro-ministro da autoproclamada República Popular de Donetsk, Vladimir Antyufeyev.
Já o líder de uma unidade armada de separatistas, que não quis dar o nome, foi mais contundente, ao afirmar que não aceita nada menos do que a total independência de Kiev:
— Três meses atrás ele poderia nos ter oferecido a autonomia. Mas agora temos a nossa posição, e fizemos tudo por nós mesmos. Não há caminho de volta — finalizou ele, sentado em um café do Centro da cidade, de onde podia se escutar os bombardeios ao longe.
Fonte: O Globo