Medo da violência leva varejistas a restringir entregas no Alemão, Rio
“Pacificação, pra mim, vem de paz. Mas uma área onde a gente não consegue receber algo que comprou porque a loja alega ser área de risco não é um lugar de paz”. O desabafo é de uma moradora do Conjunto de Favelas do Alemão, Zona Norte do Rio, que comprou um fogão em uma loja da rede varejista, mas não o recebeu em casa, tendo de voltar ao estabelecimento para retirá-lo.
Duas das maiores redes varejistas confirmaram ao G1 que as entregas em determinados locais da região estão restritas em função da criminalidade e destacaram que a lista de endereços considerados perigosos é flutuante, ou seja, varia conforme o registro de atos violentos.
“A pacificação, do jeito que foi feita, não trouxe nenhuma melhoria. Pelo menos eu não a vi”, reclamou a mulher que não recebeu o fogão em casa. Um levantamento feito pelo G1 nesta sexta-feira (29) indica uma média de 2,5 tiroteios por semana entre julho e agosto. Foram 16 trocas de tiros entre policiais e criminosos em 44 dias. O primeiro registrado nas reportagens do G1 em julho ocorreu no dia 16, três dias após o término da Copa do Mundo, quando as Forças Armadas e a Força Nacional já não estavam mais reforçando a segurança na capital fluminense.
Os tiroteios neste período deixaram quatro pessoas mortas, outras duas baleadas e quatro PMs feridos. Seis suspeitos foram presos. Um carro da PM foi incendiado e uma das bases da UPP local foi atacada. Mais de 6 mil estudantes ficaram sem aulas em pelo menos dois dias, assim como o comércio local ficou fechado. Por cinco dias o teleférico instalado na comunidade deixou de funcionar “por questões de segurança pública”, conforme informou à época a Supervia, concessionária que administra o transporte. Uma megaoperação policial montada para cumprir 40 mandados de prisão terminou frustrada, com a captura de apenas um dos criminosos procurados. Um oficial da PM considerou a possibilidade de informações sobre a operação terem sido vazadas antes de ser deflagrada a ação.
Antes da pacificação tinha tiroteio quando acontecia alguma operação policial. Hoje tem todo o dia. Quando a gente não dorme com tiro, a gente acorda com tiro”, relatou a mesma moradora, que diz ter sido constrangedora a alegação da loja de que o endereço em que ela vive é considerado área de risco.
As duas redes varejistas ouvidas pelo G1 afirmaram que restringem a entrega em determinados locais para garantir a segurança de motoristas e carregadores. Segundo as duas empresas, na capital, apenas o Conjunto de Favelas do Alemão tem endereços restritos atualmente. Em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, também há locais em que as duas redes não fazem entregas.
“Eu não consigo entender essa pacificação. Ela veio com a promessa de trazer paz, cidadania, desenvolvimento social, mas só veio polícia. Para mim nada mudou, continua a mesma coisa. Eu me sinto completamente insegura vivendo no Alemão”, ressaltou a moradora.
O G1 procurou a assessoria de imprensa das Unidades de Polícia Pacificadora, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
‘Twitaço’ pela paz
Na noite de 12 de agosto, uma terça-feira, os moradores do Alemão fizeram um “twitaço” pedindo paz na comunidade. Eles usaram nas redes sociais a hashtag #soscomplexodoalemao para chamar atenção sobre problemas de falta de segurança pública na região.
Entre as mensagens compartilhadas, alguns moradores comentaram sobre tiroteios diários nas favelas com UPP e criticaram a falta de segurança em suas casas. “A bala perdida tem destino certo. São homens negros e pobres os que mais morrem. #SOSComplexoDoAlemão”, registrou uma das mensagens.
Histórico da pacificação do Alemão
O Conjunto de Favelas do Alemão foi ocupado pelas forças policiais do estado, com apoio das Forças Armadas, na manhã de 28 de novembro de 2011, um domingo, para dar início ao processo de pacificação das comunidades. Cerca de 2,7 mil homens, entre policiais militares, civis, federais e homens do Exército participaram da operação, considerada inédita no país tendo em vista a união das forças estadual e federal. (relembre o infográfico que o G1 produziu à época mostrando todos os detalhes da ocupação)
Na quinta-feira anterior, 25 de novembro de 2011, quando foram realizadas as primeiras operações policiais para o processo de ocupação, uma fuga em massa dos criminosos foi registrada na Vila Cruzeiro, a primeira a receber reforço policial. As imagens da fuga rodaram o mundo.
As primeiras Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Conjunto de Favelas do Alemão começaram a ser instaladas na segunda quinzena de abril de 2012 nas comunidades de Nova Brasília e Fazendinha. Equipes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) iniciaram a ocupação para instalação das UPPs em 27 de março daquele ano, quatro meses depois da ocupação inicial pelas Forças Armadas. Atualmente há oito UPPs no Conjunto de Favelas do Alemão: UPP Fazendinha, Nova Brasília, Morro do Adeus/ Morro da Baiana, Morro do Alemão / Pedra do Sapo, UPP Morro do Sereno / Morro da Fé, UPP Morro da Chatuba / Morro da Caixa D’água, UPP Parque Proletário e UPP Vila Cruzeiro.
O Conjunto de Favelas do Alemão é composto por 15 comunidades: Itararé, Joaquim de Queiróz, Mourão Filho, Nova Brasília, Morro das Palmeiras, Parque Alvorada, Relicário, Rua 1 pela Ademas, Vila Matinha, Morro do Piancó, Morro do Adeus, Morro da Baiana, Estrada do Itararé, Morro do Alemão e Armando Sodré . O nome “Morro do Alemão”, que batiza todo o conjunto, faz referência ao apelido do antigo dono das terras da região, o polonês Leonard Kaczmarkiewicz.
Fonte: G1