Veículos de comunicação popular do Rio discutem pouco o racismo, diz pesquisa

ÍndiceA organização não governamental Observatório de Favelas divulgou hoje (28), no Centro de Artes da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, a pesquisa Direito à Comunicação e Justiça Racial, que mapeou 118 veículos de comunicação alternativa, comunitária ou popular, nos dois últimos anos. Do total, 70 responderam a um formulário no qual, além das caraterísticas gerais dos veículos, informaram como entendiam a comunicação articulada com o enfrentamento ao racismo. Foram mapeados também 30 entidades e coletivos com algum tipo de atuação relacionada à questão racial. Dentre eles, 22 responderam ao questionário, e 17 deles foram priorizados por terem ação direta nas articulações entre racismo, direito e gênero.

Segundo Raika Julie Moisés, que participou do trabalho, na comparação com o levantamento Mídia e Favela, produzido pelo Observatório, em 2011, para avaliar como as favelas eram representadas nos veículos impressos da grande imprensa, houve redução no número de representantes do setor. “Dos 73 veículos que a gente tinha, 24 desapareceram, e alguns não desapareceram, mas criaram outro formato, migraram para a internet, mudaram a periodicidade ou o alcance reduziu muito. É um número expressivo. A gente tem que discutir a democratização dos meios e a sustentabilidade”, explicou.

Na avaliação de Raika, a sustentabilidade representa grande desafio para os veículos de comunicação. Ela informou que somente 19 iniciativas têm algum tipo de financiamento. “Muitos veículos, como jornais impressos, informaram que não têm regularidade de edição nem o alcance esperado, porque não têm dinheiro”, segundo ela.

Para o diretor de Comunicação do Observatório das Favelas, Eduardo Alves, a sociedade precisa começar também a se interessar por financiar veículos alternativos de mídia, que não devem ficar restritos ao financiamento público ou da iniciativa privada. “Não tem nenhum instrumento de política pública na sociedade que incentive as pessoas a investir nisso, nem desconto de Imposto de Renda. Instrumento elementar, que seria o cara poder declarar no Imposto de Renda dele; nem isso existe no Estado brasileiro; a gente precisa conquistar isso como política pública. Tem que ter alguma forma para a gente convencer as pessoas que o que a gente faz é importante e, portanto, nossa contribuição para isso é fundamental, e não só a contribuição do Estado e da propriedade privada ”, destacou.

A pesquisa aponta também que aumentou a participação das mulheres na comunicação alternativa, e muitas delas são negras. Mas, segundo Raika, dos veículos pesquisados apenas três informaram que têm a questão racial como foco principal da cobertura. Na temática racial o tema da violência se destaca, seguida de gênero e democratização da mídia. “Violência ainda é o ponto que mais chama a atenção quando se fala em raça”, contou.

Raquel Willadino Braga, que coordenou a pesquisa, disse que o debate sobre racismo é fundamental, porque coloca, de forma significativa, a relação entre a violência simbólica e a violência física. “Para fazer frente a esse processo, para pensar a construção de um projeto pleno de direitos para todos, é imprescindível pensar a cidade como lugar de encontro das diferenças e a valorização da vida como princípio fundamental. Além disso, outro movimento importante para nós é situar os espaços populares no centro de uma agenda política voltada para a superação das desigualdades e conectar essa agenda com proposições que nos permitam avançar no enfrentamento das desigualdades racial e de gênero. Aí a gente entende que a comunicação tem um papel absolutamente estratégico”, analisou.

De acordo com ela, o principal desafio da pesquisa era articular o potencial dos veículos de comunicação comunitária com ações voltadas para o enfrentamento do racismo. “O que marca este projeto é o esforço de conectar o debate sobre o direito à comunicação com políticas que contribuam efetivamente para a igualdade racial”, informou.

O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais, Marcelo Paixão, lembrou que em um momento de campanha eleitoral, na Maré, por exemplo, as propagandas políticas de uma forma geral não refletem pessoas da comunidade. “Passando aqui na Maré a gente pergunta quais são os candidatos da comunidade? Os rostos que disputam na campanha eleitoral são todos de fora. O acesso ao poder político é quase um monopólio de um determinado grupo da população, e quem vai padecer do problema não é a população negra, mas a democracia do país como um todo”, apontou, ao participar de debate sobre racismo no lançamento da pesquisa.

Sueli Carneiro, do portal Geledés, disse que a pesquisa confirma a necessidade de financiamento para esse tipo de comunicação. Ela acrescentou que é recente o crescimento de editais para levantamento de recursos que garantam a sustentabilidade dos veículos. “Começam a emergir linhas de financiamento de editais próprios para este campo, mas ainda aquém da magnitude do desafio que está posto, quando se compara a desigualdade do enfrentamento que se tem que fazer com uma mídia hegemônica”, disse.

O cineasta Joel Zito analisou a questão do racismo nos meios de comunicação, no cinema e na propaganda. Ele disse que ainda hoje é baixa a participação de negros em papéis de destaque. Sobre a pesquisa, Joel Zito disse que ficou surpreendido positivamente com o número maior de mulheres negras trabalhando no segmento, mas destacou que apesar de os veículos trabalharem em regiões de renda mais baixa, a discussão do racismo ainda não é uma questão central. “Pra mim, isso não foi uma surpresa. Era o que eu achava que acontecia”, completou.

 

 

Agência Brasil

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